Fantasporto 2001 - 21º Festival Internacional de Cinema do Porto

Cartaz Fantasporto 2001 O Festival
  • Não Vá, Alugue um Vídeo
  • Coreia do Sul
  • Sexo, Sangue e Anzóis
  • Festa na Praia dos Psicopatas
  • Irrefutável Esperança
  • Antes Ter Ido Jantar

    Projecção e Programação

    Filmes Visionados

    Filmes Premiados

  • O Fantasporto 2001 decorreu oficialmente entre os dias 23 de Fevereiro e 3 de Março, concentrando a exibição dos filmes em competição fundamentalmente no Teatro Municipal Rivoli (este ano apenas uma sala AMC funcionou em complemento).

    2001 seria um bom ano para uma retrospectiva dedicada ao cinema pós-apocalíptico, para combinar com o aspecto geral do centro da cidade do Porto, que “beneficiou” de um face-lift muito radical. Parece haver uma lógica, muito portuguesa, no modo de utilizar as verbas disponíveis para eventos internacionais, para mudar características arquitectónicas e de mobilidade das cidades. Não tenho nada contra melhorias nas ruas e praças da cidade, que venham a facilitar o dia-a-dia dos seus habitantes e visitantes, mas será que não havia um modo de contornar esta questão, assumida pelos responsáveis, de “ter que” concentrar as obras durante o decurso da Capital Europeia da Cultura? Como sempre, uns anos antes, fala-se das obras “para” o evento e, quando o dito está mesmo a começar, diz-se que afinal é muito natural que seja mesmo assim – não me lembro bem porquê – e que o importante é que as coisas se vão fazendo. Eu sou um optimista: ainda espero que o Rio Trancão seja despoluído antes da Expo 98.

    Mas passemos àquilo que verdadeiramente interessa, i.e., a edição deste ano do Fantasporto e os filmes apresentados.

    Não Vá, Alugue um Vídeo. Algumas sessões no ano passado tinham tido projecções vídeo, o que tem a vantagem – quase exclusiva – de facilitar que o projeccionista acerte com a janela do ecrã. Por outro lado, alguns desses títulos teriam mesmo sido rodados em vídeo ou em 16mm e as perdas seriam mínimas. Este ano, tivemos obras como «Hopeless» e «Scarlet Diva» produzidas em vídeo digital e transferidas para 35mm, com um aspecto no ecrã perfeitamente aceitável (mais no último caso, menos no primeiro, talvez devido a detalhes específicos da projecção). Tudo bem quanto a isto, mas uma retrospectiva de animação japonesa com projecção vídeo e dobragem em inglês, não me parece muito de aplaudir num festival de cinema como o Fantasporto. A julgar por «Bram Stoker's Dracula», a retrospectiva de Jess Franco também foi constituída por “vídeos”. Pior, no final tinha um logo da editora britânica (4 Front, segundas edições a preços especiais – £5.99). Certos títulos mais “marotos” ou violentos muito naturalmente teriam cortes no Reino Unido, portanto se os restantes filmes foram exibidos nas mesmas condições, a opção é algo... censurável.

    Coreia do Sul. O grande chamariz desta edição foi a retrospectiva de cinema coreano contemporâneo, que trouxe até ao Porto 13 títulos de uma cinematografia muito pouco conhecida entre nós (terá estreado comercialmente algum filme da Coreia do Sul?) Poderiam acrescentar-se alguns títulos para complementar a retrospectiva, ou em vez de outros apresentados, como «A Promise» (recorde de bilheteiras de 1998), «Attack on the Gas Station» e «Nowhere to Hide» (1999), o polémico «Lies» ou «JSA/Joint Security Area» (ambos 2000, este último top de bilheteira). Mas uma selecção é sempre subjectiva.

    The Isle
    «Seom» [The Isle] de Kim Ki-deok, com Seo Jeong. Prémio Especial do Juri e Melhor Actriz.
    A organização do festival parece justificar o investimento nesta cinematografia com o colapso do cinema de Hong Kong. Se se lerem os editoriais no catálogo, quase se diz expressamente que o cinema coreano é que “está a dar” e que o de Hong Kong está fora de moda. Mau, muito mau. Não seria melhor mostrar 2 ou 3 filmes de Hong Kong para que o público regular pudesse acompanhar a evolução desta cinematografia? Este ano tivemos zero. Opções: títulos da produtora Milkyway (em destaque no ciclo Made in HK, Lisboa, 1999), Johnnie To Kei-Fung, que continua a ser prolífero, Fruit Chan Kwoh, um dos mais importantes autores do cinema moderno da Região Administrativa Especial, assinou o belíssimo «Made in Hong Kong» e, mais recentemente, «Little Cheung», ou o novo Tsui Hark, «Time and Tide», que tem dado que falar. E o novo cinema de artes marciais e fantasia como «Stormriders» e «A Man Called Hero»?

    O cinema de Hong Kong não desapareceu e um festival de cinema desta magnitude não devia limitar-se a seguir modas, permitindo também acompanhar a evolução, para melhor ou para pior, de cinematografias representadas em edições anteriores (com excelentes exemplos como «A Chinese Ghost Story», «The Bride with White Hair» ou «The Odd One Dies»). Talvez o sucesso de «O Tigre e o Dragão/Wo Hu Zang Long», de Ang Lee, sugira uma retrospectiva em grande de clássicos oriundos da ex-colónia britânica.

    A retrospectiva coreana apresentou algumas pérolas, como «The Isle», «Memento Mori», «Happy End» e «Tell me Something». Os restantes filmes que pude ver tinham todos algum interesse, apesar de alguma repetição e de uma certa limitação a convenções do horror, em «Nightmare» e «Whispering Corridors».

    «The Isle» é um filme invulgar. Desde logo é uma espécie de “huis clos” ao ar livre, por muito bizarro que isto soe. O cenário é o de uma baía, onde uma mulher, aparentemente muda, explora um negócio de arrendamento de bungalows flutuantes, destinados à pesca. Nunca abandonamos este local paradisíaco, mas que não deixa de ter os seus perigos, nomeadamente o mau feitio da senhoria, que tanto fornece bebidas aos pescadores como favores sexuais ou lhe dá para se livrar de quem a incomode. Um dia, chega um homem assombrado pela memória de um crime que cometeu… O evoluir da história arrasta alguns corpos para o fundo da baía e utilizações de anzóis deveras dolorosas. «The Isle» finaliza com uma imagem de deixar a audiência de boca aberta. Uns, com a sua singela beleza; outros, talvez pensando “mas que raio é isto?!”

    Memento Mori
    Horror atmosférico de primeira: «Memento Mori» ou «História de Horror no Liceu Feminino Parte 2», no título coreano.
    Um final que pode dar dores de cabeça é o de «Tell me Something», definido como um “hard-gore thriller”, e com semelhanças apontadas a «Seven». Não é um clone do filme de Fincher, mas há muitas cenas de noite e à chuva e cadáveres em extremo mau estado. Para além disso, talvez se possa isolar uma cena que poderia ser quase uma homenagem ao referido filme. Premissa: corpos decepados, incompletos e de diferentes donos, começam a surgir, em sacos de plástico pretos. O detective Cho, com uma acusação de corrupção nas mãos, tem de completar o puzzle (dos corpos e do caso). A investigação levará a uma mulher que conhecia todas as vítimas. O final é confuso, em particular no que toca a alguma da motivação por detrás de tudo. A confusão deriva, sobretudo, da recusa do realizador em explicar ponto a ponto todas as coisinhas, porque não é tanto uma questão de não fazer sentido, mas mais de deixar várias opções em aberto.

    «Memento Mori», o melhor filme deste conjunto – ao lado do drama «Happy End» –, apresenta uma sumptuosa fotografia, escorreita direcção e uma montagem que acentua a confusão entre a realidade e a ficção, o tempo actual e o flashback. Passa-se num liceu feminino sendo, no tema e no título original, uma sequela de «Whispering Corridors». A relação é meramente formal, pois as histórias são isoladas. Aqui temos uma jovem que encontra um diário escrito a meias por duas colegas, que mantinham uma relação lésbica. Uma delas está morta e o seu espírito parece assombrar a escola. Se a história, ordenada cronologicamente, é deveras simples, também é verdade que «Memento Mori» é uma fascinante experiência visual e sensorial que merecia um prémio qualquer. Nem que tivessem de inventar um de propósito.

    «Happy End» centra-se no triângulo entre um homem de meia idade, desempregado há alguns meses, a mulher, bem sucedida na carreira, e um ex-namorado com quem ela mantém uma relação. Tudo aqui é subtil, o drama constrói-se em crescendo e percorre um caminho não muito previsível. O impacto da resolução final decorre de um tratamento narrativo com um ritmo muito próprio e do excelente trabalho dos três actores. Um filme brilhante. De anotar, à margem, que «Happy End» contém algumas cenas de sexo deveras realistas, mas essenciais para o drama, começando com uma invulgarmente longa. Esta sequência gerou risos, descoordenados e inseguros, na assistência e uma gargalhada quase histérica a dado momento, por parte de uma espectadora mais sensível. Um momento algo surreal e, talvez, a justificação para o formato de dois minutos de soft-core, com acompanhamento musical, popular como pausa na acção de filmes de Hollywwod.

    Happy End
    Tudo é belo em «Happy End». Até os cartazes.
    «Kilimanjaro» foi um dos coreanos menos interessantes, mas não deixa de ter os seus méritos. Dois irmãos gémeos, um polícia em desgraça, o outro um gangster, que morre logo na abertura. De regresso à cidade natal, o polícia (agora ex) é confundido com o irmão e os problemas começam. Há algo de Kitano Takeshi aqui presente. A cidadezinha perto do mar e o rol de personagens falhados, mas principalmente a atitude do (anti) herói, de poucas falas, passivo, a deixar que se desenvolvam as maiores violências, devido à sua inabilidade para lidar com as situações.

    «Ghost in Love» é mais uma curiosidade, partindo do cenário algo invulgar de uma associação marginal do além (a Associação de Fantasmas Suicidas), que precipita a morte de pessoas marcadas para fazerem a última viagem. Como têm acesso aos registos, aparecem mais cedo e dão uma mãozinha. Desse modo, arregimentam os fantasmas antes dos agentes autorizados os levarem para o inferno. A personagem central é uma mulher que se quer vingar do ex-namorado, que já a traía antes da sua morte e que está prestes a casar com outra. Outros elementos da AFS incluem um homem que procura limpar de culpa a consciência da sua antiga paixão, que sobreviveu ao acidente que o vitimou a ele e, na componente mais violenta, a fantasma que procura chacinar todos os que dela abusaram em vida. Efeitos digitais simpáticos, muitas possessões e trocas de corpos.

    «Nightmare» é sobretudo atmosférico. O tema da rapariga marginalizada, que, depois de morta, volta para se vingar, está presente em outros títulos da retrospectiva. A história parece existir aqui apenas para colocar uma figura vestida de preto, com longos cabelos negros, a deslizar de onde menos se espera, à medida que um grupo de antigos colegas de universidade vai sendo chacinado. Algum suspense bem orquestrado, num filme sobretudo bem executado tecnicamente.

    Tell me Something
    «Tell me Something»: mais do que uma simples história, com pedaços humanos dentro de sacos de plástico pretos.
    «Whispering Corridors» não anda muito longe, mas a acção passa-se, tal como em «Memento Mori», no interior de um liceu, No início, uma professora é morta. Uma colega mais nova recebe um telefonema daquela, um pouco antes, e vai continuar a investigação. Aparentemente, uma aluna que faleceu há alguns anos atrás continua a estudar na escola... Estes dois filmes usam o género parcialmente como metáfora, como forma de crítica ao sistema educativo coreano, e, por arrasto, à própria sociedade. Apresentam-se escolas onde se estimula a competição entre alunos e onde professores e colegas humilham os menos bem classificados. Não se excluem abusos verbais, marginalização e até agressões por parte dos professores, que perseguem alguns alunos, enquanto tratam abertamente outros como seus favoritos. Daí, nos filmes, pelo menos, pois não tenho dados estatísticos, resultam suicídios e – comprovadamente apenas no grande ecrã – o regresso dos espíritos para uma vingança sanguinolenta.

    Sexo, Sangue e Anzóis. Se, por um lado, fica sempre bem dizer que os dias de violência e gore do Fantasporto terminaram, é verdade que, felizmente, se continuam a apresentar exemplos do cinema mais extremo que se produz por esse mundo fora. A Noite Underground não foi um “gimmick”. Felizmente. O filme canadiano «Subconscious Cruelty», precedido da curta-metragem «Divided into Zero» foi um dos títulos fortes do festival, em ambos os sentidos da palavra. É uma obra criada com a dedicação dos seus autores (produzida à medida que iam angariando fundos) e exibe imagens da mais pura violência, subjugadas à abordagem de temas religiosos e sociais, que o tornam muito mais do que um filme gore. Mitch Davis, produtor do filme (e realizador da curta) apresentou os filmes e referiu-se à “poesia” patente no segundo, um termo que não é, de todo, de rejeitar.

    Em abstracto, a descrição de imagens como Cristo a ser injectado com uma pequena cruz, depois de convenientemente fervida na prata da praxe, ou um grupo de, hum, devotas nuas, a consumir o seu corpo – em forma de hóstia ou não – poderiam afastar todos aqueles que procuram “arte” no cinema. Mas há aqui arte, uma arte visceral, muito bem executada e que muito dificilmente poderia surgir no cinema comercial. «Subconscious Cruelty» poderia ser um filme que Clive Barker teria feito, há mais de uma década atrás (na sua fase surreal), se o deixassem e tivesse o orçamento certo.

    Subconscious Cruelty
    Jesus Cristo, uma vez mais, em lamentável overacting.
    © Infliction Films.
    Outra das imagens fortes deste filme é a de um executivo a masturbar-se, frente a imagens pornográficas na TV. A cena pode ser reminiscente de «Nekromantic» e inclui os anzóis referidos no subtítulo e sangue, muito sangue. Não sei se é coincidência ou intenção que se use este utilitário, dada a terminologia latina de “peixe” (“pisce”) e a respectiva derivação, na nossa língua, para a referência popular a uma parte marota do corpo humano. Pescar “pisce”? Brrr. Doloroso de assistir. A mera descrição é redutora, pelo que nem vale a pena referir o processo de “ridicularização da criação” que envolve a assistência de um homem ao parto da sua irmã, num segmento anterior do filme. Davis referiu ter descoberto recentemente que o filme violava leis de obscenidade canadianas, pelo que não pode ser exibido em todo o território.

    Anzóis eram também um elemento de «The Isle», acima referido. A utilização não é, obviamente, tão gráfica como em «Subconscious Cruelty» (é um filme, destinado à exibição comercial), mas não deixa de provocar alguns arrepios aos espectadores da obra erotico-piscatória.

    Da Ásia vieram ainda dois títulos muito interessantes. «Scout Man» é um retrato, em forma de docu-drama, dos angariadores de actrizes para vídeos adultos, que passam o dia nas ruas de Tóquio, a perguntar a mulheres jovens e belas que vão passando, se estão satisfeitas com o ordenado e se gostam de sexo. Através do olhar de um jovem casal que chega à capital em busca de emprego e que se vê envolvido nas malhas dos vídeos pornográficos e da prostituição (não poderiam faltar fetiches de executivo, como o homem que paga por pastilhas pré-mastigadas por uma adolescente), é-nos dado a conhecer uma indústria com contornos assustadores, como em todo o mundo, mas com as particularidades deste país asiático, onde os “mosaicos” ou “pixilização” ainda são impostos por um organismo do estado a órgãos genitais e a imagens de penetração (o que fomenta a circulação paralela de vídeos não certificados).

    «Scout Man» é apresentado como se de um verdadeiro documentário se tratasse, sem a necessidade de fabricar momentos dramáticos ou um final que resolva o que quer que seja.

    Subconscious Cruelty
    «Subconscious Cruelty»: graças a Deus, não era um bebé verdadeiro. Uff. © Infliction Films.
    Com a presença do realizador Ishioka Masato e da produtora do filme (que serviu como tradutora do primeiro), expôs-se uma das gaffes mais lamentáveis de sempre, por parte da organização do festival: o catálogo diz que Ishioka tem experiência na realização de “snuff films”! (1) A produtora quis reforçar que se tratava de uma confusão, depois do comentário do realizador e antes da projecção. António Reis tinha dado uma justificação similar ao introduzir os cineastas, o que deve querer dizer que estes, muito justificadamente, não devem ter achado piada nenhuma. É que, ninguém sabia, mas ficam agora a saber; em Portugal usamos o termo “snuff films” de modo diferente. Não anotei exactamente qual era esse sentido do termo, mas fiquemos descansados que o realizador não tinha a polícia japonesa à espera, apesar da denúncia do Fantasporto.

    Os cineastas afirmaram ainda terem hesitado trazer este filme a Portugal, por ser “chocante” e mencionaram as relações culturais e históricas entre os dois países, exemplificando com a introdução da arma de fogo no Japão, pelos portugueses. A finalizar, foi feita uma observação algo enigmática, sendo sugerido que o que íamos ver era também um produto dessa relação cultural.

    Do Japão tivemos também «Ring 0 – Birthday», prequela de uma série com dois outros filmes, sobre um vídeo que provoca a morte a quem o vê (a ruína dos vídeo clubes), e que gerou igualmente um remake coreano, «The Ring Virus». Aqui não há um vídeo – o filme decorre nos anos 60 –, mas uma gravação de som em fita magnética. As mortes propriamente ditas surgem no decurso de uma investigação sobre poderes paranormais. Há uma certa mistura com o sobrenatural e o oculto, com a referência a uma maldição, mas o filme é demasiado convencional para que nos preocupemos com isso.

    Audition
    Yamazaki Azami (Shiina Eihi), em «Audition»: uma jovem dócil, sensível e submissa.
    «I.K.U.» era descrito como um filme polémico, que ia pôr as pessoas a falar dele, mas não passa de um pinku eiga moderno, cheio de efeitos digitais artísticos para ocultar imagens sexuais mais gráficas. De acordo com radio-canada.ca, este filme teria sido apresentado no FantAsia de Montreal numa versão especialmente preparada, sem censura. A audiência passou o tempo todo na galhofa (os efeitos sonoros do sexo oral, em particular, fizeram muito sucesso), pelo que é difícil dizer que tenha “chocado” ou sequer marcado os espectadores. Quanto muito uma curiosidade. Visualmente apresenta-se como um jogo vídeo, interligando diversas cenas de sexo, com referências ad nauseaum a «Blade Runner».

    O supra-sumo japonês foi o excelente «Audition», de Miike Takashi, que já havia brilhado no Fantasporto de 1998, com o hiper movimentado e violento «Fudoh» (1996). O filme centra-se num viúvo que é convencido pelo filho adolescente a voltar a casar. Para encontrar a moça certa, um amigo, produtor de cinema, sugere-lhe juntar o útil ao agradável; um filme de baixo orçamento, que pode nem vir a ser feito, precisa de uma jovem bonita e ele poderia ajudar nas audições, ao mesmo tempo que seleccionava a futura esposa. Com pouco mais de duas horas, «Audition» tem um ritmo muito lento, introduzindo e desenvolvendo personagens e situações, preparando gradualmente o final-choque. Quando este chegou finalmente, algumas pessoas na plateia tentavam fundir-se com os acompanhantes, enquanto balbuciavam lamentos incompreensíveis. O segmento final surge na sequência de algo que poderíamos definir como um drama familiar ou social, introduzindo-se com uma montagem confusa e perturbante, sobre o passado da jovem Azumi. Depois vem a tortura psicológica e física, arquitectada com mão de mestre. Mais Miike, por favor.

    Festa na Praia dos Psicopatas. «Psycho Beach Party» mistura uma série de géneros de cinema. Numa atmosfera familiar anos 50, cruzamos os filmes de surfistas dos anos 60, com uma intriga criminal de slasher/psicopata assassino dos anos 70. Para além de uns toques reverencias aos filmes de monstros série Z. O orçamento é tão ridiculamente baixo (as cenas de surf recorrem a projecção traseira, assumida; os escassos efeitos gore são perfeitamente patéticos), mas o humor é um trunfo bem aplicado. A personagem principal é uma inocente jovem (uma betinha virginal 50's) que entra em transe quando vê espirais ou círculos, transformando-se numa vamp devassa, com as hormonas aos saltos e com a utilização de uma linguagem não aceitável socialmente. As suas perdas de memória fazem-na crer que é a assassina que anda à solta, seleccionando, aparentemente, pessoas com deficiências de qualquer espécie (incluindo uma simples psoríase). O filme é apresentado pelo festival como sendo uma produção canadiana, mas tudo indica tratar-se de um erro de registo; é made in USA.

    Psycho Beach Party
    Chicklet (Lauren Ambrose) e a capitã da polícia, interpretada por Charles Busch, drag-queen, autor da peça original e do guião.
    Mais a sul, o México apresentou «Santitos» e «Amores Perros». Quanto ao último, já estreado por altura em que escrevo estas linhas, é um filme que tem, em termos narrativos, um certo tom internacional e que podia facilmente passar-se nos EUA ou num país europeu. O seu mérito comprova-se pela apreciação positiva, apesar de ser o quarto título visionado no mesmo dia, de madrugada, e das suas duas horas e meia de duração.

    «Santitos», com produção executiva de John Sayles, começa por nos suscitar a curiosidade. Uma mãe é visitada por São Judas Tadeu, que lhe surge no forno do fogão, dizendo que a filha – falecida durante uma operação às amígdalas, supostamente devido a um vírus misterioso – está realmente viva e indicando-lhe pistas de locais onde procurá-la. Esperanza suspeita que a filha tenha sido raptada e vendida para casas de prostituição. A investigação leva-a, ela própria, a prostituir-se (isto num registo semi-humorístico), viajando para Tijuana e Los Angeles. Apesar de focar temas sérios e precisos, como a escravatura branca e o tráfico de emigrantes mexicanos para os EUA, há algo que não funciona no tom com que o material é apresentado. Não é bem uma comédia, não é bem um drama, não é bem uma história de amor. É um pouco de tudo, e é assim-assim, aqui e ali, mesmo na parte do wrestling hispânico.

    Dos EUA veio o independente «The Last Man». Divertido, mas, com apenas 94 minutos, um pouco longo demais. Estranhamente similar ao neozelandês «Terra Tranquila/The Quiet Earth», distribuído pelo Cinema Novo em vídeo, o registo é muito diferente. Antes de mais, não é um filme negro, mas uma comédia. Seria difícil considerá-lo um grande filme depois de ver «The Quiet Earth». A base é a mesma: um homem descobre-se o último sobrevivente de uma inexplicável catástrofe de dimensões planetárias, abarbata-se nos supermercados, saqueia o que quer, etc. etc. Conhece uma mulher e são felizes juntos, porque são, supostamente, o único casal no planeta. Depois aparece um terceiro sobrevivente, um homem jovem e sem barriga, e as coisas complicam-se.

    Irrefutável Esperança. O britânico «Hotel Splendide» foi apresentado como outro «Tuvalu», mas não tem a mesma alma, magia ou beleza estética. Uma história de amor num hotel decrépito situado no fim do mundo, ou, mais especificamente, numa ilha onde só passa um barco de mês a mês e não traz ninguém há alguns anos. Assombrado pelo fantasma de uma matriarca falecida, cujos preceitos dietéticos são ainda aplicados aos geriátricos hóspedes, e relembrados por gravações em vinil, o cenário funciona como um curioso microcosmos, com personagens muito peculiares, devido ao seu isolamento do mundo. Há um jovem curioso com o mundo exterior, que não abandona o local porque tem medo da água ou a filha do proprietário que se afasta do homem que ama, convencida pela família de que tem um qualquer defeito... algures no seu corpo. A tranquilidade e a dieta irão ser abalados pelo regresso da antiga ajudante de cozinha e ex-paixão de um dos filhos – o actual cozinheiro. «Hotel Splendide» recorda um pouco o estranho filme de Alan Parker, «The Road to Wellville» («Sexo e Corn Flakes» em vídeo), sobretudo pela obsessão com os clisteres como meio caminho para o bem estar humano.

    Ao lado dos fantasmas coreanos tivemos demónios neozelandeses. «The Irrefutable Truth about Demons» é um filme que prometia, mas que se revelou demasiado limitado e subdesenvolvido. Há pistas que se lançam, sem resolução, e toda uma lógica imperfeita no fluir das coisas. Como se faltasse meia hora de filme. Acabou mesmo a tempo de nos deixar saltar para o Pequeno Auditório, para ver o “cyber-porno” «I.K.U.», mas tal não serviu para melhorar o fim da noite.

    The Irrefutable Truth about Demons
    Um dos efeitos mais baratas de «The Irrefutable Truth about Demons»

    «Hopeless» é outra proposta neozelandesa. O vídeo digital reforça o look de episódio longo de série de televisão (gerou realmente uma série de TV, informa o catálogo), mas este é um daqueles pequenos grandes filmes, que dão uma grande satisfação, sobretudo porque não fazemos ideia do que aí vem. Modesto, pouco pretensioso, filmado por tuta e meia, sustido por personagens e diálogos, «Hopeless» apresenta, com um humor que inclui alguns momentos verdadeiramente hilariantes, mas com tempo também para alguma seriedade, um conjunto de pessoas, na casa dos 25 anos, interligadas por relações de amor e amizade. As situações estão longe de serem invulgares, mas são conduzidas com imensa sinceridade. Um dos personagens é um neurótico com fixação doentia em papel higiénico e que se sente inferiorizado pelos sucessos e conhecimentos do novo namorado da ex-namorada do melhor amigo. A partir daí, tenta a todo o custo apanhá-lo em falta na mais ridícula das coisas, incluindo a incorrecta pronúncia turca da expressão “cheque mate”.

    Daniel Monzon apresentou o seu filme “dungeons and dragons”, depois de revelar sentir-se pequeno perante o trailer do «Señor de los Anillos»: «El Corazón del Guerrero» é um filme divertido, com efeitos digitais bastante convincentes, que segue as aventuras de um adolescente que sonha que é um forte guerreiro num mundo mágico, ou talvez seja o guerreiro que sonha que é o rapaz fanático por “role playing games”. Alguns toques interessantes, numa obra que poderia ser “familiar” não fosse pela nudez e obscenidades (próprio para M/12, de qualquer forma). Há uma intriga político-apocalíptica que soa um pouco déjà vu e que parece desajustada em relação ao resto do filme.

    «Quase Famosos/Almost Famous», uma antestreia que substituiu a versão “nunca vista” d' «O Exorcista» é um filme equilibrado a todos os níveis. Não é bem aquele filme que não se deve perder num Fantasporto (é americano, de estúdio e estreia semanas depois) e, por isso, o comentário nesta página fica por aqui. Se é bom? Sim, mesmo que não se tenha vivido os anos 70 e o rock da altura. (Vi o trailer hoje. Estraga uma série de piadas, além de sugerir um filme um pouco diferente – um comédia “muita louca”...)

    Antes Ter Ido Jantar. Seria impossível evitar uma maozinha de fiascos. Quando se tenta encher um dia com o visionamento de filmes, por vezes a opção é pelo mal menor. Noutros casos, devido à idade, vista turva e má avaliação da informação disponível, o que à distância parecia um ramo de flores é realmente um monte de adubo de origem animal. Depois de alguns dias mal sucedidos, a decepção e o cansaço sugerem dar prioridade ao jantar ou um par de horas no bar.

    «Faust», de Brian Yuzna, é a primeira produção dos estúdios espanhóis Fantasy Factory, que pretendem ser uma espécie de Hammer moderna. As intenções são de louvar; venham muitos filmes de horror. O problema é que o primeiro exemplar prometia, mas não convenceu. Baseado numa graphic novel, «Faust» começa razoavelmente, mas perde rapidamente o gás, transportando-nos para mais um filme que quer culminar com uma cena em que um demónio está para ser invocado, caminhando pela terra, etc. e tal. Convencional é a palavra chave, apesar de algumas imagens sugestivas e de estarmos perante um personagem que é uma espécie de super-herói-demónio. Talvez se esta faceta fosse mais explorada, o filme fosse mais apetecível. É de lamentar que longe de um estúdio de Hollywood se produza algo tão limitado. Para lá de um maior à-vontade com cenas de sexo e violência, não há muito que o distinga de um subproduto de estúdio. As cenas de violência são, como dizer?, reforçadas por uma banda sonora “death metal” (ou-lá-o-que-é-aquilo) e isso talvez diga algo sobre o filme. A música hard funcionou como componente de «Phenomena» de Argento, mas aqui torna o suplício mais difícil de suportar.

    Yuzna esteve no Porto e trouxe boas notícias para os fãs do horror: está em preparação um novo filme baseado na obra em H.P. Lovecraft, com Stuart Gordon a realizar. Isto depois do clássico «Re-Animator» (1985) (a sequela «Bride of Re-Animator», 1990, foi dirigida pelo próprio Yuzna) e «From Beyond» (1986). Supõe-se que tenha também a presença de Jeffrey Combs, que, injustamente, não teve grande exposição depois do seu excelente detective psicótico de «The Frighteners» (1996). Infelizmente, também a personagem de Combs se torna, em «Faust» algo ilógica.

    O realizador trouxe trailers para os dois novos títulos da Fantasy Factory: «Arachnid», de Jack Sholder e «Darkness» de Jaume Balagueró («Los Sin Nombre»). O primeiro não me pareceu particularmente interessante (aranhas assassinas, hmm...), mas o último poderá valer a pena.

    «Cherry Falls» («Virgens Sangrentas») foi visto por alguns como um filme de horror refrescante, mas, quanto a mim, não passa de um produto banal, com a originalidade confinada à sua premissa – contrariando os filmes tradicionais, onde se matam adolescentes que insistem em fazer sexo, em locais ermos, este(a)(s) assassino(a)(s) prefere(m) matar virgens. Daí advém a graçola recorrente dos miúdos todos desatarem a querer ter relações sexuais, e até a organizar um evento em grande escala, para se protegerem. Compreende-se que isto possa ter dado um contributo para o fiasco do filme nos EUA (é moralmente inconveniente), mas não há aqui muito que justifique apelidá-lo de potencial filme de culto ou algo do género. Como não podia deixar de ser, temos um segmento dedicado às explicações que são tão forçadas e ilógicas que até metem dó. O realizador também não se importou muito com isso, porque, a dado momento, o assassino deixa de ser selectivo, e a (suposta) motivação deixa de importar.

    «Scarlet Diva» de Asia Argento, filha do “maestro” Dario, um dos maiores expoentes do cinema de horror, também desiludiu. Não se trata de um filme que siga as pisadas do pai, isto é, horror ou giallo, mas antes um drama sobre uma actriz, neurótica, drogada, promíscua e insegura, abusada por todos os que a rodeiam. Mas que queria ela? Ser drogada, promíscua e neurótica é um bom começo para sofrer abusos de toda a espécie. Está-se mesmo a pedi-las. Não há forma de sentirmos alguma espécie de empatia pela personagem, que tem algo de auto-biográfico (em vez de um pai realizador famoso, tem uma mãe actriz famosa). Ela limita-se a meter-se em situações com final previsível, como quando entra em quartos de tarados alcoolizados ou drogados, por vezes ela própria na nuvem nove. O suposto amor da sua vida, que deveria ser um ponto de viragem no tom do filme e na narrativa, surge de uma forma muito pouco marcante, como se não passasse mais um encontro sexual.

    Scarlet Diva
    Eis um poster para captivar o público certo do filme. Ou talvez nem por isso.
    Asia filma-se a si própria numa escaldante cena de sexo, logo no início do filme, e, mais à frente, a sua personagem reclama que o cinema italiano não lhe trás nada, só a explora, com papeis menores e cenas de sexo gratuitas. Um ponto por isso.

    Nem devia falar de «The Right Temptation». Um thriller americano previsível e sem qualquer chama. Com tantos bons filmes no festival, porque é que este tem que ter distribuidor nacional? Teria sido melhor estar durante hora e meia encostado a uma parede a espumar, do que ter visto um filme tão inútil (é mais inútil do que mau, mas se se disser que é mau não é injusto, porque é inútil). Uma escolha (baba-filme) tão má como, no ano passado, ter optado por «Lady of the Lake», em detrimento de «Los Sin Nombre».

    Oh, «Gunblast Vodka», que desperdício. Um filme francês de acção e com um humor completamente fracassado (a temática dos “snuff films” não deve ajudar muito, mas pode ser impressão minha), reúne um ex-mossad, que parte dos EUA para a Polónia para investigar o desaparecimento da ex-mulher do embaixador americano, presa nas malhas de uma rede underground que rapta modelos femininas para o fabrico de filmes de morte (quem as compra pode filmar, mas não se apresentam detalhes sobre os direitos de autor). Vai trabalha ao lado de um polícia mulherengo, liderado por uma capitã que fuma charuto. Podia não ser o convencional buddy-cop, mas é. Todas as convenções do género estão presentes e é inevitável que um deteste o outro, que exista uma cena de pugilato despropositada, terminando com os dois a conversar casualmente, caídos no chão, e que acabem por ser grandes compinchas.

    Para filme europeu de acção, focando os “snuff movies”, «Gunblast Vodka» é do mais ligeiro e cauteloso possível. As cenas de homicídio são encenadas com um certo rigor, os cenários têm o seu design, cria-se tensão com os raptos, cativeiro e preparação para a morte, a qual depois se resume quase a atirar as meninas para a água. Que tétrico... Muito “American video-friendly”, no mínimo. O estilo da acção é muito Jomfomohn Wmoohmg, ou seja, podia-se apontar o dedo a mais um imitador de John Woo – fica sempre bem e não temos mais referência nenhuma – se se visse alguma coisa no maldito ecrã.

    Projecção, Programação e Promoção

    Director Técnico procura-se. Contactar Cinema Novo ou Teatro Municipal Rivoli. Infelizmente não houve ainda nenhuma espécie de evolução na projecção do Rivoli, em particular no que diz respeito à iluminação dos responsáveis pela projecção. Continua-se a acreditar que 1.37:1/4:3 é um formato normal de projecção e os resultados, só vistos. Os filmes que sofreram mais foram «Cherry Falls» e «The Irrefutable Truth About Demons». O primeiro com milhentos microfones e projectores, o segundo com poucos microfones e projectores, mas a apresentar o “curioso” resultado de efeitos digitais cortados, em particular quando os demónios invadem uma sala, perto do final do filme. Ou seja, as criaturas digitais surgem do nada, com duas grossas faixas de filme onde não existem, acima e abaixo da imagem. Lindo. O mesmo sucede num efeito sobre o rosto do protagonista, que ocorre apenas no centro do ecrã.

    Tal como o ano passado, a única segurança para uma projecção standard 1.85:1 é um filme legendado em inglês, pois o texto aponta para o formato adequado, ou película com o rectângulo previamente marcado a negro (“hard matte”). Isto é raro no cinema americano, como é sabido, porque os estúdios exigem que se facilite a transferência vídeo.

    O Rivoli e a auto-suficiência

    O Teatro Rivoli oferece outras opções para além de ver filmes. No terceiro e no quinto piso, existem, respectivamente, um bar e um café-concerto. Ambos os espaços são muito agradáveis e simpáticos e permitem ao cinéfilo reabastecer as suas energias, sempre que não seja possível fazer algo normal para o comum dos mortais, tal como abandonar o edifício para uma refeição. Nesses dias «Anjo Exterminador», em que não conseguimos ultrapassar as portas do hall, no rés-do-chão, detidos por uma força inexplicável ou por um programa cinematográfico sugestivo, há que tomar o elevador ou arrastar-nos pelas escadas acima.

    O bar oferece o serviço básico de cafetaria, incluindo algumas sanduíches, com boas capacidades de reconfortar estômagos debilitados. No hall, pode-se controlar os horários dos filmes nos monitores, beber um cházinho no posto da Lipton – onde estão sempre duas meninas extremamente simpáticas – e até escrever alguns disparates no painel das bocas (já saiu em livro, mas acho melhor esperar pelo filme).

    O café-concerto disponibiliza refeições menos ligeiras e é o local ideal para uma deslocação mais tardia, talvez durante um buraco na programação, fugindo a um filme que prometa ser atroz (sei lá, «The Convent»?) Uma atmosfera relaxante, com vista para uma cratera gigantesca, onde outrora esteve uma praça, permite deglutir tranquilamente um ou dois Jack Daniel's (950$). Acho que não têm Irish, mas não há sítios perfeitos no planeta. Atenção: os empregados trocam Jack Daniel's com Cutty Sark. Se na mesa pediram os dois, basta seguir as instruções rigorosamente, mas ao contrário, agarrando o outro copo (se a vista estiver já um pouco turva, devido ao excesso de filmes e se tal não for óbvio pela análise empírica, vulgo cor e aroma). Num festival de cinema é importante agarrar o copo certo.

    O Pequeno Auditório esteve um pouco melhor do que em anos passados, onde existia uma norma de projectar em aproximadamente 2:1, ou seja, cortando a imagem acima e/ou abaixo. Alguns filmes eram constantemente puxados para cima e para baixo, pelo ingénuo projeccionista, sempre que as legendas ou as cabeças se apresentavam grosseiramente cortadas. Desta vez algumas projecções pareciam bastante perfeitas, apenas um número mínimo apresentava a moldura demasiado fechada. De qualquer forma, para um mesmo formato de projecção, utilizaram-se pelo menos três molduras de diferentes (!); o tal horrendo formato inventado por esta sala, 2:1, a correcta 1.85:1 e outra mais aberta, sensivelmente 1.66:1. Este último formato é bastante aceitável e possivelmente mais seguro em caso de dúvida. Normalmente, o pior que pode acontecer é despontarem uns “mattes” (faixas negras) acima ou abaixo. Claro que o facto do projeccionista supor sempre que o rectângulo está correctíssimo pode resultar na tendência para tentar “corrigir” a projecção, para cima e para baixo, durante todo o filme. Por alguma razão técnica, a película saltava sempre nas mudanças de bobine, obrigando a ajustes horizontais.

    Veja um exemplo simulado do resultado de uma má projecção, aqui.

    Em alguns filmes, o Grande Auditório apresentou imagem mal focada, o que não tinha sucedido o ano passado. Sofreram um pouco com isto, «The Isle» ou «Audition». Ou seja, alguns dos melhores filmes projectados.

    O som foi aceitável de um modo geral, mas existe um zumbido no Grande Auditório, que já lá estava em 2000. Agora está mais subtil. O Pequeno teve apenas uma sessão com som estridente («Subconscious Cruelty»), quase a rebentar os tímpanos da audiência, mas o filme em questão talvez tenha sido favorecido com isso. O ano passado foi pior.

    Algo um tanto ou quanto aborrecido – o termo poderá ser “intragável”, quando chega a vigésima vez consecutiva – foram todos os trailers e comerciais que se tinham de aturar antes de cada filme. Em sessões mais concorridas convinha arranjar um bom lugar, noutras o melhor era aguardar uns 12 minutos, antes de entrar na sala, pois essa era a duração aproximada de todos os preliminares. Vejamos: trailers «Demónios – Toda a Verdade» e «Amor e Vacas», publicidade Divani & Divani, dois spots do Sapo, trailer «Chocolat» (em algumas sessões apenas), trailer «O Senhor dos Anéis» (sempre, a partir de determinado dia), spot Super Bock, introdução Fantasporto. As minhas desculpas se me esqueci de alguém.

    Continua a programar-se de modo a complicar ver sessões seguidas em salas diferentes. Se os horários numa sala eram, por exemplo, aos zero minutos, na outra seriam aos quinze, apesar do intervalo entre sessões ser, por norma, de duas horas em ambas. É natural que filmes mais longos ou atrasos imprevistos nos impedissem de sair de uma sala, depois do fim de um filme, para apanhar o inicio de outro na outra sala, mas estes horários parecem querer reforçar que é melhor nem pensar nisso.

    Atrasos, claro, acontecem. Tal como filmes que não chegam a tempo da sessão programada. Isto é normal num festival e, nos últimos anos, o programa sem sido sempre apresentado como provisório, para que todos saibam com o que podem contar e estejam atentos às alterações. Mas há soluções que denotam uma certa falta de sensibilidade. Algures num editorial alguém diz que muitos espectadores vêm ao Fantasporto só pelas selecções de filmes asiáticos, no entanto, quando «Ghost in Love» não pôde ser projectado na segunda-feira, programaram-no na quarta, por troca com «The Last Man», num horário que colidiu com «Art Museum by the Zoo», exibido no Pequeno Auditório. Durante todo o dia passaram apenas dois filmes coreanos e obrigaram-nos a escolher um.

    Os Filmes Visionados

    Sexta, 23
    Yeogogoedam Dubeonjjae I-yagi [Memento Mori]
    Tell Me Something
    Virgens Sangrentas/Cherry Falls
    Psycho Beach Party

    Sábado, 24
    Gunblast Vodka
    Bram Stoker's Count Dracula
    Happy End
    Subconscious Cruelty

    Domingo, 25
    El Corazón Del Guerrero
    Gawi [Nightmare]
    The Right Temptation
    Hotel Splendide
    Demónios – Toda a Verdade/The Irrefutable Truth about Demons
    I.K.U.

    Segunda, 26
    Seom [The Isle]
    The Last Man
    Hopeless
    Quase Famosos/Almost Famous

    Terça, 27
    Santitos
    Audition
    Yeogogoedam [Whispering Corridors]
    Amor Cão/Amores Perros

    Quarta, 28
    Scout Man
    Jagwimo [Ghost in Love]
    Scarlet Diva
    Faust

    Quinta, 29
    Ring 0 – Birthday
    Kilimanjaro

    Tive de dispensar os dois últimos dias do festival e deixar de ver «American Psycho» (parece que vai estrear, finalmente) ou os restantes títulos da retrospectiva de cinema coreano contemporâneo: «Secret Tears», «Virgin Stripped Bare by her Bachelors» e «The Foul King» (se é que este chegou a ser exibido, pois não tinha chegado a tempo da projecção programada na quinta-feira, antes de «Kilimanjaro»). Também ficaram eliminados títulos que poderiam ser interessantes, como «Ed Gein» (vai estrear), «Washington Wolves», «Lighthouse», «Angel of the Night» (vencedor do Méliès de Prata de Roma), bem como a noite de fantástico chileno, com «Chilean Gothic» e «Angel Negro». É difícil ver todos os filmes interessantes, num festival com uma oferta considerável, em duas salas com horários por vezes desencontrados.

    Para além dos maus que poderiam não ter sido vistos – mas que, no fundo, enriquecem a nossa experiência enquanto cinéfilos ou frios devoradores de filmes –, posso lamentar, ainda, ter perdido «Purelly Better» (Grande Prémio da Semana dos Realizadores). O último fim de semana é conveniente para recuperar alguns títulos importantes, mas o ano anterior ilustrou como muito filme com pouco interesse também ganha prémios. (Os prémios principais normalmente correspondem a filmes que vale a pena ver, mas o mesmo não se aplica aos restantes).

    Os Filmes Premiados

    Secção Oficial / Fantástico

    Grande Prémio: «Amores Perros», Alejandro G. Iñaturri (México);
    Prémio Especial do Júri: «The Isle», Kim Ki-Duk (Coreia do Sul);
    Melhor Realização: ex-aequo «Why Get Married the Day the World Ends?», Harry Cleven (Bélgica/Luxemburgo/EUA) e «Amor Cão/Amores Perros», Alejandro G. Iñaturri (México);
    Melhor Actor: Willem Dafoe, «A Sombra do Vampiro/Shadow of the Vampire» (Luxemburgo/Reino Unido/EUA);
    Melhor Actriz: Suh Jong, «The Isle» (Coreia do Sul);
    Melhor Argumento: Guillermo Arriaga, «Amores Perros» (México);
    Melhores Efeitos Visuais: «El Corazón del Guerrero», Daniel Monzon (Espanha);
    Melhor Curta-Metragem: ex-aequo «The Rain», David Beatty (EUA) e «L'Homme, Est-Il Bon?», Roman Berthonieu (França);
    Menção Especial do Júri Internacional: «Audition», Miike Takashi (Japão)

    Semana dos Realizadores

    Prémio Semana dos Realizadores: «Purely Better», Mark Herman (Reino Unido);
    Prémio Especial do Júri: «Scout Man», Ishioka Masato (Japão);
    Melhor Realizador: Julian Simpson, «The Criminal» (Reino Unido);
    Melhor Argumento: Frank Novack, «Good Housekeeping» (EUA);
    Menção Especial do Júri: «Magik and Rose», Vanessa Alexander (Nova Zelândia)

    Music Vídeos (ou Selecção Off-Topic)

    Melhor Videoclip Português: Coldfinger, ”Beauty of U”, José Pedro Sousa;
    Melhor Videoclip Fantástico: A Perfect Circle, “Judith”, David Fincher;
    Melhor Videoclip Internacional: Sigur Ros, “Svefn-g-Englar”, Agust;
    Menção Especial do Júri: Stone Temple Pilots, “Sour Girl”, David Slade

    Prémios Não Oficiais

    Prémios Fantasporto: Vassilis Mazomenos, Julian Grant

    Cinematografia homenageada: Cinema coreano

    Prémio do Júri da Crítica: «Amor e Vacas/The Price of Milk», Harry Sinclair (Nova Zelância)

    Prémio da Audiência/Prémio JN: «Quills», Philip Kaufman (EUA)

    Prémio Onda Curta/RTP:
    «Corpo e Meio», Sandro Aguilar (Portugal);
    «Clandestino», Abi Feijó (Portugal/Canadá);
    «Bus-Stop 99», Reto Caffi (Suiça);
    «The Rain», David Beatty (EUA);
    Menções Especiais: «La Flamme», Ron Diens (França) e «L'Homme, Est-Il Bon?», Romain Berthonieu (França).

    O Fantasporto 2002 começa a 22 de Fevereiro do ano que vem.

    Dedicação aos Ausentes
    "Para o ano... deixas-me ir ao... Fantas..." («Happy End»)

    12/03/01

    Notas:
    No texto mantém-se os títulos internacionais (em inglês, normalmente) apresentados pelo festival (que frequentemente os dá como originais). Os títulos originais são referidos na listagem e nos comentários individuais que vierem a ser feitos.

    Salvo erro ou lapso, os nomes asiáticos são apresentados na forma tradicional, com o apelido a anteceder o nome próprio.

    (1) "Snuff films" são filmes de morte. Supostamente a sua existência nunca foi comprovada por nenhuma polícia criminal, em parte alguma do mundo, mas há referências à comercialização de vídeos, em circuitos muito fechados e a preços exorbitantes, apresentando crimes reais (sobretudo homicídios) registados ao vivo. O "snuff" implica a morte real de um ser humano, com vista à comercialização do registo videográfico.

    Artigos relacionados:

    Fantasporto 2002 - 22º Festival Internacional de Cinema do Porto
    Fantasporto 1999 - 19º Festival Internacional de Cinema do Porto
    Fantasporto 1998 - 18º Festival Internacional de Cinema do Porto

    coluna
    index