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Ligações Selvagens/Wild Things
Realizado por John McNaughton
EUA, 1998 Cor - 108 min. Anamórfico
Com: Kevin Bacon, Matt Dillon, Neve Campbell, Theresa Russell, Denise Richards, Daphne Rubin-Vega, Robert Wagner, Bill Murray, Carrie Snodgress, Jeff Perry

Sam Lombardo (Dillon) é um professor no liceu de Blue Bay, Flórida. É um respeitado membro da sociedade, educador premiado e o destino dos olhares de muitas das suas alunas. Tudo é posto em causa quanto surge uma acusação de violação. Perante os testemunhos de Kelly Van Ryan (Richards) e Suzy Toller (Campbell), e o poderio económico de Sandra Van Ryan (Russell), mãe da primeira, Lombardo parece estar perdido. Mas o detective Ray Duquette (Bacon) pensa que nada é o que parece, e que nem toda a gente está a dizer a verdade.

John McNaughton celebrizou-se com «Henry, Portrait of a Serial Killer» (1986), vencedor de um Fantasporto, um filme tão perturbante que esteve quatro anos a entrar e sair do MPAA (organismo americano que classifica os filmes) à espera da classificação que lhe permitisse uma distribuição decente, até que por fim se concluiu que nunca a obteria, nem com qualquer espécie de cortes. (A versão inglesa, apesar de ser para maiores de 18, foi infantilmente censurada, e remontada numa sequência de violação para evitar que o espectador… se masturbe.) «Normal Life» (1996) é outro título pelo qual McNaughton é aclamado, para o qual a distribuidora portuguesa disponibilizou uma versão castrada para as networks americanas, cujo grau de censura o torna completamente invisionável (o título vídeo é «O Lado Obscuro da Vida», e a cassete inclui fotos de cenas censuradas no verso). «The Borrower» (1991), uma comédia de horror com um extraterrestre que usa diversas cabeças humanas – apesar do que o título sugere, duvida-se que sejam posteriormente devolvidas –, também merece ser espreitado. Depois de «Mad Dog and Glory» (1993), com De Niro e Uma Thurman, McNaughton volta a trabalhar para um grande estúdio de Hollywood com estas "wild things".

O parágrafo inicial não passa de um mero indicador para situar «Wild Things». O filme parece caminhar em direcção ao Guinness Book no capítulo "maior número de surpresas gratuitas num thriller". Nada é o que parece, e todos podem mentir. Na verdade, até se podem separar as mentiras simples e as mentiras duplas: aqueles que fingem que mentem e os que se limitam a mentir. A partir de certa altura – digamos, do meio do filme – o espectador pode ser levado a desligar-se da intriga, considerando que tudo é artifício e que o que vai acontecer em seguida é apenas aquilo que for mais improvável. E não andará muito longe da realidade, mas «Ligações Selvagens» - a legenda portuguesa não pode ligar com a imagem dos répteis que espreitam nos pântanos, paralela à do cartaz com Richards e Campbell em pose semelhante – requer que o espectador aceite desde o início que está perante uma comédia e não perante um thriller convencional. As "viragens" no rumo dos acontecimentos são de tal forma hiperbolizadas que não é possível levá-las a sério.

Para testar a seriedade que John McNaughton colocou no filme, constate-se a sua decisão de não utilizar uma cena no chuveiro entre dois personagens (que é preferível não nomear para não revelar demasiado). Claro que já toda a gente sabe que nos ingredientes do filme se incluem algumas cenas semi-eróticas envolvendo Denise Richards, Neve Cambpell e Matt Dillon (um ou uns com uma ou outras), e que se dá uma nova leitura ao nome de Kevin Bacon (Kevin's Bacon). As actrizes não são propriamente brilhantes, mas o papel de Richards em «Starship Troopers» (1997) parece constituir currículo apropriado, dado o teor do que lhe é pedido aqui: mais uma jovem, que se não fosse pela linguagem (no texto original apenas), poderia ter saído de uma série de TV como Beverly Hills 90210. Campbell, irritante nos «Scream» de Craven, não melhora muito no seu papel de deliquente juvenil, no outro extremo da escala social. O sucesso desta série deu algum valor de cartaz ao seu nome, mas talvez não faça muito sentido meter-se num filme que exija cenas eróticas com um contrato com uma cláusula de "no-nudity". Claro, pode-se sempre filmar de costas…

Como Kim Newman refere, com mais algumas cenas "marotas", «Wild Things» podia almejar a ser o "thriller erótico" mais requisitado do video clube. Ou talvez apenas uma "referência" no género próxima de «Bound» (1996), que, por acaso, contém um erotismo mais sincero e "natural" (depende do sentido dado à palavra e à opinião de cada um), do que um mero "vamos enrolar-nos todos", como aqui sucede.

Uma vez que só no final do filme é que sabemos quem (e quando) é que estava a mentir, admite-se que certas cenas tenham maior efeito cómico a um segundo visionamento. Sem dúvida que o envolvimento de alguns personagens na intriga se torna algo forçado, mas, próximo do fim, a ideia é mesmo apresentar o improvável como forma de divertimento, de uma forma que o vulgar thriller – baseado em apenas uma ou duas surpresas gratuitas – nunca tentou, por estar muito preocupado em parecer inteligente. «Wild Things» não procura parecer inteligente, antes diz ao espectador "vejam com é fácil e ridículo ser inteligente".

Depois do "fim", intercalando com os créditos principais, explica-se melhor como certas coisas aconteceram. "Não esmagues as provas!"

***1/2
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