perguntas feitas frequentemente
ou talvez nem por isso

1. Porque é que tantos cineastas permitem que se vejam microfones na película?
2.
E quando acontece algo semelhante, mas em vídeo?
3. É verdade que algumas adaptações vídeo cortam quase metade do filme? Não invalidaria totalmente a sua compreensão?
4. Porque é que a duração dos filmes é muitas vezes inferior ao que se refere na cassete ou em revistas, relativamente a uma transmissão televisiva?
5. Porque é que algumas estações de TV cortam os créditos finais dos filmes, e põem uma bolinha idiota com a palavra "fim"?
6. Porque é que tantas pessoas falam nas salas de cinema, em vez de verem o filme?
7. E porque é que se come numas salas e outras exibem cartazes dizendo «proibido comer e beber nas salas»?
8. Porque é que muitas pessoas insistem em considerar o cinema uma arte?
9. Porque é que muitas pessoas insistem em considerar o cinema como uma mera actividade comercial e o filme um mero produto?
10. Porque é que algumas pessoas ficam na sala enquanto passam os créditos finais?
11. Porque é que há uma tendência em associar sempre cinema a Hollywood?


Porque é que tantos cineastas permitem que se vejam microfones na película?
Quando surgem microfones na tela (em cima ou em baixo) a culpa não é, por norma, do realizador ou do director de fotografia, mas sim dos responsáveis da sala de cinema que não enquadraram o filme convenientemente. O cineasta concebe o filme para um formato particular, e, apesar de por vezes expor todo o negativo, apenas deseja que seja vista uma secção central. O negativo de 35mm tem o formato 1.33:1 (relação horizontal:vertical), o mesmo da televisão convencional, mas os filmes são projectados em formatos mais largos, obtidos mascarando o filme no projector, ou seja cobrindo-o acima e abaixo. Os enquadramentos mais frequentes são 1.66:1, para a Europa e 1.85:1, para os EUA. Se o projeccionista colocar no projector uma máscara de 1.66:1, e o filme tiver sido concebido para 1.85:1, está na realidade a abrir demasiado o filme, podendo mostrar parte da película que não devia ser vista, nomeadamente microfones colocados próximo da margem do enquadramento.

Vd. os conceitos de hard-matte e soft-matte, e os diversos formatos de projecção.

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Como se pode ver, a utilização errada de uma máscara 1.66:1 (à esquerda) pode permitir que se mostrem microfones posicionados junto da margem do enquadramento 1.85:1 (à direita). Tudo piorará se a própria máscara 1.66:1 estiver mal feita (ainda mais aberta), ou se o filme estiver a ser projectado descentrado, mais para cima ou para baixo, ou seja mostrando uma faixa destapada grande, em vez de duas faixas destapadas menores. (N.B.: As escalas podem não ser exactas.)

Se quiser ver uma melhor ilustracção sobre esta matéria, click aqui.

E quando acontece algo semelhante, mas em vídeo?
A ânsia de encher os écrans de TV, adulterando o enquadramento concebido pelos cineastas, leva por vezes a que algumas cópias sejam transferidas para vídeo "destapadas" (com os "mattes" removidos). Existem filmes cuja película é tapada ("hard matte") inviabilizando muitos possíveis erros na projecção, mas se o negativo estiver totalmente exposto, essa imagem pode ser usada para fazer uma edição vídeo em fullscreen (écran cheio), que por vezes permite ver uma série de objectos indesejados. Além de microfones também se registam casos em que se vêem os ténis do cameraman. A frequência com que microfones são colocados na zona destinada a ser tapada, deverá ser a principal razão para que poucos filmes sejam editados em vídeo "destapados", sendo quase sempre cortados lateralmente. Mas muitos realizadores resignam-se e procuram, desde logo, filmar de forma a evitar estes problemas, e outros, como James Cameron, supervisionam o processo de pan and scan dos seus filmes.

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Estas imagem mostram o problema de "abrir" o filme totalmente para vídeo, a que corresponde a imagem da direita: John Cleese é suposto estar nu nesta cena de «Um Peixe Chamado Vanda», mas em alguns planos filmou vestido (aqueles em que estavam presentes menores no set). A imagem aberta corresponde a um enquadramento televisivo, mas foi comprovado in loco, aquando da exibição comercial do filme, que a projecção errada também permitia ver demais. Nesta cena, e nos termos em que aqui se exemplifica.

Registo de alguns exemplos

«Instantes Decisivos/Sliding Doors» (1997) - em sala (Colombo, Lisboa 1998), durante os créditos iniciais podemos ver os calções do actor John Lynch, enquanto toma banho;
«Psico/Psycho» (1960) - em reposição (Cine ACS, Lisboa, 1998), projectado no "formato da Academia" (1.33:1), i.e., 30% mais alto do que o enquadramento correcto (1.85:1). Em diversas sequências, particularmente a famosa cena do chuveiro, surgem enormes "mattes" (barras negras) na parte inferior do écran. A sequência de abertura é um indicador muito óbvio em relação ao modo como o filme devia ser enquadrado;
«Sentiste a Minha Falta?/Blackout» (1997) - em sala (Mundial, Lisboa, 1998), um microfone muito óbvio sobre Matthew Modine, num espelho da casa de banho, e cabelo(?) de um membro da equipa técnica durante um exterior, dentro de um carro. Projectado em 1.33:1;
«O Senhor dos Desejos/Wishmaster» (1997) - em sala (ANCA, Porto, 1998), dois ou três microfones no topo, diversos "mattes";
«O Lado Obscuro da Lei/Night Falls on Manhattan», (1997) - em sala (Quarteto, Lisboa, 1997), descreve-se a nudez de um actor de que se vêem calções. Em dois planos consecutivos, os calções mudam de azul para vermelho;
«Bound - Sem Limites/Bound» (1996) - em sala (AMC, V.N.Gaia e Alcântara, Lisboa, 1997), pelos menos dois microfones vistos na sala de cinema, sempre na parte de baixo do écran. A legendagem muito baixa terá contribuido para isso;
«Segredos e Mentiras/Secrets and Lies» (1996) - na TV (RTP2, 15/5/98), perto de 10 microfones visíveis, bem como constantes "mattes";
«Comer Beber Homem Mulher/Yanshi Nan Nu» (1994) - na TV (RTP2, 4/7/97), cerca de 20 microfones visíveis durante todo o filme, além de vários "mattes" e mesmo projectores;
«Experiência Alucinante/Return of the Living Dead III» (1993) - em vídeo, alguns microfones no topo da imagem, mas muito pouco notórios. O efeito de maquilhagem de um braço destruído de um zombie ("River Man") é decoberto, quando se vê facilmente o braço do actor (semelhante a «Predador»), na parte de baixo da imagem.
«Aracnofobia/Arachnofobia» (1990) - em sala (no extinto Berna, Lisboa, talvez 1991), roupa "protectora" de uma actriz que toma banho e mecanismos de controle das aranhas mecânicas.
«Predador/Predator» (1987) - na cópia vídeo (passou na TV pelo menos na RTP e na TVI) o braço de Carl Weathers, acabado de ser cortado, é claramente visível. Também se vê um microfone, momentos antes, quando Weathers e outro actor estão a falar debaixo de um tronco horizontal.
«O Soro Maléfico/Re-Animator» (1986) - em vídeo, estraga-se o efeito em que Jeffrey Combs fura o torax de um zombie com uma serra de crânios. Na parte debaixo da imagem, destapada, podemos ver o corpo falso a pairar no ar, com o corpo do actor por detrás.
«Scanners» (1981) - a cópia vídeo permite ver microfones em dois momentos, sendo o mais notório no momento antes do combate psíquico final. O primeiro possivelmente não será visto numa TV sem underscan no topo.

Nota: algumas destas deficiências não se detectam ao primeiro visionamento, por serem subtis, mas também porque - no caso de efeitos especiais - à primeira vez estarmos mais concentrados na "acção", e não olhamos em redor na imagem (p.ex.: em «Re-Animator» mais facilmente olhamos para o buraco da serra do que para a parte inferior do corpo falso que é penetrado).

É verdade que algumas adaptações vídeo cortam quase metade do filme? Não invalidaria totalmente a sua compreensão?
Um filme em Panavision (2.35:1), o mais vulgar formato "scope", perde 43.4% ao ser transferido para a TV em écran cheio. Filmes em formatos ainda mais largos, como «Ben-Hur» ou «Revolta na Bounty» (2.75:1) perdem mesmo mais de metade: 51.6% (estes processos - Ultra Panavision 70 e MGM Camera 65 - já não são utilizados).

A compreensão do filme se não se perde é pelo menos radicalmente alterada. Quem não viu o filme em sala pode achar que não está a perder nada. Mas, se se vir a versão de écran cheio e depois se vir o mesmo filme no cinema (ou numa cópia widescreen) constata-se que é um filme inteiramente diferente. Dizer o contrário é querer fazer acreditar que em quase metade do filme não se passa nada, e que o realizador limita-se a usar espaço extra para a sala de cinema, que não passa de "espaço morto". (A política do Reino Unido parte do princípio que se trata de dois filmes diferentes: sujeita-se a versão widescreen a nova análise para classificação, pois existem elementos substanciais não visíveis na cópia de écran cheio).

Porque é que a duração dos filmes é muitas vezes inferior ao que se refere na cassete ou em revistas, relativamente a uma transmissão televisiva?
Antes de mais, o que o distribuidor fará é utilizar determinada fonte para a duração, e não medir a cassete. Os motivos para discrepâncias serão fundamentalmente dois:

UM: Pode-se estar perante uma cópia censurada por incúria do distribuidor nacional/emissora de TV, o que é raro (?), mas já tem sucedido («A Ninhada» na TV e «Hellraiser» em cinema e vídeo são exemplos). Os distribuidores têm obrigação de saber que países como os EUA, o Canadá ou o Reino Unido, praticam censura no cinema, sendo normal a existência de diversas versões do mesmo filme, e como tal devem obviamente disponibilizar a versão não censurada. De contrário estão a pactuar com censura motivada por motivos sociais, políticos e económicos que não nos dizem respeito. Há ainda os casos mais recentes de «A Última Sedução» na SIC, e de «Crash» e «Normal Life», em vídeo Lusomundo. Estes dois tinham os tempos correctos no verso da cassete. A cassete vídeo do primeiro filme (Castello Lopes) tem o tempo errado mas é a versão integral. (Vd. artigos na coluna.)

DOIS: A duração divulgada corresponde ao tempo do filme na sala de cinema, e não ao tempo real da cassete. Isto é, por questões técnicas que não vamos agora desenvolver (por questões de brevidade mas também por receio de cair em imprecisões), um filme em PAL - o nosso sistema vídeo - corre a 25 imagens por segundo e não às 24 a que é projectado na sala. Isto resulta que 25 minutos de película são passados em 24 minutos numa cassete PAL, e que um filme de 100 minutos tenha 96 em vídeo.

O sistema NTSC (EUA, Canadá, Japão) corre a 30 IPS, mas é feito um rendering, duplicando imagens, de modo a que o tempo da cassete corresponda exactamente ao tempo cinematográfico. Porque não se optou por uma solução semelhante para o PAL? A resposta à próxima questão levanta uma possibilidade.

Porque é que algumas estações de TV cortam os créditos finais dos filmes, e põem uma bolinha idiota com a palavra fim?
Essas emissoras adoptaram esse comportamento porque sabem que a generalidade dos seus espectadores não se incomoda com isso. Não se importam com públicos particulares e, normalmente, a sua actuação a nível de programação tende para transmitir a maioria dos programas para o mesmo público (o maior denominador comum). Se esse público não fosse conformista sentir-se-ia ultrajado - mesmo não estando interessado em ver os créditos - uma vez que a emissora toma decisões que deviam competir ao espectador (ver ou não ver). O motivo principal é evitar que as audiências caiam nesses 3 minutos, colando-se o programa seguinte ao "fim" do filme. Ver filmes nestes canais é aceitar estas regras. Acrescente-se, concluindo a questão anterior, que um provável motivo para não existir rendering no sistema PAL são os tais 4 ou 5 minutos que se ganham em transmissões televisivas. (De qualquer forma, essa aceleração não é notória.) Assim, estas emissoras são verdadeiras aves de rapina, pois roubam alguns minutos a um filme, que por si só já surge mais curto.

(Segundo consta, certas emissoras americanas, aceleram electronicamente os filmes, para próximo das 25 IPS - como no PAL - para também ganharem tempo comercial.)

Porque é que tantas pessoas falam nas salas de cinema, em vez de verem o filme?
Essa é uma pergunta difícil, requerendo um profundo estudo sociológico. Dir-se-ia estar relacionado com o boom do Diálogo pós-Cavaquista, mas constatando que o fenómeno transcende as fronteiras nacionais, pomos de parte a hipótese. Há várias outras possibilidades:

a) o falante quer mostrar que está a perceber o filme, ou que tem um poder de análise apurado ("ela fez-lhe sinal, não fez?!");

b) o falante não consegue evitar mostrar que não está a perceber o filme ("não estou a perceber nada disto.");

c) o falante está demasiado habituado à TV e ao vídeo na sala com os amigos e família e não consegue distinguir as situações ("oh João, para a próxima não te deixamos escolher o filme!");

d) o falante não está muito interessado no filme ("que seca de filme!");

e) o falante acha que pagar um bilhete dá-lhe direito de prejudicar a experiência cinematográfica de outras pessoas que também o pagaram (comentários despropositados, ruídos parasitas aleatórios, risadas em momentos dramáticos).

E porque é que se come numas salas e outras exibem cartazes dizendo «proibido comer e beber nas salas»?z
A haver uma lei, é estranho que só se aplique a algumas salas. Toda a gente tem o direito de comer o que quiser e onde quiser, apesar de existirem sítios próprios para o fazer. Dada a natureza do espectáculo cinematográfico, um mastigador por detrás dos nossos ouvidos é a última coisa que precisamos, particularmente em cenas de suspense.

O acto de "pipocar" é um acto de mimetismo como outro qualquer, i.e., o desejo de nos mesclarmos com o meio (efeito camaleão), procurando o comportamento médio ("correcto"), ou aceitando o que nos transmitem como tal. Se o marketing diz que se deve comer pipocas dentro da sala de cinema, comem-se pipocas dentro da sala de cinema. É um pouco mais prejudicial que usar bonés com a pala para trás, menos divertido que mochilas-panda ou tamagotchis, menos útil que um telemóvel e menos doloroso que piercing. Em outros tempos, como é sabido, utilizavam-se mensagens subliminares durante a projecção do filme, estimulando desejos por pipocas, refrigerantes, etc. Hoje em dia os meios são mais directos, porque o consumidor é mais receptivo. E se lhe dizem que cinema e pipocas são "uma dupla divertida", eles engolem (literalmente).

De qualquer forma, mesmo respeitando os desejos de cada um, as melhores salas desejam proporcionar uma melhor experiência cinematográfica: sem intervalos, sem comida e bebida, luzes apagadas durante o filme e trailer e acesas (pelo menos a meia-luz) durante os comerciais.

Porque é que muitas pessoas insistem em considerar o cinema uma arte?
Certamente estão desligadas da realidade. Muitas estão ligadas ao meio e vêm isto como uma forma de garantir subsídios automáticos. Isto é: é arte, logo o Estado tem de pagá-la. Daí decorre normalmente o conceito de que para ser arte o filme tem de ser aborrecido e o mais lento possível. Se o espectador não se sentir desconfortável não é arte. Daqui surgem duas vertentes. Uma, são os chamados "Mestres do Plano" ou do "Enquadramento", que ganham esses títulos reduzindo drasticamente o número de planos para uma meia dúzia. Outra, os chamados "Zip-Filmes", caracterizados por durarem, por exemplo, 1 hora e meia, mas deixarem a sensação de terem durado três horas.

Porque é que muitas pessoas insistem em considerar o cinema como uma mera actividade comercial e o filme um mero produto?
Certamente estão desligadas da realidade. Muitas estão ligadas ao meio e vêm isto como uma forma de garantir rendimentos. Isto é: menos diversidade e inovação, não levantar questões ou o que quer que seja que leve o espectador a pensar, distraindo-se do filme pelo qual pagou, redução das formas de apresentação do produto, até se atingir o número máximo de consumidores possível, vulgo mínimo denominador comum. Isto é, eu gosto de seis cores, incluindo o azul; você gosta de oito cores, e em comum, apenas gostamos do azul. Assim é certo que só azul é produzido para que não se colida com os seus gostos ao querer agradar-me ou com os meus ao querer agradar-lhe. Daqui decorre normalmente o conceito de que para ser comercializável o filme tem de seguir padrões previamente estabelecidos e testados e o mais estúpido possível. Se o espectador não perceber qualquer coisa que seja, não é um bom produto. Por exemplo «007: License Revoked» teve de ser alterado para «License to Kill» para evitar uma palavra potencialmente difícil. Daqui resulta que podemos estar seguros de algo: se gostámos dos filmes produzidos ultimamente, é seguro que vamos gostar de todos os outros, já que não passam dos mesmos com outros personagens, cenários e premissas; se odiámos esses filmes é garantido que vamos continuar a odiá-los.

Porque é que algumas pessoas ficam na sala enquanto passam os créditos finais?
Cada pessoa terá os seus motivos. Há quem use aqueles minutos para digerir o filme que acabou de ver e há quem se interesse por aspectos técnicos do filme, ou queira confirmar se reconheceu certos actores ou identificou cameos. Para além dos filmes cuja ficha técnica é estimulante e divertida, como a série «Naked Gun», por exemplo, há sempre qualquer detalhe curioso para ler nos créditos finais. «A River Runs Though it» creditava um Treinador de Trutas. As mensagens de desresponsabilização também costumam ser sugestivas. «The Killer Tongue» referia que "nenhum animal foi ferido no decurso das filmagens; os actores, no entanto, trabalharam em excesso e foram mal alimentados". «Meet the Feebles» assegura-nos que "nenhuma marioneta foi ferida durante as filmagens". «Scream», nos agradecimentos, expressa que "não se agradece, de forma alguma ao Santa Rosa City Schools Governing Board" (o Conselho Directivo do liceu onde proibiram as filmagens, quando constataram que se tratava de um filme violento). Além disso, existem também diversos filmes que contém imagem e diálogos durante ou depois dos créditos, como é o caso de «Private Parts», «Ferris Bueller's Day Off», «Crimewave», «Gremlins 2», «L.A. Confidential», «Scream» ou «Scream 2», etc. (A lista seria quase infindável).

Enfim, cada um terá o seu motivo. Todas as pessoas são diferentes. Mesmo que certas emissoras televisivas não o desejem por complicar a colocação do produto no mercado.

Porque é que há uma tendência em associar sempre cinema a Hollywood?
Porque o cinema americano, made in Hollywood, domina totalmente o mercado cinematográfico mundial, e as pessoas, muito naturalmente, falam daquilo que vêm. Com o passar dos anos, os estúdios americanos foram aperfeiçoando o sistema de produção/distribuição/exibição, controlando todas as fases. Detendo as salas, podem à partida controlar custos e planear a produção de um filme tendo já em vista o número de salas em que irá estrear, bem como o programa de estreias por outros países. A produção funciona tipo linha de montagem, pegando nos anteriores sucessos de bilheteira e reformulando-os, de modo a reduzir o risco. A imaginação e a inovação são obstáculos a um sistema quase perfeito, em que para cada blockbuster se produz um número considerável de filmes "médios" e "pequenos", para que não haja espaço nas salas para filmes fora do sistema. Mesmo quando estes não dão lucro, os "grandes" cobrem os prejuízos.

Ironicamente, as grandes obras do cinema moderno, foram feitas à margem do sistema dos grandes estúdios, seja a nível independente nos EUA, seja fora do país, onde é frequente que Hollywood vá beber, adoçando e reduzindo as temáticas para audiências mais vastas. Muitos dos criadores, vinculados contratualmente com os estúdios, são censurados ou obrigados a alterar os seus filmes, quando se suspeita de conteúdo que possa não ser aceite pelo espectador médio. Sempre que um filme independente, off-Hollywood, consegue furar o bloqueio e ter sucesso comercial, o sistema limita-se a procurar reproduzi-lo em próximas produções. Por exemplo, assim que «O Paciente Inglês» fez sucesso (após ter sido recusado pelos maiores estúdios), congeminaram-se de imediato reformulações. Não se pesam as circunstâncias que se juntaram para fazer um filme interessante e que teve sucesso; pegam-se apenas nos ingredientes: "vamos fazer um filme no deserto, com aviões, com o Tom Cruise, «English Pacient» meets «Top Gun»". O filme «The Player» de Robert Altman retrata fielmente este modo de pensar e de agir.

Deste modo, espectadores menos atentos quase pensam que Hollywood produz todos os filmes que existem, e os media alimentam esta mentalidade de massa, continuamente remetendo para o que o espectador médio tem alguma noção. O melhor exemplo é a frenética atenção dada aos Oscars por jornais, mas principalmente canais de TV, que não têm quaisquer programas de cinema regular, para além de miscelâneas com making ofs enlatados e trailers já em pan and scan (i.e., programas para o que virá em vídeo e não para o que existe em exibição), em que os "comentários" não passam do que é remetido pelo distribuidor. Esses media, ano após ano, sempre que querem referir qualquer outro prémio, sentem necessidade de se apoiarem no tio Oscar, presumindo que - ano após ano - o espectador médio não aprendeu nada e precisa sempre desta referência. Assim temos os "oscars franceses", os "oscars europeus", os "oscars da música", os "oscars da TV", etc., etc., etc., porque nós nunca iremos perceber o que são Emmys, Grammys, Felixes, etc.


Colaboraram na compilação: Manuel Graça (Hollywood, Oscars) e Pedro Sá (cinema, arte e comércio).

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