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Matrix/The Matrix
Realizado por The Wachowski Brothers (Andy e Larry)
EUA/Austrália, 1999 Cor - 136 min. Anamórfico

Com: Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie-Ann Moss, Hugo Weaving, Joe Pantoliano, Gloria Foster, Marcus Chong, Julian Arahanga, Matt Doran, Belinda McClory, Anthony Ray Parker, Paul Godard

Thomas Anderson (Reeves) trabalha numa firma de software durante o dia e é um habilidoso "hacker", usando o nome Neo, durante a noite. Neo começa por ser avisado por mensagens no monitor do computador de que a sua vida pode estar em perigo, e mais tarde uma misteriosa mulher vestida de negro, Trinity (Moss), sugere-lhe enigmaticamente que ele é uma peça importante no combate entre os que querem manter as aparências e os que clamam pela liberdade do real. Morpheus (Fishburne) irá apresentar-lhe uma visão do mundo até então por este inimaginável, colocando em risco toda a existência conhecida e proporcionando combates mortais divididos entre o mundo virtual e o real.

«The Matrix», um enorme sucesso em ambos os lados do Atlântico, tem o mérito de ser um filme mainstream assumido como "audience-pleaser", repleto de acção e de efeitos espaciais de tirar o fôlego, mantendo-se ao mesmo tempo fiel à linha de desenvolvimento de uma história coerente e a um conceito complexo, do qual muito fica ainda por mostrar (haverão, em princípio, mais dois filmes). Os elementos presentes no filme dos irmãos Wachowski não serão originais de per se, mas eles não terão querido que a originalidade fosse o seu principal, ou único, trunfo. Fez-se um pastiche de uma série de obras de ficção científica modernas, com elementos de «Total Recall» (1970), «Dark City» (1997) ou até de «Soylent Green» (1973), e de algumas dezenas de livros do género, de Philip K. Dick a William Gibson. Adicionaram-se umas pitadas de "anime" (a mais óbvia referência será «Kokaku Kidotai/Ghost in the Shell», de 1995) mas aquilo que enforma uns bons 50% do aspecto visual das sequências de acção provém de Hong Kong.

O responsável pela coordenação das artes marciais é Yuen Wo-Ping, realizador dos filmes que levaram Jackie Chan ao estrelato - como «She Xing Diao Shou/Snake in the Eagle's Shadow» (1978) ou «Zui Quan/Drunken Master» (1979) -, e mais recentemente de títulos onde Jet Lee e Michelle Yeoh encabeçam o elenco, como «Wing Chun» e «Jing Wu Ying Xiong/Fist of Legend» (ambos de 1994), tendo sido este último a chamar a atenção da dupla de realizadores para o seu trabalho. Os mais atentos não terão deixado de reparar na remissão para «Drunken Master» durante a sequência em que Neo é "carregado" com software de artes marciais. Outra referência inevitável é John Woo. A "invasão" do edifício, com sacos repletos de armas, tem paralelo em «Dip Huet Seung Hung/The Killer» (1989) e «Ying Hung Boon Sik II/A Better Tomorrow II» (1987).

(Quem não viu o filme poderá preferir saltar este parágrafo.) O texto de Andy e Larry Wachowski desenvolve-se em redor de elementos religioso-filosóficos de proveniências diversificadas. Os mais acessíveis a uma audiência Ocidental são os Cristãos. Um povo excluído aguarda um Messias. Alguém anda a espalhar a palavra e há que estimular o crescimento e reprodução dos iluminados. Estes "nascem de novo". O próprio Messias terá de "morrer" (com ou sem aspas, aqui não será relevante), para nos salvar, não faltando uma ascensão aos Céus, nem sequer um Judas. Os nomes dos personagens não são escolhidos por acaso, e alguns têm um significado muito revelador (Anderson, por exemplo).

A espectacularidade está contida pelo guião. O que, no caso de «The Matrix», requer muita, muita contenção, que à primeira vista é pouco notória. Existem alguns exageros, como o tiroteio em redor de alguém que se quer salvar, mas que são, de certa forma, compensados noutros momentos como no dilema do herói que tem de escolher entre ser capturado ou efectuar uma saída "emocionante". Poucos filmes de acção optariam por tal desperdício.

Enquanto ficção científica, «The Matrix» não exige maior suspensão da incredulidade do que o normal no género. O facto de estar recheado de situações e pormenores, inevitavelmente leva a que muitas opções pareçam falhas. No entanto, no que toca a soluções como a utilização dos telefones celulares ou fixos, há sempre que ter presente que a Matriz é um programa de computador elaborado e que todos os elementos no seu interior são código informático. O que eles simbolizam não é o que eles são fisicamente, pois fisicamente nada são senão código. Mas para que o virtual funcione e passe pelo real é necessário que o cérebro entenda essas imagens no âmbito de uma lógica conhecida e cultivada pelo "mundo das aparências". De resto, pondo de parte o virtual, o telefone foi também um elemento de vital importância no anterior filme dos Wachowski, «Bound» (1996).

É pena que a qualidade da fotografia não seja a melhor em algumas cenas interiores, provavelmente porque se optou por filmar em Super 35, um processo por vezes usado por razões técnicas, mas com mais frequência por ser "video-friendly". E não pode deixar de se lamentar este facto duplamente, agora que a Warner Bros. - cuja congénere Britânica preferiu cortar alguns fotogramas do filme no Reino Unido para que este fosse exibido com uma classificação para maiores de 15, fugindo ao menos amigável '18' - tenha decidido que não haveria lançamento vídeo nos EUA em venda directa (apenas em DVD), para que a criançada não desate aos tiros ou a enfiar cabos de computador na nuca.

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Publicado on-line em 5/7/99.