Fantasporto 1998 - XVIIIº Festival Internacional de Cinema do Porto

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A edição deste ano do Festival Internacional de Cinema do Porto foi a maior de sempre, em número de filmes, em número de salas e em público. O Teatro Rivoli assumiu a posição de sala central, deixando o Auditório Nacional Carlos Alberto para segundo plano. Aparentemente a maioria do público migrou mais para o centro de cidade, deixando a clássica sala às moscas em varias sessões. Pela amostra, a quantidade de filmes não teve equivalente em qualidade; antes pelo contrário. A organização deverá repensar o modo como selecciona os filmes, bem como o modo como os descreve no catálogo, onde qualquer zero cinematográfico é um excelente filme, tecendo-se comparações com obras de referência com sucesso comercial ou em anteriores edições do festival.

Uma das mais relevantes novidades foi a legendagem em português dos filmes da sessão oficial competitiva, através de um quadro posicionado por debaixo do écran. O sistema nem sempre esteve à altura (bom, estava debaixo mesmo...), desligando-se por momentos ou expondo linhas de há dez minutos atrás ou mesmo texto surreal cuja proveniência era difícil de adivinhar. O esforço é válido, mas não é totalmente consistente com o resto. A organização "vendeu" «Dellamorte Dellamore», de Michele Soavi, como estando na versão original italiana, mas a verdade é que a versão original é em inglês (e foi assim apresentado em 1996). A dobragem em italiano foi de lamentar, não só porque sem dúvida que uma maior parte da audiência percebe pior as subtilezas do italiano, mas também porque o trabalho estava horrivelmente mal feito. Nesta sequência, também se lamenta que não se tenham obtido cópias legendadas em inglês dos filmes do ciclo de gore italiano ("giallo"), se bem que, no caso dos filmes de Lucio Fulci, ninguém quisesse ouvir os diálogos.

Uma falha mais que lamentável, e completamente indesculpável, foi o anúncio, no programa e no catálogo, de «A Noite dos Mortos Vivos» de George A. Romero, ou seja o clássico «Dawn of the Dead», de 1978, quando na verdade o filme exibido foi «A Noite dos Mortos Vivos», de Wes Craven, ou seja «The Serpent and the Rainbow», de 1988.

Uma palavrinha de reconhecimento ao projeccionista do ANCA: o sr. devia ser despedido. Em todos os créditos finais fazia uma gracinha, nem que fosse trocar de lente ou de "máscara", chegando mesmo a desligar o projector antes do fim. Um dos filmes de Lucio Fulci foi apresentado com bobines trocadas, e vários filmes foram projectados no enquadramento errado. No caso de «Wishmaster» tal ignorância (sim, porque 99% dos filmes americanos não-scope são concebidos para 1.85:1) levou a que se mostrassem pelo menos três microfones e imensos "mattes" das câmaras (manchas negras horizontais irritantes). Aparentemente, no Rivoli houve um caso mais grave na projecção de «Airbag», com o realizador presente. Juanma Bajo Ulloa terá ficado algo aborrecido com a troca de bobines, obrigando à remontagem do filme no prato do projector, o que terá levado a uma longa interrupção da sessão.

Continua a lamentar-se a fraco esforço em coordenar sessões de diferentes ciclos ou em diferentes salas. A maioria das sessões efectuava-se de duas em duas horas, mas era difícil seleccionar filmes em salas diferentes. Por exemplo, querer ver «Accion Mutante» às 16 horas, no ANCA, inviabilizava, desde logo, as sessões de prémios das 15 e das 17 no Rivoli. Por esse motivo, desta vez, não se assistiram a sessões de premiados, ficando o consolo que «Retroactive» (Grande Prémio) está anunciado para sair em vídeo em breve e «Funny Games» (Prémio Especial do Júri) foi comprado pela Atalanta, para estrear em salas a 20 de Março.

Para o ano há mais. Espera-se que o principal objectivo da organização não seja duplicar as sessões e os filmes, mas seleccionar melhor e melhorar as condições de exibição.

Os filmes vistos
«Hysteria», Rene Daalder
«Eko Eko Azaraku II/Birth of the Wizard», Shimako Sato
«Aberration», Tim Boxell
«Dellamorte Dellamore», Michele Soavi
«Gokudo Sengokushi: Fudoh/Fudoh - The New Generation», Takashi Miike
«Opera», Dario Argento
«Quella Villa Accanto al Cimitero/House by the Cemetery», Lucio Fulci
«Zombi 2/Zombie Flesh Eaters», Lucio Fulci
«Accion Mutante», Alex de la Iglesia
«Wishmaster», Robert Kurtzman
«Tierra», Julio Medem

Os premiados
Grande Prémio: «Retroactive», de Louis Morneau (EUA)
Prémio Especial do Júri: «Funny Games», de Michael Haneke (Austria) e «Fudoh: The New Generation» (Japão), de Takashi Miike
Melhor Realização: Hector Carré, por «Dame Algo» (Espanha)
Melhor Actor: Nancho Novo, em «Dame Algo»
Melhor Actriz: Rebeca Hobbs, em «The Ugly» (Nova Zelândia)
Melhor Argumento: Frank Stapleton e Nina Fitzpatrick, por «The Fifth Province» (Irlanda)
Melhores Efeitos Especiais: Ron Mueck e John Markwell, por «Photographing Fairies» (Reino Unido)
Melhor Curta Metragem: «Flying Saucer Rock 'n' Roll» (Irlanda do Norte), de Enda Hughes
Menções do Júri para «The Oath» (Holanda), de Tjebbo Penning e «The Ugly», "por uma magnífica primeira obra"
Prémio Fantásia para Melhor Filme (imagem real): «Fudoh: The New Generations»
Prémio Fantásia para Melhor Filme (anime): «Perfect Blue» (Japão), de Satoshi Kon

Prémios Não Oficiais
Prémio da Crítica: «Funny Games»
Prémio do Público: «Topless Women Talk about their Lives» (Nova Zelândia), de Harry Sinclair
Prémio do Júri RTP para a curta metragem «Taxi de Nuit» (França), de Marco Castilla e uma Menção para «The Oath»
Prémio AMC Fantasporto: «Ulle's Gold/Laços de Ouro» (EUA), de Victor Nunez
Prémio para uma Carreira: Jacinto Molina
Prémio Especial do Fantasporto: Ivan Cardoso, "pela sua persistência na defesa e divulgação do cinema brasileiro e nomeadamente do cinema fantástico".

( Esta lista foi retirada da pagina oficial do Fantasporto http://www.caleida.pt/fantasporto )


OS FILMES MAUS

«Hysteria», Rene Daalder
Reino Unido/Canadá, 1996
Patrick McGoohan e Amanda Plummer metidos numa história de um cientista louco que liga as mentes de doentes de um hospício, visando criar uma espécie de consciência universal por controlo remoto. Péssimo a todos os níveis, incluindo mesmo alguém numa cadeira de rodas (por vontade própria; afinal são loucos) a ter sexo através do corpo de outrem. O que conta é o interior diz-se, contrariando os constantes toplesses gratuitos (acompanhados por muita histeria, como convém).
*

«Eko Eko Azaraku II» (tit. Ing.: «Birth of the Wizard»), Shimako Sato
Japão, 1996
Parte 2 de «Eko Eko Azaraku/Wizard of Darkness» (1995), é tudo aquilo que não estimula no cinema oriental; pouco imaginativo e pouco movimentado. Alguns efeitos gore não salvam esta história pateta, baseada numa manga, como não é infrequente, de um espírito milenar que persegue uma colegial que desconhece possuir um grande poder. O feiticeiro bom vem protegê-la. Uma espécie de mau «Terminator» cruzado com o pior da fantasia oriental.
*1/2

«Zombi 2», Lucio Fulci
Itália, 1979
Os títulos alternativos são imensos: «Gli Ultimi Zombi», «Island of the Living», «Zombie Flesh-Eaters», entre outros. O mais conhecido título inglês será o último. O título no écran é «Zombi 2», mas Fulci não fez nenhum «Zombi 1». O filme de George Romero, «Dawn of the Dead», recebeu o título de «Zombi» em Itália, e o "2" surgiu para os distinguir. Ou por outro motivo mais vampirista. História patética como pretexto para mostrar muita, muita carnagem. Numa ilha das Antilhas uma doença está a transformar os nativos em Zombies Comedores de Carne. A cena mais marcante é a cabeça de uma mulher - saída do banho, como convém - a ser puxada contra um espigão de madeira, que penetra lentamente no seu globo ocular. Crrrrrsshhhhhh. A montagem deve ser a pior da história do cinema. Apresentado na noite do gore italiano.
*1/2

«Quella Villa Accanto al Cimitero», Lucio Fulci
Itália, 1981
Título inglês mais conhecido: «House by the Cemetery». Um monstrengo horrendo (muito horrendo) vive na cave de uma casa antiga. A cave possui uma catálogo impressionante de pedaços de seres humanos, e os novos habitantes parecem ir seguir o mesmo caminho. Montagem e som terríveis. Nulo tecnicamente. A equipa reflectida num carro ainda é o menos relevante. A cena mais marcante será os repetidos cortes na garganta de uma jovem até ao osso (crrrrrcccrrrrrk), mas também inclui outra antológica no giallo: a faca espetada na nuca e a sair pela boca. Infelizmente tem muitos diálogos. Um verdadeiro bocejo. Duas bobines trocadas a "ajudar".
*

OS FILMES RAZOÁVEIS

«Aberration», Tim Boxell
Nova Zelândia, 1997
Na sequência de alguns filmes verdadeiramente maus, esta aberração até se vê com algum prazer. É um filme de terror mais ou menos convencional, com algumas pessoas, isoladas pela neve a terem de se defrontar com lagartixas mutantes. Sub-plot com casal criminoso. Algum sangue, uns salpicos de suspense, razoavelmente bem executado, mas pouco inovador.
***

«Opera», Dario Argento
Itália, 1987
Título inglês: «Terror at the Opera». Exibido e editado em vídeo em Portugal com o título «Terror na Ópera». O argumento anda um pouco acima do zero. O final é muito libertador do espírito. Psicopata obriga estrela de ópera a assistir aos seus homicídios. Argento tem habilidade, mas o argumento deveria ser dado aos corvos.
**1/2

«Wishmaster», Robert Kurtzman
EUA, 1997
Filme médiano de terror. Um demónio que é OBRIGADO a cumprir os desejos q lhe pedem. Mas há sempre um senão, claro. A discriccionaridade na execução é abismal. Três desejos da pessoa que o libertou permitirão que se abra para sempre o caminho entre a malta dele e a nossa realidade. Infelizmente os cineastas não se esforçaram muito para que pudessemos sequer pôr essa hipótese. Algum gore muito polido por efeitos de computador. Entertaining q.b., mas o final baixa a média (como sempre, à americana).
***

«Tierra», Julio Medem
Espanha, 1996
Um jovem com imaginação hiper-activa, conversa com um seu duplo, o seu Anjo (chama-se Angel, aliás "Anrrrél"). Um permanente conflito de personalidades. É sugerido que ele pode ser mesmo um Anjo, apesar de se fazer referência ao internamento em um hospício. O próprio realizador diz que isso não lhe interessa e que para falar de coisas simples da vida é necessário fazer um filme complexo. Várias duplicidades; duas mulheres, duas pragas, duas caçadas, etc. O pior pode ser mesmo as duas horas. Óptima fotografia em scope de Javier Aguirresarobe, que já trabalhou com alguns dos mais importantes cineastas espanhóis.
***1/2

OS FILMES BONS

«Dellamorte Dellamore», Michele Soavi
Itália/França/Alemanha, 1994
Decepcionante projecção da versão dobrada (pessimamente) em italiano, num estado não muito bom, e com pelo menos um corte suspeito. Guarda de cemitério, Francesco Dellamorte - outrora com o apelido Dellamore -, Rupert Everett, que atingiu alguma notoriedade no recente «O Casamento do Meu Melhor Amigo», tenta compreender porque é que os mortos insistem em ressuscitar. Entretanto tem de lhes ir rebentando a cabeça. Motoqueiros, meninas desvairadas e escoteiros fazem fila. Depois surge Ela, no corpo de Anna Falchi (três vezes), e a comédia passa ao romance e culmina na metafísica. A dialéctica da Morte em confronto com o Amor. A síntese fica por definir. Soavi estava fresco do trabalho como realizador de segunda unidade, no Barão de Munchausen, de Terry Gilliam.
*****
(esta apreciação é feita à versão original em inglês)

«Gokudo Sengokushi: Fudoh» (tit. Ing.: «Fudoh - The New Generation»), Takashi Miike
Japão, 1996
Guerras entre gangs japoneses, com a nova geração comandada pelo jovem Fudoh a eliminar os oponentes, mas a sofrer retaliações. Os laços de família perdem a importância. Os personagens são uma espécie de Action Team, muito característica da manga. Miúdos da escola primária que são impiedosos assassinos, um grandalhão ultra-resistente e uma colegial com vagina cuspideira de flechas, que é uma verdadeira arma mortal, e que afectou a estabilidade emocional de críticos de cinema. Tem tudo aquilo que estimula no cinema oriental; muito imaginativo e movimentado. Prémio Especial do Júri e Prémio Fantásia para Melhor Filme (imagem real).
****

«Accion Mutante», Alex de la Iglesia
Espanha, 1993
No futuro, um grupo anarquista de deficientes e mutantes luta contra o domínio dos ricos e bonitos, raptando ou assassinando figuras ligadas à "beleza": bodybuilders, estilistas, etc. A filha de um magnata, no seu dia de casamento, é a vítima escolhida permitindo um muito pouco sério ensaio sobre o Síndrome de Stendhal. As câmaras de televisão perseguem os raptores até ao Planeta Astúrias. Imensamente divertido e violento, em doses iguais (uma brilhante cena de tortura). Bem executado mesmo a nível de cenários e efeitos especiais. Finalmente um futuro em que a TV é em formato scope, tal como o filme. A canção-título parece pedir o acompanhamento da audiência. «Perdita Durango», o filme posterior a «Dia de la Bestia» foi antestreado no festival, ficando-se a aguardar a exibição comercial.
****

Alguns destes filmes poderão ter, num futuro indeterminado, fichas autónomas.

4/3/98

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