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O Fabuloso Destino de Amélie/Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain/
Die Fabelhafte Welt der Amélie

Realizado por Jean-Pierre Jeunet
França/Alemanha, 2001 Cor – 123 min. Anamórfico.

Com: Audrey Tautou, Mathieu Kassovitz, Rufus, Lorella Cravotta, Serge Merlin, Jamél Debbouze, Claire Maurier, Clotilde Mollet, Isabelle Nantey, Dominique Pinon

Amélie Poulain (Tautou), uma jovem parisiense recatada e tímida, foi educada pelos pais, com poucos contactos com o mundo exterior. Com vinte e poucos anos, Amélie trabalha num pequeno café e mora num apartamento antigo, onde encontra uma caixa escondida há mais de 40 anos. Ao procurar o dono, virá a descobrir a satisfação de trazer a alegria aos outros. Numa estação de comboios depara com o hábito peculiar de um jovem (Kassovitz), que colecciona fotos tipo passe mandadas fora, frequentemente rasgadas, por utilizadores de uma máquina automática.

É curioso que mesmo o trailer francês de «Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain» se refira a Jeunet como “o realizador de «Alien: Resurrection»” (1997), quando o seu único filme americano é também o seu trabalho menos pessoal e mais facilmente esquecível e não é, certamente, aquele ao qual nos referimos para exprimir o “estilo Jeunet”. Por outro lado, as suas obras mais pessoais, realizadas em parceria com Marc Caro, não tiveram o estrondoso sucesso comercial em França que este novo filme viria a ter. Por aqui se pode compreender porque é que os estúdios, americanos ou europeus, se preocupam sempre em usar os elementos mais apelativos ao chamado grande público.

Marc Caro era quem se ocupava do aspecto visual dos filmes da dupla, enquanto Jeunet lidava com os actores, sendo indiscutivelmente brilhante o seu trabalho com as crianças d'«A Cidade das Crianças Perdidas/La Cité des Enfants Perdus» (1995). A ausência de Caro não implica uma alteração radical do estilo visual com o qual estamos familiarizados desde «Delicatessen» (1991) e passando pela obra previamente referida. Continuamos ainda numa espécie de mundo paralelo, fantástico e irreal, apesar de, ao mesmo tempo, a acção decorrer em Paris, num tempo recente (1997, por altura da morte da princesa Diana). Mas será nas personagens onde mais facilmente encontramos pontos de contacto com as anteriores obras de Jeunet-Caro, porquanto, uma vez mais, estamos perante um grupo deveras peculiar de indivíduos, como o coleccionador de fotos rejeitadas ou o amante abandonado e neurótico que persegue a ex-namorada e dita todos os seus movimentos “suspeitos” para um gravador de bolso. A bipolarização entre o real e o irreal, entre o tempo presente e o passado e – porque não? – o analógico e o digital, pode ser extraída do “tratamento” com o gnomo de jardim. Isto é, seria mais lógico, hoje em dia (ou em 1997) usar-se o Photoshop, do que o método mais complicado – mas, sem dúvida, mais divertido – que nos é apresentado.

Apesar de não me parecer tão “fellgood”, e passível de induzir sorrisos idiotas na audiência, quanto se tem dito e escrito, «...Amélie» afasta-se muito, no que toca ao tom com que o material é apresentado, dos filmes anteriores assinados por Jeunet. «Delicatessen» pode-se catalogar como “comédia negra”, mas não diria que ao ponto de desejar “provocar pesadelos”, pois permanece uma comédia ligeira (ainda que para um público adulto), do mesmo modo que «Amélie» não é propriamente uma “comédia branca”, que visa “provocar sonhos” – uma fórmula sugerida em algumas análises críticas. Por outro lado, quem com Amélie tem “implicado” parte de um princípio injusto ou de conceitos definidos a priori, sem os questionar.

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Il n'y a pas de cuiller. (There is no spoon.)
É suposto Amélie ser um “anjo”? A espécie de tortura psicológica a que ela submete uma personagem é “moralmente” correcta? Não, na verdade não é. Se o seu objectivo fosse fazer felizes todas as pessoas do mundo, tentaria não só fazer ver ao merceeiro abusador que o seu comportamento está errado, como também incentivaria o seu assistente abusado, a “defender-se” pelos seus próprios meios. Temos aqui, pois, um conjunto de actos mais motivados por uma certa vingança e satisfação pessoal com os resultados, do que propriamente com “fazer o bem”. Quanto a mim, não faz sentido partir de um pressuposto errado (que a moça é um anjinho e que só faz o bem), para depois criticar o argumento dizendo que afinal não faz tão bem assim. Ela é apenas humana, e estamos a falar apenas de um filme, não de um tratado moral.

Mesmo incapaz de “mudar o mundo” do espectador, Amélie não decepciona aqueles que a procurarem sem exigirem que se conforme com a sua ideia particular do que arte cinematográfica deve ser (mais Nouvelle Vague, talvez), seja em termos de “densidade” narrativa, seja em termos de tratamento visual. Quem considere que qualquer movimento ou ângulo de câmara pouco convencional ou qualquer imagem “artificial” e irreal se reconduz a um “estilo MTV”, não terá a capacidade para se deixar seduzir. O filme é belo, simples e emocionante, em particular para quem o for ver enquanto filme (em abstracto) e não enquanto “arte e ensaio” (por mero acaso sob a forma de filme), com base em conceitos cada vez mais diluídos.

*****
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Publicado on-line em 5/01/02.