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Os Tenenbaums/The Royal Tenenbaums
Realizado por Wes Anderson
EUA, 2001 Cor – 110 min. Anamórfico.

Com: Gene Hackman, Angelica Huston, Ben Stiller, Gwyneth Paltrow, Luke Wilson, Owen Wilson, Bill Murray, Danny Glover, Seymour Cassel, Kumar Pallana

A família Tenenbaum é constituída por Royal (Hackman), Etheline (Huston) e pelos três filhos – Chas (Stiller), Margot (Paltrow) e Richie (Luke Wilson). Há uma vintena de anos atrás, os filhos revelaram-se crianças sobredotadas: Chas, com o seu espírito empreendedor e estudos científicos, cedo negoceia propriedades e concebe uma raça de ratos dálmatas; Margot escreve e encena peças de teatro e Richie torna-se campeão de ténis. Etheline escreve um livro sobre a genialidade dos seus filhos. Com o passar dos anos, os Tenenbaums separam-se, os filhos transformam-se em pessoas vulgares e vivem em depressão: Richie perde um torneio e retira-se das competições, Margot não consegue escrever e vive um casamento infeliz com o neurologista Raleigh St. Clair (Murray) e Chas torna-se paranóico depois da morte da mulher num acidente de aviação. Entretanto, a família volta a aproximar-se, no meio de conflitos relacionados com as feridas do passado por sarar.

«The Royal Tenenbaums» vem marcar o reconhecimento universal de Wes Anderson, depois de «Rushmore» que, por cá, teve um feedback quase nulo (do público, mas também da crítica), aquando da sua exibição por um par de semanas, há 3 anos atrás (por coincidência, também estreou no mês de Março). Talvez «Rushmore» possa agora vir a ser “recuperado” e apreciado sob outra perspectiva.

Escrito por Anderson em parceria Owen Wilson, tal como o seu filme anterior, «The Royal Tenenbaums» parte de uma estrutura pseudo-literária, simulando tratar-se da adaptação do livro homónimo, com excertos narrados regularmente por Alec Baldwyn. Tal como vimos recentemente n' «O Fabuloso Destino de Amélie Poulain», sempre que alguma ocorrência, por mais secundária que seja, é referida pela voz off ou por uma personagem, insere-se uma sequência com a ilustração do sucedido. Assim são constituídos alguns dos momentos mais divertidos do filme, como o relatório sobre o passado de Margot e a procura pelas suas origens. Com isto não se quer dizer que existem semelhanças relevantes entre os dois filmes, até porque este mecanismo não é propriamente “original”. É, no entanto, usado para grande efeito tanto aqui como na obra de Jeunet.

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Apesar de se estabelecer o cenário na Nova Iorque dos nossos dias, Anderson procura criar uma espécie de mundo paralelo (outra semelhança ligeira com «Amélie»). Da cidade não se mostram ícones ou características distintivas, o guarda-roupa é tudo menos moderno, os carros são clássicos e até os aparelhos de TV ainda são daqueles com botões que se rodam e com a mão toda. Esta caracterização, bem como o modo de enquadrar a acção, quase nos sugere maior proximidade com a banda desenhada do que com o cinema (esquecendo por momentos o pormenor óbvio de que estamos a ver imagens em movimento numa tela). O mesmo pode ser dito das personagens, com presenças físicas muito distintas, vestuário incluído (o guarda-roupa é um elemento importante no filme) e suas manifestações de amargura e desilusão a parecerem querer aproximar-se da caricatura, mas sem nunca a atingirem.

Não existindo um elemento central à narrativa, como em «Rushmore» (filme sobre uma única personagem, outros gravitando em seu redor), em «The Royal Tenenbaums» é em Etheline – a matriarca, sempre presente e sem os problemas que assolam todos os elementos da sua família – onde se assenta o eixo das relações familiares. Parece ser também a única que possui bom senso e, por vezes, equilíbrio emocional. Royal é tão desprendido e frio quanto prático: quer voltar a casa por razões económicas, mas acaba por querer, de facto, recuperar a família perdida (porque abandonada, mas não só). Outra personagem que ilustra um dos temas do filme (em paralelo com a obra anterior de Anderson), i.e., o desejo de integração, é Eli (o co-argumentista Owen Wilson). Também ele quer ser um Tenenbaum. Esse desejo manifesta-se não só pela relação com Margot, mas também pelo modo como procura a aprovação de Etheline. Este elemento narrativo é um exemplo de como o argumento ilustra, com eficácia, motivações dramáticas através de mecanismos de humor.

O filme está longe de ser uma comédia convencional. O humor não se baseia em piadas soltas, com maior ou menor capacidade de gerar gargalhadas; mais facilmente gera um sorriso semi-permanente, dilatado ocasionalmente por risadas ligeiras. A preocupação última de Anderson não é fazer rir, de modo que poderíamos definir «The Royal Tenenbaums» como “um filme sério com piada”. (Pelo menos uma pessoa na sala de cinema não concordaria comigo, já que parecia próximo de um ataque cardíaco de tanto rir. Até fazia uma pausa para respirar. Gargalhada histérica. Silêncio total por alguns segundos. Nova gargalhada sonora. Ou talvez a segunda rodada reflectisse o entendimento da piada?) Por outro lado, mesmo aligeirando ligeiramente o tom à medida que avançamos para a conclusão, Anderson e Wilson nunca traem as suas personagens, algo que as comédias “standard” americanas raramente conseguem evitar. É o caso de filmes como «Meet the Parents» – que me ocorre devido à presença de Owen Wilson – com amarras soltas até à parte final, mas com uma conclusão artificial, muito correcta e bem comportada. De qualquer forma, colocar a obra de Anderson na prateleira das Comédias só se poderá dever à um imperativo de catalogação.

«Rushmore» e «The Royal Tenenbaums», devido à libertação dos pólenes nesta altura do ano ou aos Idos de Março, foram igualmente maltratados pela distribuidora, através da atribuição de títulos consideravelmente patetas. Uma certa falta de imaginação, a necessidade de ser específico, mas sobretudo a intenção de dizer ao potencial espectador em que género se insere o filme (termos como “fatal” e “mortal” identificam “thrillers”, “explosivo” identifica um filme de acção, qualquer frase espalhafatosa identifica uma “comédia”), têm levado as distribuidoras a usar denominações que pouco ou nada têm que ver com os títulos originais e que, por vezes, constituem verdadeiros incómodos de pronúncia em público. Quando não se investe muito em publicidade, o título tem de ser apelativo. Neste caso, introduziu-se um subtítulo que é, ao mesmo tempo, uma afirmação crítica e uma frase publicitária. Ora aqui quem faz as críticas sou eu e publicidade só paga a peso de ouro (como sabem, o Rolls não anda a GPL), de modo que tal “título” irá será ignorado em qualquer registo neste site. De qualquer forma, na sequência do que fiz no comentário a «The Man Who Wasn't There», aqui ficam algumas referências a títulos que poderiam ter sido e que podem servir de inspiração futura:

«Unbreakable» – «Um Thriller Misterioso Muito Bem Filmado»;
«The Exorcist» – «Exorcista, Um Filme Aterrorizador»;
«The Mummy» – «A Múmia, Um Filme um Bocado de Terror, Mas Assim, Prontch, Bué de Engraçado»;
«Intimacy» – «Intimidade, Tem Muitas Cenas Marotas!»;
«Memento» – «Memento, laineG rellirhT mU».

****1/2
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Publicado on-line em 31/3/02.