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Happiness
Realizado por Todd Solondz
EUA, 1998 Cor - 134 min.

Com: Jane Adams, Elizabeth Ashley, Dylan Baker, Lara Flynn Boyle, Ben Gazzara, Jared Harris, Phillip Seymour Hoffman, Lousie Lasser, Jon Lovitz, Camryn Manheim, Rufus Read, Cynthia Stevenson

«Happiness» é o retrato de uma série de pessoas interligadas por laços familiares ou sociais, todas elas vivendo num estado de desespero ou de simples depressão, que as impele para comportamentos imorais ou criminosos.

Joy Jordan (Adams) procura o homem certo e a definição de uma situação laboral que a torne um membro útil da sociedade. Ocorre-lhe "ajudar os outros". Na verdade, desejava ter sucesso enquanto cantora folk. Mas poderia a sua canção "Happiness" vir, por exemplo, a ser interpretada por Michael Stipe sobre os créditos finais de algum filme?

A irmã de Joy, Helen (Flynn Boyle), é uma escritora bem sucedida e uma femme fatale devoradora de homens, mas completamente insatisfeita com a vida. Autora de textos como "Violada aos 12" e "Violada aos 13", lamenta não ter tido uma experiência traumática na infância que lhe permitisse transmitir alguma verdade naquilo que escreve.

A última das irmãs Jordan é Trish (Stevenson), uma dona de casa com uma vida banal. É casada com um psicólogo, Bill Maplewood (Baker), que sente uma atracção irresistível por rapazes no início da puberdade. O filho de 11 anos, Billy (Read), atravessa uma crise por não conseguir alcançar o orgasmo, ao contrário de todos os rapazes da sua turma.

Allen (Hoofman) é plenamente patético. Não consegue encetar uma relação normal e procura satisfação através de chamadas telefónicas obscenas para mulheres desconhecidas. Nem todas são desconhecidas; a sua "vítima" preferida é a vizinha Helen. Ele tem um modo muito peculiar de registar a sua actividade: como quem vai colocando num quadro postais de cidades visitadas.

«Happiness» parecia condenado à infelicidade quando a pseudo-independente October Films abandonou a distribuição Americana, por imposição da empresa-mãe, Universal. A temática era demasiado arrojada para uma empresa familiar. A masturbação, a linguagem explícita, mas sobretudo a pedofilia assustaram o gigante Americano e a produtora Good Machine - que, com o mentor Ted Hope, tem estado por detrás de filmes de realizadores conceituados como Ang Lee, Todd Haynes e Hal Hartley - recebeu os direitos de distribuição de volta. No entanto, a estreia foi feliz: a média de receitas por écran, no primeiro fim de semana de exibição, foi superior em quase dez vezes à de «Antz/Formiga Z», de acordo com dados da revista Britânica Sight and Sound. Depois de algum zunzum, viria a receber um certificado para exibição cinematográfica no Reino Unido (veremos quanto ao vídeo), um mercado difícil para filmes que ultrapassam certos limites, onde deverá estrear em Abril. A histeria tem utilidade para a promoção do filme, mas os tablóides locais não estariam tão atentos como habitual.

O filme de Solondz move-se muito lentamente e, para uma plena apreciação, convém estar preparado e na disposição certa (não convém ser o terceiro ou quarto filme visto no mesmo dia, depois de uma noite mal dormida). A cena inicial é emblemática do tempo, mas também do tom e conteúdo do filme. O diálogo é entre Jane Adams e Jon Lovitz, e é incómodo, humilhante e com subtis requintes de sadismo. Tudo na forma verbal, pois é pelo texto que a "felicidade" se vai espalhando ao longo das mais de duas horas do filme.

Cartaz
O que tem feito correr mais tinta - o que alimenta a "polémica" - nem sequer é a apresentação "gráfica" de sémen (depois deste filme e de «There's Something About Mary» só falta uma versão mais repelente de «Carrie», com um climax - que palavra tão adequada - de cor diferente), mas os diálogos entre Dylan Baker e Rufus Read. É impossível não ficar afectado, de um modo ou de outro. É certo que há momentos em que o humor está patente, mas a seriedade das situações nunca é abafada. As perguntas que o miúdo faz ao pai, mas sobretudo as respostas deste e a sua disponibilização para dissipar quaisquer dúvidas, não deixarão de incomodar algumas pessoas. Reforça o impacto desses diálogos o conhecimento que já temos das práticas sexuais do personagem de Baker com colegas do filho, o qual usa para lhes ter acesso. Tal como caminha sobre uma ténue linha entre o drama e a comédia, Solondz também apresenta magistralmente um personagem atormentado por desejos que o forçam a cometer actos criminosos e reprováveis, sem que pareça um sujeito odioso perante os nossos olhos. É óbvio que os actos são condenáveis (moral e legalmente), e tal ninguém no seu perfeito juízo porá em causa, mas o que os censores de serviço não gostam é que os cidadãos formem juízos morais sem uma ajudinha, vulgo interpretação autêntica.

O casting de «Felicidade» ("wishfull thinking" para o título nacional) é perfeito. Solondz quis evitar caras demasiado conhecidas do grande público, e consegue que até Lara Flynn Boyle se mescle bem no conjunto. Não só não é reconhecível à primeira, por quem não tenha lido os créditos previamente, como é parecida com as suas "irmãs". Jane Adams tem uma performance merecedora de todos os elogios, e menos não se pode dizer dos pervertidos de serviço, Dylan Baker e Phillip Seymour Hoffman.

«Happiness» venceu o prémio da Crítica Internacional em Cannes, o Metro Media Award em Toronto e agora o prémio para o Melhor Filme da Semana dos Realizadores, no Porto, e é, neste momento, o filme mais recomendável do ano.

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Publicado on-line em 18/3/99.