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O Plano/A Simple Plan
Realizado por Sam Raimi
EUA/Reino Unido/Japão/Alemanha/França, 1998 Cor - 101 min.

Com: Bill Paxton, Billy Bob Thornton, Bridget Fonda, Gary Cole, Brent Briscoe, Becky Ann Baker, Chelcie Ross, Jack Walsh, Bob Davis, Peter Syvertsen

Hank (Paxton) vive numa pequena cidade do Minnesota, onde, apesar dos estudos superiores, trabalha numa modesta loja de sementes. A esposa, Sarah (Fonda), dará à luz muito em breve o primeiro filho do casal. Hank, o irmão, Jacob (Thornton), e o amigo deste, Lou (Briscou), encontram um avião acidentado no meio da floresta e no seu interior deparam com um saco contendo uma avultada quantia de dinheiro. Os três concordam em guardar o achado até terem a certeza ser seguro começarem a gastá-lo. Mas os desentendimentos são difíceis de evitar e a desconfiança instaura-se.

Sam Raimi celebrizou-se pela trilogia dos filmes de culto «Evil Dead» (1982, 87, 93), os quais, há medida que iam progredindo pelos corredores do mainstream, foram perdendo a crueza e a facilidade com que as soluções dos problemas passavam por desmembramentos e sangue a salpicar nas paredes (ou na cara de Bruce Campbell). Apesar de, desde então. ser um dos nomes mais marcantes do filme de horror moderno, provavelmente apenas o primeiro filme terá sido feito sem qualquer interferência ou pressão externa para a redução da violência e para a "normalização". Logo em «Crimewave» (1985) («O Pequeno Crime»; mais um título nacional a minimizar o homicídio), uma simples comédia "slapstick", forçou-se um prólogo e um epilogo e recusou-se o protagonismo a Bruce Campbell - que ainda assim pode brilhar no papel de um perfeito canalha -, o que, entre outras coisas, levou Raimi a nem querer mais ouvir falar do filme.

Apesar das dificuldades, e movendo-se então por géneros diversos, Raimi tem conseguido apresentar propostas cinematográficas de grande mérito. Conseguiu, como ninguém conseguiria, subverter um western de grande orçamento, com estrelas de primeira linha. «The Quick and the Dead/Rápida e Mortal» (1995), reuniu todos os personagens-tipo do género, com humor e violência cartoonescos e com um modo de filmar esquizofrénico, sempre em movimento e com recurso a mecanismos de filmar complexos, onde se levam contra-plongées ao limite, acompanhados por movimentos oscilatórios do suporte da câmara para um e para outro lado. Isto é, há que controlar a performance do actor, mantê-lo no enquadramento, puxar a câmara numa direcção enquanto se faz o zoom no sentido inverso, ao mesmo tempo que se move o eixo horizontal.

Deste modo, é fácil constatar que «A Simple Plan» nos traz um Sam Raimi diferente. Sóbrio, calmo, "sério". Chegou a existir alguma especulação quanto a possíveis nomeações para os Oscars - sim, este é mais um filme que nos chega muito tarde, mas ainda assim dentro do prazo de validade - e é fácil de conceber algumas, tendo em conta o que costuma ser matéria a considerar pela Academia, em particular o argumento (adaptado por Scott B. Smith, do seu próprio livro) e a performance de Billy Bob Thornton, um actor muito flexível, mas aparentemente mais apto para um certo género de papéis.

Com bons actores e um bom texto, Raimi controla minuciosamente o tempo narrativo, introduzindo lentamente as vidas simples dos personagens, no cenário da "Smalltown", Minnesotta. Eles têm os seus sonhos e o dinheiro surge como um meio fácil de os tornar realidade, mas, à medida que a situação enegrece, a realização das expectativas torna numa luta contra o puro desespero. O dinheiro já não é um acréscimo, mas algo que tem de ser obtido (mantido) a todo o custo. Não existem as pessoas más, bem delineadas enquanto tal, a que estamos habituados a ver no cinema de Hollywood, e daqui surge uma excelente oportunidade para os actores darem corpo a personagens com alguma complexidade moral.

Ao contrário do que por vezes se sugere, «A Simple Plan» não tem muito que ver com «Fargo» (1996) para além do cenário onde a acção se desenrola (aliás, Raimi pediu conselhos técnicos aos Coen quanto a filmar em tal ambiente). A existir alguma ligação, a mais óbvia é com «Blood Simple/Sangue por Sangue» (1984), pelo encadeamento das desgraças depois de um acto inicial que pareceria ser muito simples, e até por duas cenas quase paralelas nos dois filmes: uma entre John Getz e Dan Hedaya, no filme dos Coen e a outra, aqui, com o vizinho da mota-de-neve. Recorde-se que as colaborações entre Joel e Ethan Coen e Sam Raimi, amigos de longa data, vêm desde o primeiro filme deste, «The Evil Dead», onde Joel é creditado como assistente de montagem.

«A Simple Plan» é um filme a ver a todo o custo numa sala de cinema, não só pelas suas qualidades intrínsecas, mas também para se poder testemunhar o culminar da carreira de Sam Raimi, assinando agora um género de obra que ninguém terá vergonha de admitir ter gostado.

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Publicado on-line em 28/6/99.