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Romeu Deve Morrer/Romeo Must Die
Realizado por Andrzej Bartkowiak
EUA, 2000 Cor – 115 min. Anamórfico.

Com: Jet Li, Aaliyah, Isaiah Washington, Russell Wong, DMX, Delroy Lindo, D.B. Woodside, Henry O, Edoardo Ballerini, Jonkit Lee

Dois grupos rivais lutam pela posse de terrenos portuários, destinados a serem vendidos para a construção de um gigantesco estádio de futebol. Um dos gangs é de uma família negra, sob a liderança de Isaak O'Day (Lindo), enquanto o outro é chefiado por Ch'u Sing (O), de origem chinesa. O assassinato do filho de Sing vai reactivar o conflito e provocar a vinda de Han (Li), irmão da vítima, aos EUA. Este precisa primeiro de se evadir da prisão, em Hong Kong. (Apesar de parecer claro que a família de Han é originária desse território, o dialecto usado entre eles é o mandarim.) Por coincidência, Han vai conhecer Trish (a cantora pop Aaliyah), sem saber tratar-se da filha do rival. Juntos tentam pôr cobro à guerra, que continua a provocar baixas em ambos os lados.

Jet Li Lian-Jie tornou-se, na década de 90, um dos actores mais solicitados pela indústria de cinema de Hong Kong, em particular depois do sucesso de «Wong Fei-Hung/Once Upon a Time in China» (1991), de Tsui Hark, um filme que viria a revitalizar todo um género, pegando na figura mítica do “Sifú” Wong, cujas aventuras contavam já com uma série “oficial” com 99 capítulos. Assim, além de participar em três sequelas desse filme, Li surge em diversas outras obras de artes marciais passadas na China Antiga, como «Swordsman II» (1992), «Fong Sai Yuk» (1993) ou «Tai Chi Master» (1993).

Numa altura em que o talento de Hong Kong estava em alta na bolsa dos EUA, seria inevitável que uma estrela como Li fosse importada e integrada em Hollywood. O actor constitui um dos poucos pontos de interesse (ou curiosidade) no intragável «Lethal Weapon 4», creditado no final de uma panóplia de actores principais. Ainda assim, é certo que uma fatia considerável da audiência se deslocou às salas para assistir à sua estreia americana. É certo que não foi grande estreia, mas, nessa altura, devia ser difícil arranjar algum papel de peso, percebendo muito pouco ou nada de inglês.

«Romeo Must Die» é O veículo para Li Lian-Jie e nada mais. Concebido para vender o seu nome e para procurar colocá-lo numa boa posição no ranking das “action stars”, esta primeira obra de Andrzej Bartkowiak, que anteriormente se dedicava à direcção de fotografia, é um objecto cinematográfico consistentemente oco. Não existem grandes surpresas e em momento algum se sugere que alguma pinta de originalidade possa vir a surpreender o espectador. Lidando com minorias étnicas, há o habitual cuidado em ser-se PC q.b., distribuindo, de forma mais ou menos equitativa, bons e maus entre os negros e os chineses. Por outro lado, evita-se entrar em territórios demasiado “sensíveis”, não dando muito relevo ao romance ou a aproximações físicas entre Aaliyah e Li.

Apesar da referência óbvia para a obra de Shakespeare, os cineastas não se dão ao trabalho de desenvolver a relação amorosa. A aceitação ou não da relação pelas famílias não é aflorada. Não interessa e não há tempo. Ao invés disso, investe-se tudo em confrontos entre os gangs e nas proezas físicas de Jet Li. O argumento está ao serviço de cenas de acção pré-concebidas e não é apenas convencional; é desnecessariamente forçado, banal e frequentemente pouco credível. As personagens têm comportamentos que não se conseguem sustentar dramaticamente. O humor adolescente e “cool” serve apenas para piorar. A banda sonora 90% hip-hop é atroz (claro que há quem aprecie), abrindo logo com uma canção com uma letra tipo “fuck fuck fuck”, prosseguindo pouco depois com qualquer coisa como “the dog eats the bitch”. As canções pop da protagonista são um pouco menos indigestas, mas a BSO intromete-se em muitos momentos, sugerindo que não se pode descuidar a venda de CDs.

Um bom filme de acção pode fazer-se com uma história simples, sem necessidade de cair no disparate. Aqui existem demasiados elementos, que coexistem atabalhoadamente, e não há um verdadeiro fio condutor. Podia-se dizer que sobram algumas boas cenas de acção, mas há um conflito entre a coreografia de Hong Kong e o estilo americano de filmar. Yuen Kwai, responsável pela direcção de artes marciais de «Fong Sai Yuk», «Saviour of the Soul» (1991) e, já nos EUA, de «X-Men» (2000) (a estrear entre nós uma semana depois de «Romeo Must Die»), controla os movimentos, mas não o local onde se coloca a câmara, o enquadramento ou a montagem. A câmara está demasiado próxima dos actores e a montagem é demasiado rápida para que se possa ver o que se passa. Há cenas que parecem conter planos de fracções de segundo com imagens desfocadas. Por outro lado, o “wire-fu” não é tão contido quanto seria desejado, e o tratamento digital destinado a remover os fios realça a artificialidade desses momentos em que se desafia a gravidade.

O aspecto visual é “hip” e inconsequente. A câmara treme e inclina-se muito. Existem alguns planos onde se apresentam “raios X” das personagens que são trespassadas por objectos pontiagudos ou apenas ficam com alguns ossos partidos, que destoam do resto (veja-se, por oposição, como se integram efeitos semelhantes em «Three Kings» ou em «The Virgin Suicides», ambos de 1999). No duelo final ocorre a pior destas situações. Não só destoa, como é esteticamente feio, para além de que no plano precedente os dois actores parecem bonecos digitais.

O próprio Li mostrou-se sensível às criticas daqueles que têm seguido a sua carreira, no que toca à qualidade das artes marciais, justificando-se com a lógica do mercado: depois de provar que o seu nome vale dinheiro em Hollywood, poderá ganhar controle sobre o produto. «Romeo» é um filme rentável, por isso resta-nos esperar por um melhor aproveitamento do actor. De preferência sem ser um secundário destinado a ser sovado por Keanu Reeves...

As consequências da popularidade e do valor de mercado de Li já se começaram a fazer sentir, com a saída em catadupa de edições vídeo com os seus trabalhos de Hong Kong. De um modo geral, os filmes são dobrados em inglês, e alguns serão inclusive remontados (censura incluída, grátis). Como bónus, tem-se optado por criar inclusive denominações novas, diferentes dos títulos ingleses pelos quais esses filmes eram já conhecidos. «The Defender» é «Bodyguard From Beijing», «Jet Li's The Enforcer» substitui «My Father is a Hero» e «The Legend» soa melhor que «Fong Sai Yuk». Por outro lado, pode ser que ninguém se aperceba que esse título, que se vende por $20 e tal dólares, já com 30% de desconto, é o mesmo, que se pode obter (em versão original) a partir de Hong Kong por $9.

*1/2
classificações

Publicado on-line em 25/9/00.