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Shanghai Noon
Realizado por Tom Dey
EUA, 2000 Cor – 110 min. Anamórfico.

Com: Jackie Chan, Owen Wilson, Lucy Liu, Brandon Merrill, Roger Yuan, Xander Berkeley, Guang Chu Rong, Walt Goggins, Ya Hi Cui, Eric Chen

Para escapar a um casamento arranjado, a Princesa Pei Pei (Liu) abandona a China, com destino aos EUA, auxiliada pelo professor de Inglês. Na verdade, trata-se de um estratagema de Lo Fong (Yuan) que, não lhe bastando explorar imigrantes chineses, usando-os como mão-de-obra escrava, quer ainda uma grande fortuna em ouro, em troca do resgate de Pei Pei. O Imperador envia os seus três guerreiros mais valorosos, acompanhados de um intérprete, para entregarem o resgate em Carson City, Nevada. Com eles vai também Chon Wang (Chan), sobrinho do intérprete. No oeste selvagem, a comitiva chinesa vai sofrer alguns revezes e Wang vai ter de lutar contra assaltantes de comboios, índios, agentes da lei, além do vilão principal. O guarda imperial conta com o auxílio do pistoleiro Roy O'Bannon (Wilson), cuja única habilidade parecem ser os seus dotes oratórios.

«Shanghai Noon» surge na sequela do êxito de «Hora de Ponta/Rush Hour» (1998), dirigido por Brett Ratner, onde Jackie Chan (conhecido em Hong Kong por Sing Lung), contracenou com Chris Tucker. A fórmula de emparelhar uma estrela asiática com um actor de outra etnia parece incontornável, talvez porque o estúdio americano tenha receio de alhear o núcleo duro do público ao qual o filme se destina. No entanto, Owen Wilson (co-argumentista de «Rushmore») retrata uma personagem divertida, muito para lá do comic relief idiota, que costuma estragar muitas obras com algum potencial ou piorar outras simplesmente desinteressantes. Se a interacção entre as duas personagens não é mais bem sucedida é porque a história é demasiado singela, demasiado confinada ao género “família feliz”; uma aventura, com algumas peripécias, muito humor e poucos momentos mortos. Hey, até se pode ler “Disney” na introdução do filme, ou seja, o gigante não passou a bola para a Miramax, como faz quando se trata de filmes com palavras feias ou alguma violência (e outras coisas impróprias para consumo em família). É um pouco como os vinhos que usam rótulos diferentes conforme saíram melhor ou pior naquele ano.

Os que melhor conhecem a obra de Chan, sabem que não vale a pena esperar grandes complexidades dramáticas dos seus filmes. Não que ele seja incapaz de representar drama: «Long De Xin/Heart of Dragon» (1987), apesar de ser um filme com problemas estruturais, demonstra que o actor tem capacidades que ultrapassam as artes marciais e os malabarismos humorísticos. Se a Golden Harvest não tivesse convencido Chan a recusar o papel em «Ba Wang Bie Ji/Farewell My Concubine» (1993), onde contracenaria com Leslie Cheung Kwok-Wing, talvez hoje o mundo se fizesse uma ideia diferente do actor. Mas a temática homossexual podia danificar a imagem da estrela de filmes de acção.

Os filmes de Jackie Chan costumam apresentar uma componente de risco, que decorre de uma certa vontade de ultrapassar fronteiras, engendrando cenas arriscadas que não tenham sido filmadas anteriormente. Isto levou a que as seguradoras se metessem a milhas e que Chan tivesse de se comprometer a pagar do próprio bolso o tratamento aos ossos partidos dos duplos da sua equipa. Em Hong Kong, porque nos EUA as coisas são necessariamente diferentes, existindo um controle apertado sobre o que os actores – as estrelas – podem fazer.

«Shanghai Noon» contém ainda menos acção do que «Rush Hour», sendo a tónica dominante colocada cada vez mais no humor. Não que haja nenhum mal nisso. Assim, nos créditos finais ao invés de vermos Michelle Yeoh a falhar uma queda e a rebolar pela estrada, enquanto a equipa técnica se aproxima para indagar da gravidade da queda ou o próprio Chan a ser levado de maca, inconsciente, depois de um salto mal concretizado, aqui temos uma série de “bloopers”, onde se incluem alguns que parecem ter sido escritos previamente (influência de «A Bug's Life»?)

«Shanghai Noon» é um pouco melhor do que o filme (americano) anterior de Jackie Chan, talvez porque seja mais descontraído e direccionado para o humor. Em «Rush Hour» a eliminação do mau da fita é o elemento central, a comicidade não é tão valorizada e certas fraquezas tendem a não ser desculpadas. Aqui, a importância dos vilões é muito relativa. Roger Yuan não tem em mãos uma personagem particularmente carismática, talvez porque tenha pouco tempo de ecrã, além de que a “maldade” é repartida com Xander Berkeley, cujos duelos com Owen Wilson possuem uma falta de seriedade notória. Os cineastas aproveitam estes momentos para brincar, de uma só vez, com o filme de polícias e ladrões made in Hong Kong e com alguns elementos clássicos, celebrizados no ocidente por Quentin Tarantino. Assim, não falta aqui um “mexican stand-off” – mas mexicano porquê? – e um sugestivo “milagre”.

Lucy Liu podia ser melhor aproveitada (talvez mais uns pontapés, quem sabe?), mas sempre é melhor vê-la aqui do que em papéis da “prostituta asiática” de serviço. A acção pode ser escassa, mas esperemos pela próxima leva de filmes americanos com acção coordenada por profissionais importados de Hong Kong: «Os Anjos de Charlie» (com Liu, de novo), «Romeo Must Die» (com Jet Li Lian-Jie) e «X-Men». Como não há como o produto “genuíno”, as expectativas maiores estão apontadas para «Crouching Tiger Hidden Dragon» – já um êxito na Ásia (ao ponto de se falarem em sequelas e prequelas), mas ainda por estrear nos EUA – um filme de artes marciais de época, dirigido por Ang Lee e com coreografia de Yuen Woo-Ping.

Típico objecto cinematográfico para se ver sem pensar muito no assunto, «Shanghai Noon» pecará por apresentar um ponto de vista demasiado branqueado: os EUA são a terra da liberdade bla bla bla; a China é um sítio horrível, para onde não há razões para voltar. Outro ponto negativo: a música rock, completamente fora de contexto, a fazer lembrar canções patetas usadas para melhor americanizar as versões dobradas de alguns filmes de Chan, produzidos em Hong Kong.

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Publicado on-line em 31/8/00.