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A Mulher que Viveu Duas Vezes/Vertigo
Realizado por Alfred Hitchcock
EUA, 1958 Cor - 128 min.

Com James Stewart, Kim Novak, Barbara Bel Geddes, Tom Helmore, Henry Jones, Raymond Bailey, Ellen Corby, Konstantin Shayne, Lee Patrick

Após um acidente durante uma perseguição, que resulta na morte de um agente da polícia, o detective John Ferguson (Stewart) ganha um forte medo das alturas que o impossibilita de continuar a exercer as suas funções. No final da sua recuperação física, mas possivelmente longe da recuperação emocional, Ferguson é contactado por um amigo que não via há vários anos, Gavin Elster (Helmore), para seguir a sua esposa Madeleine (Novak), assolada por tendências suicidas e com fixação numa mulher que viveu no século passado. Adaptado de "D'Entre les Morts", escrito a pensar em Hitchcock por Pierre Boileau e Thomas Narcejac, autores de "Diabolic", que o realizador lamentou não ter podido adaptar.

Convém ser o mais vago possível na elaboração de uma sinopse de «Vertigo», num capítulo onde já o título português se pode considerar algo inconveniente. Exige-se que não se antecipem as revelações plantadas de acordo com a estrutura concebida por Hitchcock, numa das marcantes inovações apresentadas nesta obra, onde decide revelar à audiência toda a trama antes do personagem central, torturando-o até ao fim do filme, sob o nosso olhar de cumplicidade. Estreado em 1958 e não exibido, por questões legais, durante trinta anos, esta obra-prima voltou às salas em 1996 numa magnífica cópia restaurada.

O personagem de James Stewart é vítima do seu fascínio por uma mulher assombrada por um fantasma, e que pode ela mesma ser um fantasma. O seu amor cedo se transforma em obsessão, devido à acumulação de acontecimentos traumatizantes pelos quais não consegue deixar de sentir culpa, e que conduzem à procura desesperada por essa mulher que, à força, quer fabricar a partir de Judy Barton (Novak, novamente), numa divina sequência do mais simbólico erotismo, e que Hitchcock definiu como "striptease invertido", pois Ferguson aproxima-se da consumação dos seus desejos à medida que a veste e maquilha.

Sem dúvida mais próximo do "filme de fantasmas", iludindo com a inicial premissa de outro género cinematográfico, «Vertigo» brilha desde a fabulosa sequência do título de Saul Bass (falecido no ano do relançamento) sobre a penetrante música de Bernard Hermann, até ao último fotograma projectado. A sequência do sonho ou o plano com a câmara movendo-se 360º em redor do casal - fundindo dois cenários - e a arrojada utilização da cor, são elementos que dão uma força vital à atmosfera semi-surreal do filme.

À estrutura inovadora para a época, junta-se a concepção da técnica que nos permite partilhar a sensação de vertigem com 'Scottie', hoje vulgarmente usada - por vezes de forma gratuita e dispensável - em inúmeros filmes. O efeito do prolongamento vertiginoso do campo de visão obtém-se fazendo "zoom in" ou "out", contrariando essa direcção com o movimento da câmara. Para o movimento de "dolly out, zoom in" nas escadarias da missão, Hitchcock optou por utilizar uma maquette, uma vez que seria demasiado caro construir toda uma estrutura onde a câmara se pudesse movimentar.

Uma excelente oportunidade de rever um filme importantíssimo, verdadeiro marco cinematográfico, ou para o ver pela primeira vez numa cópia que lhe faz justiça.

*****
classificações

A restauração

Os Universal Studios gastaram à volta de um milhão de dólares no trabalho mágico de restauro de Robert A. Harris e James C. Katz (produtor), o que é uma verdadeira pechincha, tendo em conta o orçamento de alguns filmes que hoje se fazem e que cairão no esquecimento. Imagine-se se, por exemplo, «Titanic» fosse feito com insignificantes 100 milhões, e com o restante se restaurassem 100 grandes filmes, que a cada dia que passa vão apodrecendo. As estatísticas estarão a ser lentamente contrariadas, mas calcula-se que metade de todos os filmes jamais produzidos estejam irremediavelmente perdidos.

Para restaurar o filme efectuou-se um profundo trabalho de pesquisa que incluiu encontrar o guarda-roupa original permitindo chegar-se à sua cor real, e utilizaram-se os detalhados apontamentos do próprio Hitckcock em relação à utilização do som. A cor tem uma importância vital e o trabalho de pesquisa para apurar os tons originais teve de ser extremamente cuidado. A maioria do trabalho de foley teve de ser refeito, bem como a generalidade dos efeitos sonoros. Fotograma a fotograma, reconstrui-se o filme o mais fielmente possível à visão original de Alfred Hitchcock, transferindo os elementos em VistaVision e Technicolor para negativo de 65mm e som digital DTS. O VistaVision é um processo concebido para obter um formato "widescreen" variável, sem o recurso a lentes anamórficas, criando um negativo horizontal (neste caso no formato 1.85:1), a ser transferido para filme convencional necessariamente em "hard matte", o que ajuda muito que a projecção seja rigorosa.

A cópia nacional não é de 70mm, nem o som é digital, mas o Nimas permitiu ver o filme em excelentes condições. A partir de dia 1 de Maio poder-se-á rever «Psycho» e «North by Northwest» em cópias novas, mas, no que diz respeito a Lisboa, numa sala muito pior (Cine ACS).

antes depois
Madeleine na Baía de São Francisco: exemplo do trabalho de Harris-Katz. Antes, à esquerda e depois, à direita.