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Tuvalu
Realizado por Veit Helmer
Alemanha, 1999 P/b (tintado) - 101 min. Anamórfico.

Com: Denis Lavant, Chulpan Khamatova, Philippe Clay, E.J. Callahan, Todor Georgiev, Terrence Gillespie, Catalina Murgea, Djoko Rosic

Num tempo e num país indeterminados, uma pequena comunidade centra-se em redor do edifício de uma piscina, em ruínas, como a maioria das construções que pontuam a paisagem desolada, mais próxima de uma pedreira abandonada do que de uma cidade. A piscina é gerida por um homem cego (que, no entanto, também exerce funções de vigia) convencido, por aqueles que o rodeiam, de que tudo funciona bem e de que o movimento de clientes é sempre grande. Na verdade, a frequência é muito reduzida e o edifício está à beira de ruir, apesar dos constantes remendos por parte de Anton (Lavant). Um construtor ambicioso e imoral tenta tudo para que o edifício seja demolido. Entretanto, Eva (Khamatova) precisa de uma peça central para que a caldeira do seu navio possa funcionar, para partir para a misteriosa ilha de Tuvalu, cuja rota se encontra inscrita num mapa recém encontrado. A referida peça encontra-se na caldeira que aquece a piscina…

Apesar de ser um filme que se apoia numa forte componente visual, «Tuvalu» não deixa de ter uma história e um conjunto de personagens muito interessantes. As imagens desfilam numa bela fotografia em écran largo, num preto e branco tintado de tons variados e que se alteram quando mudamos de planos ou de cenário. O design de produção e direcção artísticas lembrar-nos-ão de alguns filmes de Terry Gilliam ou da extinta dupla Jeunet-Caro, de «Delicatessen» (1991) e d' «A Cidade das Crianças Perdidas» (1995), e de «Taxandria» (1995), de Raoul Servais, com a diferença mais óbvia de estarmos perante um filme com um orçamento mais reduzido do que os referidos, sem que, no entanto, isso prejudique a obra de modo algum. O cenário também é reminescente de uma série de filmes pós-apocalípticos, mas tal resultará da natureza do próprio argumento e dos constrangimentos de produção e não de quaisquer influências ou intenção de homenagear algum desses filmes.

A linguagem é outro ingrediente marcante, contribuindo para uma atmosfera quase surreal. Helmer parece querer desvalorizar a comunicação através de um conjunto de normas linguísticas definidas, ou estará apenas a ilustrar um possível futuro onde diversas culturas se mesclam e a comunicação oral se reduz ao essencial e ao improviso do momento? Também é muito conveniente quando se filma na Roménia, com um actor principal francófono, com uma maioria de secundários romenos e tratando-se de um filme alemão. A verdade é que resulta. Muito sumariamente, este filme não precisa de legendagem. Ou não deve ser legendado, porque tal iria contra o conceito do universo do filme. Os personagem pouco mais dizem do que os nomes uns dos outros ou expressões mais ou menos universais, apesar de conterem termos em alemão ou inglês. As informações escritas usam ainda outras linguagens, como o italiano. A ausência de diálogos não invalida que se consiga contar uma história fascinante, sem que a mesma deixe de ter as suas complexidades.

O leve surrealismo que pincela «Tuvalu», manifesta-se também em cenas em que os personagens assumem plenamente a identidade de outros, pelo simples facto de vestirem as suas roupas. O hábito faz o monge, a farda o polícia e o fato o inspector.

Anton e Eva querem conhecer um mundo diferente daquele que habitam, onde possam começar de novo (os nomes não são escolhidos por acidente). Ambos são inexperientes e mais ou menos ingénuos, o que no caso de Anton é mais óbvio, já que Denis Lavant já não é o jovem de «Mauvais Sang/Má Raça» (1987), de Leos Carax. Quando o conhecemos, ele apenas observa o pequeno mundo que o rodeia do topo do edifício da piscina, recorrendo a uma luneta, sem nunca ter saído para o exterior. Como tal, para ele tudo vai ser novo, incluindo o amor, a traição e assim por diante. Eva é mais consciente da natureza das coisas e dos meios necessários à realização dos fins a alcançar, não perdendo tempo com pausas para reflexões morais.

Tuvalu é o nome de uma ilha real, situada no Oceano Pacífico e parte da Commomwhealth, que aqui assume um significado abstracto, simbólico: o novo mundo, o Paraíso. A escolha talvez tenha sido motivada pelo facto da ilha se situar no outro lado do mundo (em relação à Europa). Um filme escapista usa lugares distantes daqueles que conhecemos; um mundo irreal, imaginário, de sonho. Em «Tuvalu» tal funciona em dois planos, tal como em «Brazil» (1985), de Gilliam. Existem dois mundos: o real no filme, irreal e estranho para o espectador, e o "paraíso" para onde se quer fugir; o sonho de Sam Lowry e a ilha distante que Anton e Eva procuram (sobre a qual é legítimo questionar se será mais do que um sonho).

«Tuvalu» é um filme muito belo, com um perfeito equilíbrio entre uma imagem cuidada e atraente e a simples e cativante história que conta. Surge numa montagem que poderá não ser a final, já que chegou ao Fantasporto 2000 depois do realizador o ter encurtado desde a exibição em outros festivais de cinema. Essa talvez seja uma das razões para a existência de um par de falhas de continuidade menores, que não prejudicam grandemente o filme. Este filme é uma das grandes fantasias dos anos 90, e espera-se que venha a beneficiar de uma distribuição à altura.

*****
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Publicado on-line em 11/6/00.