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Homem-Aranha/Spider-Man
Realizado por Sam Raimi
EUA, 2002 Cor – 121 min.

Com: Tobey Maguire, Willem Dafoe, Kirsten Dunst, James Franco, Cliff Robertson, Rosemary Harris, J.K. Simmons, Gerry Becker

Peter Parker (Maguire), um tímido e pacato estudante do liceu, é picado por uma aranha geneticamente modificada, sofrendo os dramáticos efeitos na pele (e no resto do corpo). De um dia para o outro, Parker, vê-se dotado de força sobre-humana e da habilidade de gerar uma teia que lhe permite movimentar-se pelos céus da cidade. Depois de uma dura lição, decide – e é forçado a tal – dedicar-se a combater o crime, na cidade de Nova Iorque, onde irá partilhar um apartamento com Harry (Franco), filho do milionário cientista Norman Osborn (Dafoe). Enquanto Peter tenta sobreviver como fotógrafo, Osborn, próximo da loucura, em particular depois de uma experiência científica não inteiramente bem sucedida, irá procurar a vingança contra todos os que procuram limitar as suas pretensões e contra todos os outros que se meterem no seu caminho, assumindo a identidade do vilão voador Duende Verde. Peter terá de lidar com o perigo que ameaça aqueles de quem mais gosta, como a colega de escola e paixão de infância, Mary Jane Watson, cujas vidas podem ser ameaçadas apenas pela sua proximidade da identidade secreta do Homem-Aranha.

Depois de passar por diferentes realizadores, incluindo James Cameron, o projecto de dirigir no grande ecrã a adaptação dos comics do Homem-Aranha, personagem criado por Stan Lee, em 1962, com desenhos de Jack Kirby, foi parar às mãos competentes de Sam Raimi, o cineasta que ganhou notoriedade com o low budget de horror «The Evil Dead» (1982). Raimi foi diluindo o seu estilo ao longo dos anos, à medida que se integrava no sistema de estúdios de Hollywood, conseguindo, ainda assim, assinar algumas obras mais ou menos marcantes, como «The Quick and the Dead» (1995) ou «Simple Plan» (1998), intercaladas com outras menos bem sucedidas e geralmente consideradas um desperdício de talento, como aquele que Bruce Campbell definiu como o seu "Kevin Costner movie", «For the Love of the Game» (1999). Mesmo o thriller sobrenatural «The Gift» (2000) pouco tinha para oferecer para além de um Keanu Reeves fora da sua personagem-tipo.

O facto de Raimi ser um fã da BD original, aliado ao seu currículo, inconsistente, mas mais ou menos respeitável, constituía motivo para a criação de expectativas optimistas, as quais, de um modo geral, não terão saído frustradas (sem sequer referir o estrondoso sucesso de bilheteira nos EUA e os previsíveis bons resultados no resto do mundo, acrescendo os milhões de cópias que irão ser vendidas do filme, em VHS e DVD, para além de todos os produtos secundários ligados à exploração da marca). Não deixando de haver algumas alterações às histórias originais – a teia que passa a ser orgânica ou a remoção da personagem de Gwen Stacy –, «Spider-Man» mantém-se fiel ao espírito da narrativa em banda desenhada, constituindo um bom entretenimento, com duas ou três personagens minimamente bem delineadas – mas a pressupor desenvolvimento em capítulos seguintes – fugindo-se à tentação fácil de vertente meramente humorística do herói aracnídeo, e sem se evitar os dilemas morais que o Homem-Aranha tem de enfrentar ou os problemas da vida pessoal de Peter Parker, não muito díspares daqueles que a maioria de nós tem de enfrentar regularmente.

Por outro lado, há que se registar a falta de contenção em alguns momentos, em nome do reforço da espectacularidade, como certos exageros na altura do conflito com Flash, durante a hora de almoço no liceu, que se prendem com clichés de filmes de género, quando o herói revela (demasiado, no caso) os seus poderes. Se Clark Kent simula um desmaio e disfarça ter apanhado uma bala em pleno ar, Parker demonstra capacidades físicas sobrenaturais que não parecem surpreender particularmente aqueles que a tal assistem (também se pode presumir que num liceu de NY já se viu de tudo). Numa das primeiras histórias em BD, Parker e Flash Thompson enfrentam-se num desafio de boxe e o primeiro vence de modo inglório, aos olhos da assistência.

O emprego de imagens geradas por computador veio facilitar a apresentação das movimentações aéreas do herói, mas, apesar de tecnicamente ser difícil falar em "defeitos", continua a ser notória a não existência de um ser de carne e osso dentro do "fato" do super-herói. E cenas como o aparatoso combate com quatro ou cinco criminosos, em que o herói parece uma bola de borracha, em nada ajudam à suspensão da incredulidade, por parte do espectador. Afinal, um dos trunfos do material original é a facilidade com que muitos de nós se conseguem identificar com o Peter Parker "de carne e osso"; um Homem-Aranha de borracha digital prejudica essa identificação.

Mesmo quando têm o efeito de distanciamento do drama humano, os efeitos visuais de «Spider-Man» são empregues para executar o que está escrito no guião e terão uma apreciação e aceitação reforçada se nos recordarmos da presença da personagem nos telefilmes produzidos entre 77 e 79, que foram exibidos em salas de cinema na Europa, incluindo em Portugal, no início da década seguinte. Esses (tele)filmes, com Nicholas Hammond, pouco foram beber às histórias de BD (os amigos de Peter Parker e os inimigos do Homem-Aranha eram outros), e os "efeitos visuais", low-budget mesmo para a época, dificilmente seriam engolidos pelo público actual. A teia era um cordel, o herói andava no tecto virando-se a câmara ao contrário e as artes marciais eram entediantes (na época a influência seria mais Shaw Brothers de ouvir falar, por oposição aos impulsionadores desse estilo de acção na Hollywood de hoje: «The Matrix» e «Crouching Tiger...»)

Tal como «X-Men» (2000), «Spider-Man» deixa-nos com vontade de vermos as personagens noutras situações, quase de imediato. Tendo em conta o sucesso dos filmes baseados em BD da Marvel Comics, um boom impelido pelo sucesso do lançamento de um herói algo marginal e que primeiro apareceu numa história do Homem-Aranha – «Blade», em 1998 – não há que duvidar que aí virão mais filmes de super-heróis (mesmo sem considerar os que estão já em produção, como «Daredevil/Demolidor» ou «O Incrível Hulk»), uns atrás dos outros, bem como as obrigatórias sequelas. A era dos super-heróis está aí e um filme como «Mistery Men» (1999) poderia ter conhecido um relativo sucesso, se tivesse esperado mais uns anos até ver a luz do dia, podendo ter-se tornado uma espécie de «Scream» deste género.

Tratando-se de um filme de Sam Raimi, o espectador pode ainda entreter-se com os jogos “Identificar o Velho Carro do Realizador” (que aparece em todos os seus filmes, desde «The Evil Dead») ou “Em Que Cena Aparece Bruce Campbell?” Como bónus podemos também recordar o tema musical da clássica série de animação, num invulgar e agradável lo-fi mono.

Monumental 4, projecção ligeiramente incorrecta, em aproximadamente 1.75:1, com um pequeno matte a surgir de vez em quando na base da imagem. Som decente, mas a primeira fila não ajuda a apreciação. Focado.

***1/2
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Publicado on-line em 18/7/02.