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Titan – Depois da Destruição da Terra/Titan A.E.
Título nacional no ecrã: Depois da Terra
Realizado por Don Bluth e Gary Goldman
EUA, 2000 Cor – 94 min. Anamórfico.

Com as vozes de: Matt Damon, Bill Pullman, John Leguizamo, Nathan Lane, Janeane Garofalo, Drew Barrymore, Ron Pearlman, Alex D. Linz, Tone-Loc, Jim Breuer

No século XXXI, o Planeta Terra é atacado e destruído pelos Drej, uma raça de criaturas cujos corpos são de pura energia. Momentos antes da catástrofe, o Professor Sam Tucker (Pearlman), comanda as operações destinadas a ocultar a Titan, alegadamente a nave mais poderosa do Universo, levando-a para longe das mãos da raça inimiga. O seu filho, Cale (Damon), é forçado a seguir outro rumo, ficando na posse de um anel do pai. 15 anos depois, Cale conhece Korso (Pullman) e Akima (Barrymore), que o convencem a juntar-se-lhes na busca pela Titan, a qual poderá ser uma ferramenta para a reconstrução do futuro da humanidade, cujos sobreviventes, na sua maioria, vivem em colónias à deriva no espaço. Os Drej querem chegar primeiro à Titan, para a destruírem.

2000 tem sido um ano bom no que toca à estreia de cinema de animação no nosso país. Sem contar com os obrigatórios filmes da Disney, de estreia garantida, pudemos ver o épico japonês «Princesa Mononoke», a animação de volumes de «A Fuga das Galinhas», a animação 100% digital de «Toy Story 2» ou a mistura de CGI com imagem real de «Stuart Little». Uma diversificação algo louvável, se bem que todos se reconduzam a produtos de Hollywood ou promovidos pelo sistema (mesmo o melhor dos filmes, a obra de Miyazaki, não teve direito senão à versão dobrada para americano não ler). Por outras palavras, agarrem-se aos chapéus e não se exaltem; os distribuidores portugueses não estão a tentar condimentar a oferta cinematográfica, apenas continuam a exibir o que os estúdios americanos lhes enviam.

Os filmes acima citados – desconheço «Stuart Little» e creio que só estreou em cópia dobrada – possuem algo mais do que boa animação. Um objecto artístico como «Mononoke Hime» não é concebido em redor de um orçamento e de um desejo de demonstrar que se consegue fazer algo, do ponto de vista técnico ou artístico. Miyazaki desenvolve uma história e procura executá-la, ficando subentendido que a animação será de primeira. Porquê reflectir sobre esse acto? Mesmo que seja natural que projectos como os dois «Toy Story» possam surgir de uma conclusão sobre o que se pode fazer com animação completamente digital, uma boa história não nos dá oportunidade de pensarmos nisso; é um bom filme e é tecnicamente irrepreensível.

O filme de Don Bluth e Gary Goldman não se enquadra, infelizmente, no quadro acima descrito. Pelo contrário, é difícil de imaginar o processo de criação do filme de modo que não seja o inverso. Há dinheiro, queremos fazer um filme de animação, podemos fazer isto, isto e aquilo. Ah, e um argumento? Há por aí qualquer coisa aproveitável nalguma gaveta? «Titan A.E.» credita cinco escritores – dois enquanto autores da história e três a desenvolver o guião –, numa demonstração perfeita de que a quantidade pode estar a milhas da qualidade. O curriculum dos escritores pode fornecer algumas pistas quanto a isso: se Joss Whedon escreveu «Buffy the Vampire Slayer» (1992) e «Alien: Resurrection» (1997), o par que concebeu a história onde o guião se baseia, assinou, em 1997, «Anaconda» (Hans Bauer) e «Speed 2: Cruise Control» (Randall McCormick). A pobreza do argumento, dos diálogos e da caracterização das personagens, praticamente reduz o filme a uma enciclopédia de clichés da ficção científica, algo que só poderia funcionar se o olhar dos cineastas fosse de sátira.

A raça inimiga, os Drej, tem poderes quase ilimitados, destruindo um planeta em poucos segundos. No entanto, perdem anos, matam os seus e destroem recursos, para alcançar a Titan, um objectivo que mete o filme a andar e que, tendo em conta a sua capacidade quase divina, pouco se justificava. Faria mais sentido esperar para ver e destruir tudo o que os humanos construíssem, a nave e os heróis, com um mero estalar de dedos. O que eles toleram para ocultar um traidor também não é lógico.

A história junta uma série de conceitos interessantes, que se perdem num todo inconsequente e dramaticamente nulo. Existem sequências de alguma beleza, no plano visual, como as esferas de hidrogénio, o labirinto de gelo ou as criaturas que acompanham a descolagem das naves. Toda a componente visual se pode considerar satisfatória ou boa, se bem que, no que toca à animação tradicional, os trejeitos e tiques dos personagens, quando falam e quando se movimentam, sejam frequentemente exagerados, como se se tentasse chamar a atenção para a arte. É também de louvar o investimento na animação em CinemaScope (literalmente, pois a Fox recuperou a marca registada, célebre nas décadas de 50 e 60, com «Anastasia»), reforçando a espectacularidade de algumas sequências. Mas, por mais bela que seja a forma, é imperdoável que se secundarize e banalize o conteúdo como aqui se fez.

Em suma, «Titan A.E.» cumula pedaços de diversos filmes de ficção científica, maxime a incontornável «Guerra das Estrelas» e até da série de televisão “Battlestar Gallatica”, desperdiçando escassos elementos de originalidade no plano visual. No seu todo, o filme revela-se um conjunto de McGuffins que não servem para justificar nada de interesse.

Não sendo este filme de modo algum destinado a crianças pequenas, é estranho que a Castello Lopes tenha gasto dinheiro numa dobragem (porque será que não o fez no caso de «Princesa Mononoke»?) De qualquer dos modos, os adultos que conhecem meia dúzia de filmes de ficção científica não devem ficar muito satisfeitos com a experiência e as crianças pouca graça lhe hão-de achar. Talvez tenha sido uma das razões pelas quais «Titan A.E.» foi um grande “flop” comercial nos EUA, tendo levado inclusive ao encerramento da divisão de animação da Fox. De certa forma, é injusto, já que é tão convencional, não arriscando um milímetro, como a maior parte de filmes bem sucedidos nas bilheteiras. Talvez o público adulto que se dispõe a ver animação não seja exactamente o mesmo que vai ver um filme em imagem real.

**
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Publicado on-line em 6/9/00.