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A Fuga das Galinhas/Chicken Run
Realizado por Peter Lord e Nick Park
EUA/Reino Unido, 2000 Cor – 84 min.

Com as vozes de: Phil Daniels, Lynn Ferguson, Mel Gibson, Tony Haygarth, Jane Horrocks, Miranda Richardson, Julia Sawalha, Timothy Spall, Imelda Staunton, Benjamin Whitrow

Na Inglaterra dos anos 50, a Sra. Tweedy (Richardson) administra a sua quinta com pulso de ferro. Galinha que não põe ovos é imediatamente transformada em canja. Ginger (Sawalha) lidera a resistência galinácea procurando métodos de fuga, mas sendo continuamente apanhada pelo Sr. Tweedy (Haygarth) e pelos seus cães. Quando o americano Rocky (Gibson) vai parar à quinta por acidente, acompanhado por um cartaz que o identifica como “galo voador”, Ginger ganha novo alento para a luta e insiste que o novo inquilino ensine as prisioneiras a voar. Os novos métodos parecem não ser melhores que os antigos e, entretanto, a Sra. Tweedy decide rentabilizar a exploração, adquirindo uma máquina para fazer tortas de galinha.

A Aardman ganhou notoriedade produzindo curtas-metragens de animação em volumes, como «Creature Conforts» (1990) ou a série Wallace and Gromit, constituída, até ao momento, por três filmes: «A Grand Day Out» (1992), «The Wrong Trousers» (1993) e «A Close Shave» (1995). Desta trilogia, os dois últimos ganharam Oscars (o trailer aportuguesado d' «A Fuga das Galinhas» traduz erroneamente, atribuindo apenas uma estatueta), apesar de «A Close Shave» não ser tão apelativo como os dois primeiros.

A mestria no animar de bonecos feitos de plasticina e de outros materiais moldáveis trouxe ao estúdio britânico o reconhecimento universal. Com o par de Oscars, surgiu inevitavelmente a oportunidade de “tomar” Hollywood, através da parceria com a Dreamworks. Uma associação deste género terá demorado devido ao facto dos estúdios americanos mais facilmente preferirem contratar o “talento” para executar projectos em carteira, do que darem luz verde a artistas com ideias próprias. Algum reconhecimento por esta obra terá que ser devido também à Dreamworks, já que muito provavelmente seria complicado de encontrar o financiamento necessário apenas no Reino Unido. E a distribuição americana faz maravilhas... Não é verdade? É um certificado de estreia entre nós.

«A Fuga das Galinhas», tal como a maioria dos filmes de animação que visam atingir um público maduro e cinéfilo, permanecendo produtos que podem ser consumidos por crianças, constrói-se em redor de uma estrutura e de elementos constituintes de uma série de clássicos do cinema. Neste caso, a primeira referência obrigatória é «The Great Escape» (1963) , mas o filme de Lord e Park bebe em diversas obras do género, piscando o olho a filmes de aventuras, como «A Guerra das Estrelas» (1977), «Os Salteadores da Arca Perdida» (1981) ou a outros protagonizados por Mel Gibson, como a série «Mad Max» (1979-85) ou «Braveheart» (1995) (não podia faltar o obrigatório grito de “freedom!”)

O método de construção narrativo tem os seus pontos positivos, bem como as suas desvantagens. À medida que seguimos o percurso das personagens, somos tentados a identificar o decalque deste ou daquele momento e levados ao riso pelo modo como é inserido no filme. Por outro lado, fazer um filme depender demasiado de uma narrativa por todos conhecida, recheada com referências a clássicos, pode prejudicar o resultado final, conduzindo a uma certa preguiça na escrita do argumento. O método funcionou bem nas produções da Pixar, sobretudo nos dois «Toy Story» (1995 e 1999), não tendo sido tão bem sucedido em «A Bug's Life» (1998), precisamente pelos motivos expostos.

«Chicken Run» funciona e muito bem. A dedicação dos animadores da Aardman compensou, já que no plano técnico não há menções negativas a fazer. Apesar da morosidade e da paciência necessárias a um filme em “stop-motion”, depois de construir bonecos e cenários, o processo resume-se basicamente a mexer os modelos e a fotografá-los frame a frame, mas há aqui um dinamismo que mais facilmente nos prende à história, decorrente da montagem (a sequência inicial é delirante) e da câmara activa. É que mexer o boneco e disparar a câmara pode ser simples, mas quando se adicionam travellings, zooms e movimentos elaborados, as coisas tornam-se mais complexas, apesar da óbvia utilização de computadores para a sincronização. Como estamos num espaço real, tridimensional, por onde a câmara flúi perfeitamente, somos facilmente presos pela magia da animação, talvez de modo mais eficaz do que quando assistimos a animação convencional ou gerada por computador.

A história é simples e directa, como se quer de um filme para todos os públicos, mas sem cair em facilidades ou lições de moral “infantis” (os cineastas não se poupam mesmo em mostrar a “execução” de uma galinha, ainda que de modo não explícito). Por outro lado, a humanização dos galináceos – têm mãos, dentes e até costelas – deve ser suficiente para que não se produzam efeitos nocivos no público infantil, como não querer comer galinha (qual a percentagem de crianças de hoje que sabe como é o bicho, quando comem uma perninha de frango?)

Mr. Tweedy e Ginger
Ginger passando algum tempo na solitária depois de outra
fuga frustrada.
As vozes escolhidas encaixam na perfeição. Mel Gibson é a estrela americana necessária para vender o filme nas terras do Tio Sam, mas o seu trabalho é bastante competente. As restantes vozes são britânicas e relativamente conhecidas. Destacam-se Julia Sawalha e Jane Horrocks, cujos rostos o público nacional conhecerá pelo menos da série “Absolutely Fabulous”, onde interpretaram respectivamente Saffron e Bubbles (a secretária de Edina). A má da fita é Miranda Richardson, que também é conhecida da sua presença na TV nacional, pelo menos desde “Black Adder”, e que vimos mais recentemente em «Sleepy Hollow».

A distribuidora nacional do filme prossegue a política de estufar o mercado com as versões dobradas e, desta vez, mais de 90% das cópias em exibição destinam-se ao público infantil. Duvido sinceramente que tal proporção tenha correspondência com o panorama dos espectadores de cinema nacionais. 90% do público deste filme não será constituído por crianças que não sabem ler e pelos respectivos acompanhantes. Além disso, continua-se a penalizar as audiências afastadas dos grandes centros urbanos: apenas três salas, em Lisboa, Porto e Coimbra exibem a v.o. Todas estas salas são geridas pela Medeia Filmes, o que poderá sugerir que por vontade do distribuidor não se perdia nada se se projectasse apenas a v.p.

Mais uma palavra de apreço à Medeia Filmes por fazer coincidir a reposição de «As Aventuras de Wallace e Gromit/Wallace & Gromit: The Best of Aardman Animation» (1996), uma compilação de curtas metragens daquela produtora, com a estreia de «Chicken Run», ainda que apenas numa única e minúscula sala de Lisboa.

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Foto Copyright © 2000 DreamWorks L.L.C., Aardman Chicken Run Limited and Pathé Image.

Publicado on-line em 14/8/00.