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X-Men
Realizado por Bryan Singer
EUA, 2000 Cor – 104 min. Anamórfico.

Com: Hugh Jackman, Patrick Stewart, Ian McKellen, Famke Janssen, James Marsden, Halle Berry, Anna Paquin, Tyler Mane, Ray Park, Rebecca Romijn-Stamos, Bruce Davison

EUA, num futuro próximo. O senador Robert Kelly (Davison) tenta implementar uma lei que impõe o registo de mutantes, alegando o perigo para a segurança da nação decorrente da sua clandestinidade. O Professor X/Charles Xavier (Stewart) mantém fé na humanidade e na resolução da questão. Xavier gere uma escola para jovens sobredotados, que é na verdade um local destinado a acolher e educar mutantes, ajudando-os a conhecer e melhorar as suas capacidades especiais. Entre os veteranos incluem-se Cyclops (Marsden), cujos olhos emitem raios letais, Jean Grey (Janssen), telecinética, e Storm (Berry), com poder sobre os elementos meteorológicos. Rogue (Paquin), uma adolescente condenada a não tocar em nenhum ser vivo sem lhe absorver a energia vital e Wolverine (Jackman), cujo corpo possui características auto-regenerativas, além de ter um esqueleto constituído por um metal supostamente indestrutível (adamantium), vão aí ser acolhidos. No outro campo, Magneto (McKellen) não é tão optimista como o Professor X e decide combater por todos os meios a ameaça aos mutantes, com a ajuda de Toad (Park), Sabretooth (Mane) e Mystique (Romijn-Stamos).

Apesar de não ser exactamente o blockbuster desmiolado médio, «X-Men» foi um sucesso de público, sem ter seduzido propriamente a crítica, que o considerou oco ou indigno de interesse. É fácil separar os comentaristas entre aqueles que não estão de modo algum “virados” para a apreciação de um filme baseado numa história de banda desenhada, com a consequente diferença nos universos apresentados (mesmo que aleguem apreciar o filme isolado do meio de origem), e aqueloutros que simplesmente não perdem muito tempo com filmes "comerciais", quaisquer que seja a sua origem (excepto se for de “autores” merecedores do seu respeito, por qualquer motivo, como Spielberg ou Eastwood, mesmo quando assinam filmes algo ocos ou sem grande interesse).

Esta separação público-crítica suscitou uma crónica de João Lopes, publicada no Cinema2000, que merecerá a consulta do leitor. Esta bipolarização não é propriamente invulgar, pelo que mais interessante do que discuti-lo é debruçarmo-nos sobre o porquê de tal surgir especificamente com este filme. Dadas as qualidades do filme, enquanto “entretenimento”, mas não só, não consigo entender como é que «X-Men» pode ser colocado ao lado de obras manifestamente inferiores, que se limitam a seguir os padrões narrativos habituais. Ou seja, diria tratar-se de uma “discriminação”, mais pelo género do que pelas qualidades, ou falta delas, do filme. Algumas pessoas simplesmente sentaram-se já sem vontade de desfrutar o filme. E não só em Portugal. Ebert, por exemplo, cujas citações são provavelmente as mais usadas em capas de vídeos e DVDs, sendo um dos mais influentes críticos norte-americanos, enumera uma série de “falhas” que mais parecem recolhas forçadas para sustento de uma opinião pré-definida, referindo inclusive não entender porque é que Magneto quer dar poderes aos seus inimigos. Ora isto parece indiciar o não entendimento da força motriz do filme, ou da sua “mensagem”, se assim se pode dizer. Optou-se, de modo muito bem sucedido, em desenvolver as motivações do vilão em redor de uma reacção contra a discriminação daqueles que são diferentes (os mutantes, de certa forma, estão aqui equiparados a uma minoria étnica).

Magneto é introduzido no prólogo, enquanto criança judia num campo de concentração nazi, algo que não pode deixar de o marcar. É esta experiência, e o receio de que tal possa vir a repetir-se no futuro, que o levará a agir. O que começa com a obrigatoriedade de registo pode passar para a ostentação de marcas no vestuário e pela posterior separação do resto da população. A partir daí, o que impediria a implementação de campos de trabalho, de “educação”, ou para uma “solução definitiva”? Nem que fosse só pela motivação do vilão – que não é um louco que quer destruir o mundo, uma vez mais – «X-Men» não deveria ser equiparado à generalidade dos filmes produzidos em Hollywood, de ver e esquecer 10 minutos depois de sair da sala. A isto juntam-se as interpretações tanto de McKellen como de Stewart, que são plenamente convincentes enquanto antigos amigos, levados pelas circunstâncias a um conflito mortal.

«X-Men» apresenta diversas personagens narrativamente relevantes, sendo inevitável que alguns não sejam desenvolvidos, mas tal é gerido de modo inteligente e eficaz. O argumento debruça-se nos novatos, Rogue e Wolverine, uma ainda a aprender a lidar e a aceitar o seu poder, e outro sem memória de como o seu corpo foi alterado. Storm e Cyclops não se dão a conhecer profundamente (Jean Grey fica a meio caminho), mas também não se nos apresentam soluções dramáticas, ou comportamentos incompreensíveis ou incoerentes com o que nos (não) foi dado a conhecer deles. Estamos perante um texto económico – um filme desta envergadura com 1 hora e 40 minutos é uma raridade –, por oposição a incompleto ou com falhas relevantes. Optando-se por um épico, pretensamente denso, com 2 horas e meia de duração, mais facilmente se deitaria tudo a perder. Aqui, o que não vemos podemos facilmente deduzir e torna-se óbvio que as inevitáveis sequelas se dedicarão a posteriores desenvolvimentos. É também por esta razão que o sugerido triângulo amoroso não se fica por ser um elemento redundante, introduzido sem aparente razão de ser.

A contenção no filme de Bryan Singer surge também ao nível visual. Os efeitos usam-se conforme necessário e não há artifícios pós-modernos a tentar apimentar a experiência cinematográfica. Mesmo as cenas de acção, onde se usa algum kung-fu, são mostradas em vez de apalhaçadas. Compare-se com «Romeo Must Die». Novamente temos Yuen Kwai a coreografar, mas enquanto nesse filme a “estética” e a montagem rápida é contraproducente, aqui é-nos dada a opção de simplesmente ver o que se passa (às vezes parece que ninguém se lembraria disso...) Não só a acção é mais fluída, como os enquadramentos melhor englobam os oponentes (ambos os filmes recorrem ao formato scope). A diferença fundamental em «X-Men», além da experiência e visão de Singer, é que Yuen controla o modo como as cenas que coreografou se apresentam no ecrã (é creditado também como realizador de segunda unidade).

Resta a questão da fidelidade à fonte original, ou seja aos livros da Marvel, onde os personagens surgiram em 1963. Não conhecendo em profundidade a BD, não tenho capacidade para fazer esse julgamento, mas pelo que li e pelo que outros mais entendidos me disseram, tomaram-se algumas liberdades na adaptação de algumas personagens. Mystique não seria propriamente uma lutadora, pelo menos à altura de um duelo com Wolverine, nem Sabretooth um mero guarda-costas. Jean Grey, que viria a tornar-se Phoenix, terá absorvido o perfil de cientista de outro X-Man que não foi usado no filme por razões técnicas (The Beast). Não parece que exista algo que se possa apelidar de “traição” aos elementos originais. E Stan Lee, co-criador do “super-grupo”, dá o seu aval, surgindo como produtor executivo e num cameo a vender cachorros quentes.

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Publicado on-line em 8/10/00.