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State and Main
Realizado por David Mamet
EUA/França, 2000 Cor – 105 min.

Com: Alec Baldwin, Charles Durning, Clark Gregg, Philip Seymour Hoffman, Patti LuPone, William H. Macy, Sarah Jessica Parker, David Paymer, Rebecca Pidgeon, Julia Stiles

Uma equipa de filmagens chega à pequena cidade de Waterford, Vermont, com vista a utilizá-la para a rodagem do filme de época «The Old Mill». O realizador Walt Price (Macy) e o produtor Marty Rossen (Paymer) fazem o possível para contornar quaisquer impeditivos do início da rodagem. A actriz principal, Claire Wellesley (Parker), recusa-se filmar uma cena em topless, surge o problema de como colocar o “product placement” a uma dot.com numa história passada no Séc. XIX e há que abafar as consequências do “hobby” do “galã” Bob Barrenger (Baldwin): raparigas de 14 anos. Entretanto, o argumentista Joseph Turner White (Hoffman) luta contra o sistema e com os seus princípios, ao ter de optar entre compromissos artísticos e morais ou o fim da sua carreira. White recebe inspiração da dona da livraria local e encenadora de um pequeno grupo de teatro, Ann Black (Pidgeon), noiva de um político de província com aspirações grandiosas, Doug McKenzie (Gregg, que para lá do seu trabalho de actor, escreveu o argumento do recente «What Lies Beneath»).

David Mamet poderá ser conhecido pelos seus textos complexos e intrincados, com personagens que debitam a 100 à hora diálogos repletos de obscenidades, mas o seu trabalho é relativamente diversificado, entre as contribuições para o cinema enquanto argumentista («Wag the Dog», «The Edge», retoques em «Ronin», entre outros) ou as numerosas peças de teatro que assinou. Enquanto realizador, celebrizou-se por histórias de elaborados contos do vigário, como «Jogo Fatal/House of Games» (1987), o seu primeiro filme, ou «O Prisioneiro Espanhol» (1997), estreado em Portugal no final de 99. Este «State and Main» surge em registo diferente dos filmes anteriormente citados, o que já sucedia com o anterior «The Winslow Boy» (1999), não estreado entre nós. Estamos longe da linguagem metralhada de «Glengarry Glen Ross» (1992), não invalidando que o moderado polvilhar de palavreado menos “próprio” seja censurado totalmente pelo tradutor.

Há aqui pontos de contacto com «O Jogador» de Robert Altman, mas qualquer filme que aborde os bastidores e o “submundo” de Hollywood, poderá remeter-nos para lá. «State and Main» é um filme substancialmente diferente. Por um lado, é uma comédia sem pretensões épicas, por outro, ao mesmo tempo que vive à conta de muitos dos tiques de estrelas e de cineastas, e da exposição de métodos menos limpos eventualmente usados no meio, usa como fonte de humor tanto a equipa, como os habitantes da cidadezinha – tanto nos rimos “deles” como “com eles” –, fugindo do registo quase “Toda a Verdade” (eco eco) do filme de Altman.

É também inevitável registar laivos autobiográficos no personagem de Philip Seymor Hoffman – um jovem dramaturgo premiado, a iniciar a escrita de argumentos para o cinema. Não é difícil imaginar algumas das atribulações de um escritor como Mamet que, por exemplo, não quer ser creditado por trabalhos onde se limita a rever o guião ou a “temperar” os diálogos (como sucedeu em «Ronin», onde adoptou o pseudónimo Richard Weisz). Acresce o facto do realizador residir no estado de Vermont e de ser casado com Rebecca Pidgeon, cuja personagem constitui, afinal, o “interesse romântico”. Mamet é um escritor extremamente dotado e tal pode-se aferir mais facilmente pelos filmes que dirige, dada a intervenção mínima de terceiros. «State and Main» é um óptimo exemplo disso.

Como é apanágio do autor, dá-se uma grande importância ao pormenor e ao encadeamento de acções insignificantes na aparência, que se demonstrarão essenciais para o desenrolar dos acontecimentos. Há uma grande variedade de personagens secundários (créditos por ordem alfabética, como nos filmes de Woody Allen, costumam ser um sinal disto), e quase todos contribuem com pequenos actos, banais à primeira vista, mas necessários para o desenvolvimento da história, como se de pequenas peças de puzzle se tratassem.

O resultado final é um filme genuinamente engraçado, sem concessões e sem pretensões, tão bem escrito e estruturado que a manutenção do sorriso nos lábios dos espectadores não precisa de recorrer aos habituais cortes lógicos, que nos dizem “pronto, fiquem felizes, isto é só um filme, e agora vão para casa.” «State and Main» é um filme pequeno, sem explosões e efeitos especiais aparatosos, sem “estrelas” de primeira linha, em relação à cotação de Hollywood, mas com um elenco brilhante (Macy, Hoffman, Pidgeon e Paymer, sobretudo), que conseguirá tirar o gosto amargo da boca de qualquer cinéfilo, depois da deglutição de uma série de obras comprometidas por um orçamento que as força a ter um pouco de tudo, para agradar a toda a gente. Quantos filmes deste se fariam com metade do orçamento de «M:I 2»?

****
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Publicado on-line em 20/02/01.