Made in H.K. - Mostra de Cinema de Hong Kong 1996/98

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Realizou-se entre 25 de Novembro e 5 Dezembro de 1999, no Fórum Lisboa, sala administrada pela Câmara Municipal da capital, uma mostra de cinema constituída por obras de Hong Kong produzidas entre 96 e 98, sob o signo da transição do território para a China e com especial referência para a transição de Macau. A mostra, organizada pela Akademya Lusoh-Galaktica, Videoteca de Lisboa e Fórum Lisboa, permitiu apreciar um interessante conjunto de obras de produção recente, que muito dificilmente se conseguem ver numa sala de cinema. A denominação da mostra e o intuito de apresentar o "antes e o depois" de 1997, seriam de certa forma colocados em causa por uma ironia do destino: «Beyond Hypothermia», o único filme de 1996, seria substituído por «Where a Good Man Goes», de 1999. Deste modo, tivemos antes uma "Mostra de Cinema de Hong Kong 1997/99". Não foi muito boa ideia desenvolver o conceito da mostra (antes e depois da transição), com um único filme pré-97 programado.

Os 10 filmes apresentados permitem sobretudo quebrar uma série de ideias feitas sobre "o" filme de Hong Kong, em particular no que diz respeito a argumentos debilitados, violência exagerada e tiroteios infindáveis em câmara lenta. Isto, claro, no que diz respeito às ideias feitas mais modernas, porque se a sua ideia das cinematografias locais se reconduzem ainda a filmes de artes marciais dos anos 70, horrorosamente dobrados em Inglês, talvez nem valha a pena continuar a ler. Os títulos apresentados oferecem uma grande diversidade temática e qualitativa, apesar de metade deles serem produções dos estúdios Milkyway e de entre estes apenas um não ser protagonizado por Lau Ching-wan.

Os cinco filmes da Milkyway desenrolam-se sobre um cenário de crime, mas fogem dos clichés do género, sendo aliás notória a autoconsciência dos mecanismos habituais já gastos e a intenção de procurar inovar no plano estético, mas também no desenvolvimento dos personagens. Há um acento tónico nos dramas pessoais e um relegar para um plano inferior a estilização da acção e da violência, sendo que as influências, na maioria dos casos, são mais Wong Kar-wai do que John Woo (dois nomes que certamente se repetirão nos textos individuais).

Verdadeiramente fraco foi «Casino», baseado num segmento da vida do líder da mais poderosa tríade de Macau. Será um filme a ver com curiosidade, por quem se interesse pelo tema, mas de valor cinematográfico muito reduzido. «Dowtown Torpedoes» é um puro "pulp", de ver e deitar fora. Nada de especial, num filme que se apresenta inconsequente, divertido, com algumas sequências de acção curiosas, mas com bons actores mal aproveitados. «Stormriders» entra também nesta categoria, mas, uma vez que os seus objectivos eram mais ambiciosos, poder-se-á dizer que não é muito bem sucedido. É um filme grandioso, um épico de artes marciais, pleno de magia e de movimento e transposto para o écran por efeitos especiais digitais "à Hollywood", no que poderá ser considerado um manifesto das capacidades da indústria local. Não sendo um mau filme, nem propriamente movido pelos efeitos especiais, não deixa de nos permitir vislumbrar o perigo dos cineastas locais se apoiarem demasiado nas potencialidades dos computadores.

O par de filmes que se destaca deste conjunto é constituído por «Made in Hong Kong» e «Beast Cops», seguidos a uma certa distância por «The Longest Nite» e «The Odd One Dies», as duas melhores produções Milkyway projectadas. O primeiro filme tem um estatuto quase lendário, pelas características pouco vulgares da sua produção, que se reconduzem a ser um no-budget, mas também pela sinceridade emocional de um retrato de adolescentes na margem da sociedade, tendo abandonado toda a esperança pelo futuro (que por acaso se inicia com a transição de Hong Kong para a China). Por seu lado, «Beast Cops», sendo o que mais se assemelharia com um tradicional filme de "polícias amigalhaços" (ou "buddy cop", em estrangeiro), enriquece-se com uma caracterização de personagens muito apurada, que os transforma em criaturas de carne e osso, afastados dos estereótipos onde se baseiam e onde a violência é secundária, mas de um impacto dramático superior.

Realizadores
Destaca-se o triângulo Wai Ka-fai, To Kei-fung e Yau Tat-Chi, assumindo funções diversas nos filmes com rótulo Milkyway, mas tendencial e respectivamente, argumentista ou realizador, produtor e/ou realizador e realizador. Visualmente, o destaque vai para «The Longest Nite» de Yau e «Too Many Ways…» de Wai. Segue-se «Beast Cops», de Gordon Chan e Dante Lam, que não se tratará de um trabalho "de autor"; é mais um filme muito bem feito e escrito, do que o produto de um indivíduo com uma particular visão. Fruit Chan, «Made in Hong Kong», claro. Fica por ver o que conseguirá fazer com meios de produção ao seu dispor.

Actores
As melhores presenças no écran: Anthony Wong Chau-sang («Beast Cops», com um cameo em «Stormriders»), Tony Leung Chiu-way («The Longest Nite»), Lau Ching-wan (destaque em «The Longest Nite» e «Too Many Ways…», presença também em «A Hero Never Dies» e «Where a Good Man Goes»), Sam Lee Chan-sam («Made in Hong Kong», secundário em «Beast Cops»; será pelo menos curioso comparar os dois papéis, a apenas um ano de distância). No sector feminino destacam-se Carman Lee Yeuk-tung («The Odd One Dies»), Ruby Wong Chuek-ling («Where a Good Man Goes») e Neiky Yim Hui-Chi («Made in Hong Kong»). Outras presenças a destacar num segundo nível: Kathy Chow Hoi-mei e Roy Cheung Yiu-yeung («Beast Cops») e Charlie Yeung Choi-nei («Downtown Torpedoes»).

Organização
Não pode deixar de se apreciar as boas condições técnicas da sala. O Fórum Lisboa tem 700 lugares, um grande écran e um sistema de som decente. Para mais, ao contrário de um festival já estabelecido e de uma sala maior, que deveria ter pelo menos condições técnicas semelhantes (Fantasporto, Teatro Rivoli), a projecção dos filmes foi exemplar. Três dos filmes foram rodados em écran largo, o que não costuma oferecer problemas, mas todos os restantes foram apresentados com uma moldura de projecção correcta (1.85:1), denotando-se sempre a presença do projeccionista para corrigir qualquer imperfeição.

Também há que referir aspectos negativos. Claro que o facto de um conjunto de filmes de uma cinematografia pouco conhecida, ser assim reunido e apresentado numa sala de cinema sobrepõe-se à maioria das objecções. Ainda assim, há que gastar algumas linhas com dois pontos que se considera merecerem o devido destaque, pela negativa: os horários e os textos do catálogo.

Programação
O modo como os filmes foram programados não lembraria a ninguém. Ou pelo menos a quem se colocasse na posição de espectador, porque, pelos vistos, pareceu muito natural à organização. Os filmes foram exibidos demasiado tarde (22 horas) e apenas um por dia, contrariando um espírito de festival que se poderia ter cultivado e, possivelmente, usado para atrair mais pessoas e, quem sabe, para tentar preparar uma continuação futura da mostra.

Uma vez que no mês de Dezembro existiam dois feriados em quartas-feiras consecutivas, teria sido mais vantajoso programar de uma sexta a uma quarta, com concentração de filmes aos fins de semana e aos feriados. Com mais estranheza ainda se vê o facto de não haver sessão na véspera de feriado (30/11), isto é, quando existiria maior disponibilidade do público, o que contrasta com as projecções no dia seguinte ou nos domingos à noite. Será que alguém da organização não podia dispensar a sua saída nocturna? Com pelo menos três filmes no fim de semana reduzia-se o tempo da mostra e talvez até se pudessem repetir algumas sessões. Onze dias para passar dez filmes é um grande exagero e muito mais cansativo para quem os quis ver todos do que se calhar ver tudo num só fim de semana.

O catálogo não tinha que ser uma "referência" em tal evento de dimensões moderadas, mas poderia ter ido mais directo ao assunto, não se dissipando tanto com a necessidade de um design modernaço. Seria mais útil ver as imagens, que em muitos casos sofreram um tratamento que as assimila no design e lhes retira a função de ilustrar o filme. Os nomes dos actores são apresentados de modos diferentes, ao longo das páginas, mas tem que se conceder que é difícil aceder a este tipo de informação no que toca a filmes Chineses. Os títulos originais não deviam ser dispensados, por motivo algum, nem que os escrevessem num tamanho de letra muito pequenino. Não será certamente fruto de um qualquer Eurocentrismo. As filmografias são difíceis de consultar por ordem alfabética; o mais natural seria a ordem cronológica. Por fim, o que mais se lamenta são os textos. Alguns são obviamente traduções de críticas, mas nenhum está assinado (decorreria daqui que a autoria é da organização, o que é falso). Pior do que isso é a adulteração do sentido de algumas dessas críticas, removendo frases do seu contexto e transformando comentários negativos em observações elogiosas a actores e filmes. Isto não se faz; é imoral e indigno.

Público
Escasso. Ridiculamente escasso na maioria das sessões (20, 30 pessoas?) As sessões mais movimentadas foram, por ordem decrescente: «Made in Hong Kong», «The Stormriders» e «Downtown Torpedoes». Por aqui se poderá talvez deduzir que a fraca participação não decorreu da falta de informação. O público seleccionou criteriosamente o que queria ver, com base em alguma informação disponível. «Made in Hong Kong» é um filme multipremiado em festivais e tem tudo para agradar a uma audiência de "cinema de autor". A sala estava consideravelmente composta. «The Stormriders» apelou parcialmente aos apreciadores do cinema de efeitos especiais (deduzem-se imensas decepções, porque Hollywood faz filmes mais espectaculares e inconsequentes nesta área, além de que este não deixa de ser uma fantasia de artes marciais). «Downtown Torpedoes» é mais curioso. Seria por causa da "inspirada" frase do catálogo, referindo "um techno thriller com influências BD", no texto que também confundia Takeshi Kaneshiro com Takeshi Kitano? Possivelmente. Isto pode ser uma lição para o futuro: escrever textos sugestivos para agarrar a audiência. Refira-se que a tal descrição inclui-se numa das tais críticas "adaptadas".

Filmes
Os links para os comentários individuais seguem abaixo. Tentou-se ser o mais rigoroso possível com os nomes de actores e cineastas, usando o nome "completo", i.e., nome próprio Inglês (sempre que aplicável), seguido do apelido e do nome próprio Chinês. No entanto é difícil garantir a acuidade de toda a informação. O mesmo se aplica aos títulos, que se esperam corresponder à uma leitura correcta em Cantonês.

  • Am Foh/The Longest Nite (1998), Patrick Yau Tat-Chi
  • Ye Sau Ying Ging/Beast Cops (1998), Gordon Chan Ka-Seung e Dante Lam Chiu-Yin
  • Yat Goh Ji Tau Dik Daan Sang/Too Many Ways To Be No. 1 (1997), Wai Ka-fai
  • Zoi Gin Aa Long/Where a Good Man Goes (1999), Johnnie To Kei-Fung
    (substituiu Sip Si 32 Doe/Beyond Hypothermia (1996) de Patrick Leung Pak-Kin)
  • San Tau Dip Ying/Downtown Torpedoes (1997), Teddy Chan Tak-Sum
  • Ho Gong Fung Wan/Casino (1998), de Billy Tang Hin-Sing
  • Leung Goh Ji Nang Woot Yat Goh/The Odd One Dies (1997), Patrick Yau Tat-Chi
  • Jung Sum Ying Hung/A Hero Never Dies (1998), Johnnie To Kei-Fung
  • Fung Wan Hung Ba Tin Ha/The Stormriders (1998), Andrew Lau Wai-Keung
  • Heung Gong Jai Jo/Made in Hong Kong (1997), Fruit Chan Kwoh

    19/12/99

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