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Sentiste a Minha Falta?/The Blackout
Realizado por Abel Ferrara
EUA, 1998 Cor - 98 min.
Com: Matthew Modine, Claudia Schiffer, Béatrice Dalle, Sarah Lassez, Dennis Hopper, Steven Bauer, Laura Bailey, Nancy Ferrara, Andrew Fiscella, Vincent Lamberti

Matty (Modine) - um actor de Hollywood viciado em alcóol e drogas - e a namorada, Annie (Dalle), passam alguns dias em Miami. Ele propõe-lhe casamento, mas ela diz-lhe que fez um aborto devido à insistência dele, algo de que o próprio não se recorda. Mickey (Hopper) é um amigo do casal, dono de um clube e dedicando-se a fazer um remake vídeo - meio experimental, meio snuff-movie -, do filme francês «Nana» (1955) (baseado num livro de Emille Zola). Depois da discussão com Annie, Matty conhece outra mulher com o mesmo nome, a quem chama de Annie 2 (Lassez), e que Mickey poderá usar no seu filme, no lugar de Annie (1). Durante as filmagens, Matty tem algumas perdas de memória. Um ano e meio depois, vive com Susan (Schiffer) e é atormentado por flashbacks que o convencem de ter cometido algo de muito grave no passado.

Com um daqueles títulos portugueses destinado a gerar um verdadeiro blackout, o último filme de Abel Ferrara estreia por cá, depois de passagens pouco marcantes por diversos países, mas com presença assinalada em festivais internacionais. Ferrara permanece um dos mais "marginais" cineastas americanos, e a distribuição dos seus filmes não é propriamente muito concorrida. No nosso caso, resta saber se a Atalanta tentou sequer adquiri-lo, na sequência de «The Addiction» (1995) e «The Funeral» (1996), ou se desinteressou até a Lusomundo precisar de preencher as suas salas dedicadas ao cinema independente (i.e., o Mundial em Lisboa).

Ao contrário dos anteriores filmes de Ferrara, «The Blackout» não tem a assinatura a nível do argumento do colaborador de longa data, Nicholas St. John, e é inevitável que existam algumas diferenças temáticas. A vertente religiosa não será tão notória, mas a estrutura é semelhante a outras obras, na sua essência: personagens condenados/pecadores em busca da expiação. Neste caso, para que a redenção de Matty se materialize, ele precisa primeiro de alcançar a consciência e de repor as memórias apagadas. O "pecado" aqui clama mais alto, já que não é consciente. O personagem sente que pode ter sucedido algo de grave e é impelido a partir à descoberta, para ficar em paz consigo próprio.

[O parágrafo seguinte faz referências alusivas a elementos essenciais do filme e à respectiva conclusão]

O personagem de Modine não se consegue integrar numa vida normal, sóbrio e ao lado de uma mulher que o ama (mas que ele nem por isso – sim, existem pessoas que não se satisfazem apenas com dinheiro, uma carreira e a Claudia Schiffer), e a necessidade de preencher os buracos resultantes de diversos blackouts, força-o a caminhar na mesma estrada. Tal como em anteriores obras do realizador, o problema não passa por conseguir fugir da punição da lei ou dos outros, mas por enfrentar algo interno, que consome e leva à destruição física. A solução raramente é a vida, porque o personagem não pode viver sem extirpar o elemento corruptor da sua "alma", e essa "limpeza" não se alcança com um detergente vulgar. Não há mera negação da vida. O contraponto existe na sugestão da imortalidade, e há um paralelo com a sequência final de «The Addiction» - e Matty diz a certa altura "parece que estou num filme de vampiros" -, o que funciona melhor num plano católico. Mesmo que a Igreja não apoie o suicídio, não é propriamente oponente da autodestruição, vertente martírio, desde que sirva um propósito. Um curioso paradoxo. Ferrara acredita em Deus e não duvida que os seus personagens mereçam o Céu.

Claudia Schiffer é creditada com algum destaque, tentando-se obviamente capitalizar com o seu nome, mas o papel é muito reduzido, surgindo pouco antes do acto final. A sua Susan é a vida normal que Matty é impelido a rejeitar, e é necessariamente diferente das figuras que o circundam na sua fase de consumo imoderado de produtos viciantes. A prestação de Schiffer não é marcante, mas também não é desprezível, e se uma actriz desconhecida preenchesse aquele papel possivelmente não haveriam muitos comentários a fazer. Mas como é o papel da Claudia Schiffer… A modéstia da actriz (?) levou-a a dizer que um dos factores de escolha do papel foi ser pequeno, logo não muito exigente e ideal para um inicio pacífico nestas andanças de representação "séria".

***1/2
classificações

Notas sobre a projecção: Infelizmente o Mundial apontou para um formato de projecção muito popular no início dos anos 50, desequilibrando imenso a composição e revelando objectos indesejados em algumas ocasiões, nomeadamente um microfone em cima de Matthew Modine, no espelho da casa de banho. Algumas pessoas da sala, claro, comentaram as deficiências "do filme", com risinhos.