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Através da Noite/Sweet and Lowdown
Realizado por Woody Allen EUA, 1999 Cor – 95 min. Com: Anthony LaPaglia, Brian Markinson, Gretchen Mol, Samantha Morton, Sean Penn, Uma Thurman, James Urbaniak, John Waters
No início dos anos 30, acompanhamos a carreira do guitarrista americano Emmet Ray (Penn), intercalada com comentários de diversos especialistas e músicos de jazz. Apesar de ser um personagem de ficção, Ray venera um artista real, Django Reinhardt, cuja existência o relega para a categoria de segundo melhor guitarrista do mundo. A aparente impossibilidade de ser superior ao seu ídolo atormenta-o a cada dia que passa. Caracterizado por uma série de defeitos morais, o músico recusa-se também a ficar preso a qualquer relação, defendendo-se com a liberdade necessária à sua arte. Enquanto enfrenta dificuldades em gerir os seus ganhos, o que decorre em parte do seu mau feitio e do incumprimento dos contratos, conhece Hattie (Morton), uma jovem muda que trabalha numa lavandaria.
Woody Allen assina mais um filme sem a sua persona a encabeçar o elenco, não se coibindo, no entanto, de se usar enquanto especialista em jazz e conhecedor da vida e obra de Emmet Ray. Se a obra anterior, «Celebrity» (1998), recorria a um Kenneth Branagh que se portava como um substituto de Allen – o que fazia com um certo à-vontade – Sean Penn dá aqui corpo a uma criatura inteiramente diferente e com vida própria. Estreando um filme novo todos os anos, Allen tem conseguido fugir à repetição, gerindo com grande eficácia as mudanças de registo e as variações de obra para obra. Ou não fosse ele um grande apreciador de jazz e músico nos tempos livres.
Depois de «Deconstructing Harry» (1997), «Celebridades» revelou-se algo decepcionante e em parte esquecível. Judy Davis estava aí excelente e se o filme se centrasse mais na sua personagem e menos em Kenneth Branagh, os resultados talvez pudessem ter sido mais interessantes. Com «Sweet and Lowdown», Allen merece a utilização da velha expressão “regresso à forma”, se bem que me pareça ser possível prever que tal virá a ser aplicado com mais insistência ao filme seguinte, «Small Time Crooks» (2000). A estreia deste filme é algo tardia – não só já estreou o anteriormente referido nos EUA, como se iniciou a produção do que estreará no ano que vem –, o que pode também ser consequência da mudança de distribuidores, nos EUA e por cá.
A figura de Emmet Ray reconduz-nos também ao debate da apreciação da obra, desligada da personalidade ou dos feitos do seu autor, tal como é introduzido no texto de apresentação, que antecede os créditos iniciais. Claro que aqui nunca se levantariam grandes problemas, suscitados perante a apreciação da obra de um cineasta que filmou propaganda nazista ou se será adequado manter o nome de um realizador que assinou obras de índole racista num prémio importante (por outro lado, dão-se prémios de carreira a outros que não foram propriamente santos), porquanto os pecados da figura central são menores e simpatizamos facilmente com ele.
«Sweet and Lowdown» questiona também a arte num contexto de realização afectiva do respectivo criador. Várias pessoas sugerem a Ray que será sempre segundo perante Django Reinhardt, porque insiste em reprimir os seus sentimentos. Ray pensa exactamente ao contrário: a “prisão” do amor só pode destruir a sua arte. Este tema é desenvolvido de forma interessante em «Nuovo Cinema Paradiso» (1988) (na versão longa; a montagem mais curta dilui estes elementos, procurando destilar a história do Miúdo, do Velho e do Cinema), de Giuseppe Tornatore, onde a conclusão parece ser diversa, apesar do elemento catalisador ser idêntico em ambos os filmes.
Dado que «Small Time Crooks» está a ser distribuído nos EUA pela DreamWorks SKG, tem um orçamento superior ao habitual nos filmes de Allen e uma vez que o próprio tem participado na campanha de divulgação, esperemos que a estreia nacional não seja tardia, nem fique à espera que a distribuidora italiana possa dispensar algumas cópias.
Publicado on-line em 25/9/00.
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