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M:I 2 ou Missão Impossível 2/Mission: Impossible II
Realizado por John Woo [Ng Yu-Sam]
EUA/Alemanha, 2000 Cor, 123 min. Anamórfico.

Com: Tom Cruise, Dougray Scott, Thandie Newton, Ving Rhames, Richard Roxburgh, John Polson, Brendan Gleeson, Rade Serbedzija, William Mapother, Dominic Purcell

Sean Ambrose (Scott), agente renegado da Impossible Missions Force está determinado em roubar um poderoso vírus chamado Quimera, criado pelo cientista Dr. Nekhorvich (Serbedzija). Quem for contaminado morrerá no espaço de 20 horas, excepto se inoculado com o antídoto, Belerofonte. Ethan Hunt (Cruise) é forçado a interromper as férias e é-lhe dada a missão de deter o ex-colega, recrutando uma ex-namorada daquele, a habilidosa ladra Nyah Nordorff-Hall (Newton), para conseguir informações no interior do grupo de criminosos. Para conseguir uma vasta soma de dinheiro, Ambrose não hesitará em libertar o vírus no centro de Sidney.

Muito esperado por fãs da série original, do filme de Brian De Palma e do trabalho de John Woo, «M:I 2» não agradará a gregos e a troianos. Já o filme de De Palma fugia à estrutura da série televisiva, cedo colocando a estrela Cruise a trabalhar por conta própria, envolto numa série de improbabilidades que melhor teriam resultado numa comédia, sobrando algum virtuosismo fruto do talento visual do realizador. Não se esperava da sequela que reduzisse o tempo de ecrã a Tom Cruise, mas a presença de Woo por detrás das câmaras suscitou curiosidade a alguns e criou grandes expectativas em outros.

Meses antes da estreia nos EUA, circulavam especulações sobre imposições do estúdio e até de Cruise, no tom do filme e na montagem final, mas o próprio Woo veio a público desvalorizar os comentários. Seja como for, é notório que a classificação “não aconselhável a menores de 13 anos” nos EUA teve grande peso no aspecto final do filme e terá obrigado a diversos cortes na violência, nomeadamente no que se refere ao impacto de balas e ao jorrar de sangue. Numa cena em particular, quase no fim, sente-se mesmo a tesoura a passar, quando um corpo projectado é visto a meio do movimento, faltando ali o toque da bala, isto é, a causa desse movimento. O sangue poderá surgir num lábio previamente esmurrado, mas não é consequência visível de corpos baleados.

Não se tenta fazer o elogio da violência, mas quem conhece as melhores obras de Woo, made in Hong Kong, ou mesmo o anterior «Face/Off», sabe que do que o realizador é capaz quando deixado trabalhar livremente, explorando os seus temas, mesmo sobre argumentos de outros. Ora o “estilo Woo” está patente em alguns momentos de «M:I 2», talvez em 35% do filme. Este é fundamentalmente um filme de Tom Cruise com uns toques de John Woo.

Talvez seja de salientar o humor que Woo parece querer forçar na narrativa, em particular subvertendo um dos seus símbolos mais conhecidos, introduzindo aqui uma pomba-delatora, ou no exagero de cenas de acção que podem culminar, de modo quase surreal, com dois oponentes a saltarem de motos a alta velocidade para baterem com as peitaças uma na outra, num exibicionismo másculo tão divertido como ridículo.

No que diz respeito à acção, isolada do resto do filme, não há dúvida que existem momentos em que se tenta inovar, mostrando algo que não estávamos à espera de ver, ou pelo menos não do modo como é apresentado. As situações de perigo em que se colocam os actores, apresentam-se muito convincentes, com planos contínuos em que a câmara se afasta de alguém pendurado num precipício. Esta recusa de cortar o fluxo de sequências perigosas é apanágio do cinema de acção de Hong Kong, onde é frequente vermos alguém a cair de um primeiro andar, bater com as costas no corrimão e depois rebolar pelo resto das escadas até ao rés-do-chão, tudo num único plano, transmitindo eficazmente uma sensação de dor ao espectador. Aqui é óbvio que se usa mais o dinheiro e as imagens geradas por computador, da mais complexa mistura de imagem real com cenários ou elementos digitais, à simples remoção dos cabos que prendem os actores, do que a loucura, o risco e a imaginação do cinema da ex-colónia britânica.

O “corte” parece ser aquilo que mais se nota em «M:I 2». Desde logo, os trejeitos faciais de Cruise parecem criar propositadamente falhas de continuidade. As melhores cenas de acção sabem a pouco. Agarram-nos, parecem preparar um desenvolvimento e, de repente, acabam. Como se alguém estivesse a pesar cada acrobacia, tiroteio ou a cronometrar os momentos de tensão. Por outro lado, com base na máxima de que blockbusters de 90 minutos já não se usam, o filme arrasta-se, podendo provavelmente prescindir de uns 45 minutos onde não acontece nada de interesse. Com liberdade total de Woo para fazer aquilo que sabe e com uma história menos desinteressante, artificial e jamesbondiana, este filme podia ser algo mais do que “um filme de acção com momentos”. Acaba por ser moderadamente divertido e entretém. E pronto.

Há um debate curioso que se pode lançar, com filmes como este, feitos nos EUA, por realizadores de Hong Kong. Quem é que nunca encontrou pessoas que dizem que não ligam a “animé” ou que o cinema de HK tem pouco interesse, mas depois reverenciam «M:I 2» ou «The Matrix», pela sua profunda originalidade? Talvez seja de novo a questão da “tradução” ou será que o público só aprecia produtos formatados de uma maneira específica?

*1/21/2
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Publicado on-line em 30/7/00.