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Barco Fantasma/Ghost Ship
Realizado por Steve Beck
EUA/Austrália, 2002 Cor – 91 min..

Com: Julianna Margulies, Ron Eldard, Desmond Harrington, Isaiah Washington, Gabriel Byrne, Alex Dimitriades, Karl Urban, Emily Browning, Francesca Rettondini, Boris Brkic

Durante a sequência dos créditos, os passageiros do navio de cruzeiro Antonio Graza sofrem uma morte horrível. Quarenta anos depois, uma equipa de caçadores de tesouros é abordada por um piloto chamado Ferriman (Harrington) que lhes mostra as fotografias de um barco perdido à deriva, que pode valer muito dinheiro. Os homens – e uma mulher, Epps (Margulies) – são liderados pelo capitão Murphy (Byrne) e, depois de breves negociações, partem em busca do navio. Ao explorarem o seu interior, encontram muito mais do que estavam à espera, para o bem e para o mal.

«Ghost Ship», já chamado de “ghost cheap” e sugerindo outros epítetos de fonética semelhante, começa por prometer ser um simples filme de género, directo ao assunto e sem grandes pretensões, mas, à medida que se vai desenvolvendo, denota demasiada auto-consciência e a vontade dos argumentistas de fazerem e mostrarem coisas e – muito pior do que isso – de arranjar explicações, para tudo e para nada, pretensamente intricadas, como se a origem do mal presente no navio pudesse ser o mais importante para o público de um filme de terror desta natureza. Não é um policial, nem um filme de acção em que a mente por detrás do crime se justifica nos minutos finais, mas, ainda assim, o “mal” (chamemos-lhe assim para que permaneça incorpóreo perante o leitor que não viu o filme) não resiste a dar conversa aos seus opositores, explicando muito bem o que aconteceu no intróito, para que não nos escape nada. Resta dizer que depois das explicações, o método e as motivações não fazem sentido algum, pois a referida entidade ou indivíduo bem poderia andar pelas ruas ou pelos bares (campos de futebol, praias, qualquer sítio!) a levar a cabo a mesma tarefa. E o inevitável “final-choque” soa mais tolo do que seria de esperar.

O arranque não é mau de todo para um filme de horror “puro e duro”, com uma cena bem construída e filmada com algum requinte, que ilustra a mutilação de algumas dezenas de pessoas, ainda que com contenção milimétrica, para não ir longe demais (provavelmente nos limites da classificação R do MPAA). A sequência poderá fazer lembrar «Cubo» (1997), de Vicenzo Natali, também por replicar a frustração de um bom começo que é esquecido passados 30 minutos, sem que aconteça nada de especial – ainda que em «Ghost Ship» se chegue ao barco surpreendentemente depressa, sugerindo que a acção começará logo e fará poucas pausas –, só que «Cubo» é, pelo menos, coerente e respeita a premissa que se comprometeu a desenvolver, ao contrário de «Ghost Ship» que não chega a navegar para lado algum. A violenta introdução pode também recordar «Resident Evil» (2002) (que já remetia para «Cubo»...) o qual, no que toca à encenação e resolução, bate facilmente aos pontos, já que o filme de Paul Anderson mete o rabo entre as pernas e acovarda-se quando chega ao momento da verdade (não obstante ser um filme mais tolerável, de um modo geral). Podíamos isolar elementos de outras obras, como «The Shinning», «Poltergeist», «Aliens» ou até «Terminator 2», mas essas presenças não chegam a constituir inspiração ou colagem, apenas uma infusão demasiado breve, que não chega a dar gosto ao cházinho.

A dinâmica do horror, como se disse, é pouco motivante e ilógica, mas um filme de género pode cumprir uma função de mero entretenimento através da soma de um conjunto de bons momentos, algo que aqui também não chega a existir, preferindo-se construir em redor do mistério, com aparições da menina e de outras figuras, caminhando-se, pouco a pouco, para a respectiva clarificação. Pelo meio, existem as habituais cenas de eliminação das personagens, de um modo geral despachadas sem dignidade alguma (deviam queixar-se ao Sindicato dos Shreddies). A preguiça na construção dos golpes de misericórdia narrativos é tal que se mostra alguém a resmungar contra Murphy para, uns minutos depois, os colocar em confronto, como se a suposta animosidade prévia pudesse conferir alguma intensidade ou sugerir particular perigosidade (pior que um zombie é um zombie ressentido – já se sabe). Há duas sequências, incluindo o final, que podem constituir o abalroamento de um filme por um vídeo musical pós-moderno, com música a condizer e efeitos de imagens artificiosos, quase nos convencendo que acordámos em casa a ver a hora da dance music em algum canal musical.

«Ghost Ship» podia ser um simples filme de horror, com um pendor de entretenimento, dos que se vêem com agrado e depois se esquecem, mas as opções duvidosas dos cineastas contribuíram para que perdure um pouco mais na memória, passando a velocidade de cruzeiro do tolerável para o irritante. Acrescente-se que se trata de uma produção da Dark Castle Ent., inspirada pelo cinema-gimmick de William Castle. Tal como a espanhola Fantastic Factory, que tenta replicar algum do espírito do cinema “de género”, de produtoras como a Hammer, denota uma falta de confiança num filme de género “à antiga”, despido dos vícios do produto standard, com as medidas certas e peso adequado, feito em Hollywood em fornadas intermináveis.

*1/2
classificações


UCI El Corte Inglés 14: boa projecção ao nível da focagem e do som digital multicanal, mas com dois pontos negativos a assinalar: luzes de presença acesas durante cinco minutos depois de começado o filme e a coincidir com os créditos iniciais, o que poderia sugerir política da casa, por mais disparatado que tal possa soar (a funcionária disse que foi um lapso) e o enquadramento mal formado a aproximadamente 1.66:1, com a legendagem a revelar que se poderia perfeitamente "fechar" o rectângulo, projectando mais largo (no standard 1.85:1). As consequências não foram particularmente gravosas, mas quem estivesse atento, notaria as extremidades de dois "mattes" de câmaras e um curioso buraco no tecto de um camarote, de onde provinha luz, precedido de um plano com efeitos especiais no mesmo tecto (confirmando que realmente não se tratava de uma divisão especial com clarabóia...)

Publicado on-line em 5/02/03.