DVD: Uma Nova Dimensão Em Censura

Cortes em «Predador» | Cortes em «The Rock» | Lista de filmes censurados

No Verão de 1998, a Lusomundo anunciava a edição dos primeiros títulos em DVD (Digital Versatile Disc) - Vídeo em Portugal, destacando, como grandes vantagens do novo formato, a variedade de oferta de pistas de linguagem e legendagem (vd. artigo de 17/7/98). Uma questão mais importante, a possibilidade de escolher formatos ou mesmo a primazia dada aos formatos originais, não foi incluída na publicidade, algo considerado pouco interessantes ou talvez complicado, para o "cidadão médio", a quem a campanha era dirigida (o que se vê pela selecção de filmes editados, praticamente limitada a blockbusters, com provas dadas no mercado de exibição comercial e VHS).

O DVD-Vídeo nasceu acorrentado por um acordo totalitarista entre estúdios de Hollywood, distribuidores e fabricantes de leitores e de discos. Este acordo delimitou regiões, procurando impedir que cidadãos de uma zona do planeta pudessem ver os filmes editados noutra zona. As justificações foram, e são, patéticas; por um lado, a intenção seria impedir a redução de lucros da exibição comercial de um filme, entretanto já lançado em DVD noutra parte do mundo. Assim, inicialmente, filmes mais antigos e clássicos não seriam codificados, mas tal acabou por não ser norma e os estúdios decidiram codificar tudo. Por outro lado, fala-se em protecção dos direitos de autor, mas o "autor" (no cinema esse conceito aplica-se à produtora ou ao estúdio) recebe sempre aquilo que lhe compete receber, no território onde o produto é vendido.

As regiões visam obrigar-nos a comprar o produto nas condições que o distribuidor local quiser, ao preço que nós merecemos e com a calendarização considerada adequada, nem que seja anos depois do lançamento noutra região. O sistema de regiões também não se preocupa com a situação de títulos que podem nunca ser editados em qualquer país da região que nos foi impingida, ou podem ser apenas editados em condições que não nos interessam, por exemplo, com cortes de censura.

Uma das vantagens referidas pelo distribuidor nacional, aquando do lançamento dos primeiros discos nacionais, foi a variedade de linguagens à nossa escolha. A vantagem do distribuidor internacional é muito maior que a do consumidor; a este não interessa a dobragem em espanhol ou alemão, senão talvez por curiosidade, mas aquele pode masterizar uma única edição e despejá-la numa infinidade de países europeus, bastando para isso incluir as dobragens e legendagens adequadas.

Uma questão que se me colocou nos primórdios do DVD na Europa, foi a coordenação com os vários sistemas de censura nacionais, maxime do Reino Unido e da Alemanha. No RU, o BBFC tem uma política mais ou menos aleatória de censurar filmes, apesar de ter em conta o "conteúdo artístico" (são uma espécie de censores-críticos). Não cortam apenas violência ou sexo para lá de certos limites, mas tudo o que lhes parece que possa ser imitado por crianças e adultos mais frágeis (reduzidos pelo sistema a crianças), como o uso "glamouroso" de certas armas, como "nunchakas" em filmes de artes marciais, ou o mero manusear de uma "navalha-borboleta", como sucede em «Face/OFF». Na Alemanha, há uma política de cortar filmes classificados para maiores de 18, para uma distribuição vídeo mais abrangente, com uma classificação para maiores de 16. A venda postal, por exemplo, não pode incluir filmes para maiores de 18 anos. Neste país podem existir duas edições paralelas mas, tal como sucede no Reino Unido, um "maiores de 18" não implica que o filme não tenha cortes. Edições comuns poderiam implicar que um filme proveniente de um desses países, ou "classificado" por um dos organismos locais, pudesse chegar a Portugal ou a outro país, onde a censura não se admita no contexto de um sistema político democrático.

A confirmação destes receios começou a surgir em mensagens na Usenet nacional, onde se referiram cortes a filmes como «Mad Max 2», «A Assassina» ou «Arma Mortífera 2». Títulos distribuídos em Portugal pela Lusomundo. E, ao que parece, os cortes de censura provém da Alemanha. Os discos da Warner Bros./Hollywood Pictures/MGM/Touchstone têm códigos na face, constituidos por um "D" e por um número. Os que se distribuem em Portugal serão normalmente D2 e D3.

De acordo com a UK DVD Cuts List (http://website.lineone.net/~b.wesc/Distribution.htm), os códigos "D" são assim aplicados:

D1 - Destinado ao Reino Unido, normalmente inclui apenas pista de som em inglês e legendagem em inglês e árabe.

D2 - Para distribuição na Alemanha e em países escandinavos, mas, pelos vistos, também para Portugal e Espanha. As pistas de som são normalmente inglês, alemão e espanhol, com legendagem para todas ou quase todas as línguas europeias.

D3 - Para distribuição em França, Itália e outros territórios. Normalmente incluem pistas de som em inglês, francês e italiano e legendagem em flamengo/holandês, espanhol e português, entre outras. Os D3 são tidos como os mais seguros, no que toca a ausência de censura.

D4 - Combinação D1 - D3. Será lançado um D4 sempre que o BBFC não se lembrar de pedir cortes a determinado filme, permitindo que o Reino Unido veja a mesma versão editada no resto da Europa. O site refere «The Rock/O Rochedo» como uma excepção, inferindo que os cortes britânicos foram partilhados com outras regiões da Europa. Neste caso, Portugal ficou com os cortes dos censores alemães, já que a Lusomundo distribuiu o D2 por cá. (Tanta escolha!)

D5 - Código mais recente. Aparenta ser uma combinação de todas as zonas.

Na Finlândia, onde também circulam os tais D2 da Warner, esta questão começou a aborrecer os consumidores e o distribuidor local acabou por anunciar novas edições, especificamente destinadas ao mercado nacional. A lista dos filmes censurados naquele território confirma tratarem-se das que são referidas como censuradas em Portugal. Essa lista pode ser consultada no site da revista Dark Fantasy, em http://www.darkfantasy.mork.net/sensuuri/dvd.shtml. A página está em finlandês mas a lista fala por si. Aí incluem-se «Arma Mortífera 2» (censurado em 1 min 23 seg), «A Assassina» (censurado em 2 min 29 seg) e «Mad Max 2 - O Guerreiro da Estrada» (censurado em 4 min 40 seg). Ver lista completa de filmes censurados no final deste texto.

De acordo com Antti Vanhala, da Dark Fantasy, a situação finlandesa tem estado a mudar lentamente. Há novas edições destinadas apenas ao mercado escandinávio, que se distinguem facilmente das outras: as capas são diferentes, contêm apenas uma pista de som com a linguagem original e disponibilizam legendas em finlandês, sueco, norueguês e dinamarquês. DVD «Assassina»

Antes de verificar os cortes n' «O Rochedo» (vd. texto), tentei comparar o DVD de «A Assassina» («Point of no Return/The Assassin») com a edição vídeo, mas, dada a política dos clubes de vídeo de "reciclar" títulos menos recentes por questões de espaço, não o consegui encontrar nas lojas mais próximas. O DVD, no entanto, denota censura grosseira: por exemplo, aos 06:26 de filme há um corte óbvio na pista sonora. Ouve-se o fim de um grito e vê-se Bridget Fonda a ser levada por guardas. Na cena anterior, ela estava a escrever, em frente a um guarda, e foi-me dito que originalmente lhe espeta um lápis na mão. O DVD tem 101 minutos e 18 segundos e os registos do BBFC (que o aprovou sem cortes) indicam um tempo original (vídeo PAL) de 103 minutos e 47 segundos, o que se encaixa perfeitamente com os 2 min 29 seg de cortes referidos na página finlandesa, acima citada. Pode-se ler na IMDb, sobre a edição alemã deste filme, que todas as cenas em que Victor mata alguém a tiro foram cortadas. Algumas cenas de luta com Maggie foram encurtadas.

O que pode o consumidor português fazer para se proteger desta censura?

No mínimo, evitar discos destes distribuidores, com pista sonora em alemão. Será também sensato, pelo menos, desconfiar daqueles que tenham um certificado do BBFC (censor britânico), apesar de inúmeros filmes serem classificados no Reino Unido sem cortes (mas exemplos recentes incluem «The Matrix», «Fight Club» e até «Mulan», da Disney). A segurança seria maior se se evitasse comprar discos da Lusomundo, tout court. Afinal o distribuidor já havia metido o pé na argola, no mercado de VHS (vd. «Crash» ou «A Normal Life»).

Se comprou um filme censurado, reclame e devolva-o. Se tem de depender de edições nacionais, antes de comprar deve tentar informar-se e nunca dar como garantido que o filme adquirido corresponde à versão integral. Como não há informação detalhada em relação às edições portuguesas, e os distribuidores locais têm políticas de braços abertos aos pacotes de filmes que lhes enviam, é sempre arriscado comprar o que quer que seja nas nossas lojas.

O Reino Unido censura, mas a informação abunda; em princípio, uma visita ao site oficial dos censores (www.bbfc.co.uk) e à página do "vigia", The Melonfarmers Video Hits (www.melonfarmers.co.uk), deve garantir que um filme não está manchado pelas mãos da censura. Coloque também em bookmark a página que lista todos os DVDs censurados no RU: http://website.lineone.net/~b.wesc/ ou http://www.ukdvdcuts.co.uk/

Um leitor de DVD multiregião é essencial; pode-se escolher sempre a melhor edição. Nos EUA, onde o problema é mais de classificação do que de censura, um filme pode ser cortado para exibição cinematográfica, mas isso não invalida que tenha duas edições em vídeo/DVD, em que uma delas não tem classificação ("unrated" ou "NR/not rated") ou recebe o selo para adultos (NC-17). O distribuidor pode lançar o que quiser em vídeo - onde não existem os constrangimentos económicos da exibição em sala -, ao contrário do que sucede no Reino Unido, onde filmes para maiores de 18 anos com cortes não são raros.

É de questionar qual o papel do organismo do Estado que coloca aqueles selos redundantes e pegajosos nos discos e cassetes vendidos no nosso país, atribuindo uma classificação a um filme que pode estar num estado muito diferente daquele em que foi visionado para classificação para exibição em sala. É de questionar qual o papel do Estado que, regido por uma Constituição que condena a censura, aumenta os seus cofres, impondo mais de 20% em impostos à importação de filmes vindos de fora da União Europeia, quando essa compra pode ser a única forma de ter acesso ao filme na sua forma original, livre de censura.

As regiões no DVD e a política alfandegária contribuem para a disseminação de censura.


De acordo com o Mundolaser, a Warner Bros. anunciou que não enviaria mais filmes cortados para distribuição no mercado espanhol a partir de Outubro de 1999.

Em Maio de 2001, de acordo com DVDPortugal, a Lusomundo está finalmente a assumir e a corrigir o erro, anunciando versões integrais - parece que lhes chamaram "não editadas", o que em português pode ser um pouco confuso - de «A Fúria do Último Escoteiro» e «Passageiro 57».

Isto poderá significar um futuro mais cor de rosa para as edições nacionais. Quem sabe, um dia [música dramático-épica] o cinéfilo português faça questão de esperar alguns meses pela superior edição nacional...


Na edição de 23 de Agosto de 2001, o semanário «Expresso» publicou um artigo sobre censura em DVD, o qual pode ser acedido através do seguinte link. Veja também este outro artigo. (Não é garantido que funcione eternamente, pelo que em caso do link estar quebrado se recomenda uma busca no site usando termos como "censura", "dvd", etc.).

Decorre destes textos, que a Lusomundo está preocupada com a substituição dos títulos "editados" (um ridículo eufemismo, porque editados são todos, desde que chegam ao mercado, não é verdade?) pelas versões integrais, enquanto a LNK se mostra bem mais descontraida, afirmando, através de Ricardo Fonseca, que "pela Europa fora, [a edição de versões censuradas importadas] é uma situaçãocomum. Os portugueses é que se preocupam mais". A Atalanta afirma estar consciente do problema e fazer questão de usar versões integrais (pena não terem o mesmo interesse em evitar cópias dobradas em inglês, como no caso de «Crime em Hong Kong/A Better Tomorrow»...)

A LNK já havia demonstrado pleno desinteresse do que pensam os consumidores que não se enquadrem no perfil "descontraído comprador de supermercado" (Cfr. texto sobre a censura no disco de «Predador»), e tudo indica que não mudará de atitude enquanto não receber um castigo sério por parte dos consumidores.

01/09/01


Contributos e agradecimentos:
Vesa Jalkanen, pelas informações referentes à situação finlandesa
Luis Lameiras (DVD Pt), por chamar a atenção para o facto da distribuição não ser somente da Warner Bros.
Vera Carvalho, pela indicação das páginas espanholas
Antti Vanhala (Dark Fantasy), por esclarecimentos adicionais sobre o mercado finlandês e distribuição na Europa.

06/05/00
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