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O Barbeiro/The Man Who Wasn't There
Realizado por Joel Coen
EUA/Reino Unido, 2001 P/b – 116 min.

Com: Billy Bob Thornton, Frances McDormand, Adam Alexi-Malle, Michael Badalucco, Katherine Borowitz, Richard Jenkins, Scarlett Johansson, Jon Polito, Tony Shalhoub, James Gandolfini

Santa Rosa, uma pequena cidade nos Estados Unidos, 1949. Ed Crane (Thornton) trabalha como barbeiro, no estabelecimento do cunhado, Frank (Badalucco). A mulher, Doris (McDormand), é contabilista nos armazéns Nirdlinger. Ed acredita que Doris mantém uma relação com o patrão, Big Dave (Gandolfini), mas isso não o parece preocupar. Um dia, um forasteiro chamado Tolliver (Polito) apresenta-lhe uma proposta de negócios que lhe parece uma via para mudar de vida. Mas a sociedade tem um preço elevado – 10 000 dólares – e Ed não tem o dinheiro. O modo como decide obtê-lo irá despoletar uma sequência de acontecimentos imprevistos e desagradáveis.

Depois de «O Grande Lebowsky» (1997) e «Irmão, Onde Estás?» (2000), um par de filmes ligeiros, comédias sem notória capacidade de nos deixar marcas profundas, os irmãos Coen voltam ao film noir – o género com que abraçaram a actividade cinematográfica, em 1983, com «Sangue por Sangue/Blood Simple», agora reposto no cinema Ávila em Lisboa – e a temas inspirados pelos escritos de James Cain, nomeadamente na utilização de personagens principais derrotados pela vida que, quando tentam resolver os seus problemas, só conseguem meter-se em mais sarilhos.

«The Man Who Wasn't There» recebeu mais um daqueles títulos nacionais que nos fazem hesitar quanto temos de o mencionar em público – “... aquele último dos Coen...” De qualquer forma, o método tem os seus méritos e poderia ser testado com outras obras. Por exemplo:

«Harry Potter» - «O Estudante»;
«Le Fabuleux Déstin d' Amélie Poulain» - «A Empregada de Bar»;
«Fantasmas de Marte» - «Os Polícias do Futuro»;
«Gohatto» - «Os Samurai Homossexuais».

Os filmes da série 007 podiam reduzir-se a singelos «O Espião Britânico», com um número de ordem no fim.

«The Man Who Wasn't There» é um filme a preto e branco, uma raridade nos dias de hoje, apesar de se ter usado película colorida (por razões técnicas e contratuais), mais tarde transferida para o preto e branco final. A fotografia a preto e branco tem a vantagem, para além de eventualmente se adequar melhor ao tom do filme, de permitir que o director de fotografia se concentre apenas na iluminação das cenas e nos contrastes entre a luz e as sombras, sem se preocupar com que cores funcionam em cada plano. E não há dúvida que o trabalho de Roger Deakins, cinematógrafo dos Coen desde «Barton Fink» (1991) – depois de Barry Sonnenfeld –, é de uma grande excelência, sendo também um provável candidato aos prémios da indústria norte-americana.

Os irmãos Coen voltam a construir uma teia de acontecimentos em cadeia, que frustram as boas e as más intenções das suas personagens. Não se preocupando em construir tramas complicadas, destinadas a enganar a audiência e guardando revelações “extraordinárias” para o final (algo que tem estado muito em voga nos tempos recentes), a dupla de cineastas continua a revelar o talento para a construção de personagens sólidas e de sequências de eventos peculiares, que mantém uma grande dose de “realismo”. Reparo, a posterior, que também o escrevi a propósito de «Blood Simple», mas opto por frisar: a improbabilidade ou a surpresa de algumas ocorrências não se nos afere como fabricação dos escritores, mas como um natural conflito entre as diferentes movimentações das personagens, que parecem mover-se por si mesmas, e não ao serviço do argumento. Tal é um talento para a escrita de cinema muito raro, uma vez que nos leva não a dizer que o argumentista é muito inteligente ou perspicaz, mas, de tal modo embrenhados na história, a lamentar que o sujeito que vemos no ecrã é muito azarado.

Apesar de ser difícil pôr defeitos, formais ou estruturais, nesta obra de Joel e Ethan Coen, a sua extrema frieza, quase clínica, leva-nos a um certo desprendimento emocional, paralelo ao da personagem central, um barbeiro que não está contente com a vida que leva, mas também não parece particulamente aborrecido com o pior que lhe possa vir a acontecer. Os Coen continuam a imprimir o seu humor (quase sempre) subtil e cínico, que nos faz imaginá-los a rirem-se das desgraças dos seus “heróis”, ao mesmo tempo que escondem o rosto, para que ninguém se aperceba que há coisas que não são para ser levadas a sério.

***1/2
classificações

Publicado on-line em 3/02/02.