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Uma Vida de Insecto/A Bug's Life
Realizado por John Lasseter e Andrew Stanton
EUA, 1998 Cor - 95 min. Anamórfico

Com as vozes de: Dave Foley, Kevin Spacey, Julia Louis-Dreyfus, Hayden Panettiere, Phylis Diller, Richard Kind, David Hyde Pierce, Joe Ranft, Dennis Leary, Jonhattan Harris (1)

Uma comunidade de formigas de uma pequena ilha é dominada por um bando de gafanhotos que as força a acumular alimentos a troco de "protecção". Flik (Foley) é um dos elementos mais imaginativos do formigueiro, mas as suas ideias não são vistas com bons olhos pelos seus conterrâneos. Depois de ser responsabilizado pelo piorar da relação com os gafanhotos, Flik decide partir em busca de insectos mais fortes que os ajudem a livrar-se do jugo dos opressores. A luz verde é dada pela princesa Atta (Louis-Dreyfus) e pelos restantes membros do conselho, não tanto por considerarem tratar-se de um empreendimento útil, como por assim se poderem ver livres dele. Flik irá encontrar, na cidade - isto é, num monte de lixo -, um grupo de actores de circo a atravessar um mau momento, e a confusão que se segue é inevitável.

A inevitabilidade surge também com a comparação entre «AntZ» e este «A Bug's Life». Porque é que tantos filmes saem de Hollywood tematicamente aos pares, com a agravante de, neste caso, a técnica empregue ser também idêntica (animação por computador na totalidade dos planos)? Na chamada Meca do Cinema, é assim que as coisas funcionam. Se há uma ideia em produção, é porque uma data de executivos deu o aval, considerando que o projecto é economicamente viável e que o mercado está receptivo. E se assim é, vamos nós também fazer um já, poupando dinheiro em análises de mercado. Não interessa divagar sobre quem é que teve a primeira "ideia", até porque o conceito é bastante vago, e, de certa forma, produzem-se filmes iguaizinhos às dezenas, mas com premissas que aparentam ser diferentes (e não só nos arrabaldes de Los Angeles).

«Uma Vida de Insecto» é um filme para crianças, feito um olho no público adulto, enquanto que «Formiga Z» é um filme para adultos, preparado para poder ser visto por crianças (limaram-se umas arestas nos diálogos com essa intenção, por exemplo). O filme mais recente foi também mais bem sucedido comercialmente, possivelmente porque foi desde logo identificado com um público-alvo mais infantil, e se há povo que gosta de levar os miúdos ao cinema, é o Americano (as baby-sitters andam pela hora da morte). Por outro lado, um estudo da revista Americana Wide Gauge demonstra que filmes em "scope" geram, em média, o dobro das receitas dos não projectados anamorficamente (acrescentam: "apesar do público em geral não saber o que é um filme em scope").

Em relação ao formato, que funciona em pleno e proporciona um acrescido deleite visual a cada cena, é de salientar que «A Bug's Life» irá ter cópias vídeo no formato televisivo com a imagem reprocessada (2), ao invés do usual método pan and scan que elimina mais de 40% da imagem de um filme em écran largo (o vídeo e o DVD estão previstos para 20 de Abril nos EUA). Cerca de metade dos planos serão reenquadrados, aproximando personagens nos extremos da imagem e concentrando a acção numa área mais reduzida. Os restantes planos serão cortados convencionalmente. Algo semelhante havia sido feito com «A Dama e o Vagabundo» (1955), produzido, obviamente, em animação convencional, mas por motivos diversos. De qualquer forma, parece que só muito recentemente se usaram esses elementos para o vídeo fullscreen; o anterior estava grosseiramente retalhado, a partir da versão CinemaScope.

Perante «AntZ», «A Bug's Life» é mais divertido, mais bem executado e mais surpreendente no modo como a tecnologia informática é empregue para a criação de um filme de longa metragem de animação. O filme da Dreamworks SKG é mais "profundo" do que este. O texto é mais complexo, os personagens mais bem definidos. Mas perde no resultado final. Como filme familiar, a produção Pixar/Disney pode-se dar ao luxo de ter um argumento simplista, a enésima abordagem ao western com a cidade subjugada por foras-da-lei, cuja salvação recai em pistoleiros atirados para o álcool por qualquer trauma do passado (com uma variante n' «Os Sete Samurais/Shichinin No Samurai», de Kurosawa), que penduraram as armas há uma década, as mãos tremem quando empunham o revólver, etc. A maior proximidade temática é, na verdade, com a comédia de John Landis, «Three Amigos» (1986), onde um trio de artistas de teatro é contratado para livrar uma aldeia da tirania de um terrível bando, por alguém que os toma por verdadeiros pistoleiros.

O problema essencial de «A Bug's Life» é pois a premissa demasiado simplificada e déjà vu. Mas, tendo em conta que o filme é vendido para o público infantil e que os gags individuais tem momentos verdadeiramente brilhantes, é uma obra que não se pode deixar de recomendar. Depois, claro, há a animação. O aprumo técnico é surpreendente desde a primeira imagem. Quando nos julgávamos habituados a tão fascinante experiência visual, percorrendo os olhos pelos cenários onde cada pequeno elemento, num conjunto de centenas, parece ter vida própria, surge algo que nos volta a surpreender, como o momento em que um ameaçador pássaro entra em cena.

Há um nível de leitura que mantém o público adulto interessado, como se disse acima, mas também se pisca o olho aos mais cinéfilos, como nas referências ao pipocanço (ninguém se riu?) e aos "spoilers" (Elizabete França, do DN, não percebeu), mas principalmente na hilariante sequência de "bloopers", inserida já a meio dos créditos finais, depois de mais de metade da sala se ter esvaziado.

Nos EUA, o filme foi projectado depois da premiada curta-metragem da Pixar, «Geri's Game», como aperitivo e é pena que na Europa tal não tenha sucedido. Provavelmente virá nos vídeos e DVDs, contribuindo para a solidificação do mercado deste formato por estas bandas.

***1/2
classificações

Notas:
(1) O elenco acima enumerado não terá efeito para a esmagadora maioria das cópias em exibição. Há muito tempo que não se exibia um filme animado, com potencial público adulto, com tão poucas cópias em versão original disponíveis. Ver a versão original é também a única forma de assistir ao último trabalho de Roddy McDowall (Mr. Soil), falecido em 3 de Outubro do ano passado.

(2) Se o link abaixo ainda estiver funcional no momento em que lê este texto, poderá ver uma ilustração do sistema FlikFX™, que corrige digitalmente o mau enquadramento de filmes, durante a preparação de um vídeo de écran cheio, visualmente mais perfeito que a própria versão vista no cinema. O autor exemplifica o sistema com «Lawrence da Arábia», um célebre exemplo de péssima composição cinematográfica. O sistema será inaugurado no início de Abril de 1999. http://www.simplecom.net/widefilm/flikfx/

Publicado on-line em 21/2/99.