![]() ![]() |
cartaz |
Esquece Tudo o que te Disse
Realizado por António Ferreira Portugal/França/Alemanha, 2002 Cor – 110 min.. Com: António Capelo, Custódia Gallego, Amélia Corôa, Fernando Taborda, Alexandre Pinto, Cleia Almeida, Alexandra Rosa, Jorge Pina, Estrela Novais, João Cabral
«Esquece Tudo o que te Disse» é um filme português que pode facilmente ser referido como “um filme”, sem o “português” no fim. Tem uma história com princípio, meio e fim, tem personagens definidas – umas mais bem desenvolvidas do que outras –, tem uma banda sonora original bem agradável, da autoria de Pedro Renato, e tem sobretudo um argumento e diálogos relativamente bem escritos e que soam, de um modo geral, reais, por oposição a récitas de poesia abstracta. As personagens essenciais no argumento de César Silva e António Ferreira, em redor das quais todas as outras gravitam, Messias e Felizbela, são também aquelas mais credíveis – com mérito em doses iguais da escrita e do irrepreensível trabalho dos dois actores, que tão bem conseguiram recriar um casal a atravessar uma crise séria, com momentos de clareza de espírito contrabalançados com outros de insegurança e que motivam comportamentos pouco ajuizados. Se, por um lado, temos uma inevitável amargura, por outro, o humor recheia a narrativa em doses moderadas, de modo paralelo, talvez, à personagem de Felizbela, com quem facilmente conseguimos simpatizar, apesar de ser uma dona de casa neurótica, alcoólica e fumadora compulsiva, racista, pedante e antipática. Ou talvez seja o facto de não ter sido criada para nos agradar aquilo que mais nos chama a atenção e nos suscita o interesse, pelo seu destino, pelos actos que irá empreender, motivada pelo ciúme.
Tal como frequentemente sucede na vida real, de ambos os lados da trincheira existem boas razões, sem que haja, claramente, um que tenha mais razão do que o outro, ou alguém que seja uma vítima inocente. Neste jogo bipolar, podia-se talvez apontar uma falha no modo como Messias age em certa altura, uma vez que se fica com a sensação de que não vimos qualquer coisa que melhor justificasse que ele se “deixasse” meter em tal situação. É necessário para que o filme avance para o acto final, mas faltou um catalisador facilmente reconhecível.
António Ferreira, autor da curta-metragem «Respirar debaixo de Água», é, certamente, um nome a ter em atenção. E acrescentar “no panorama do cinema português” seria, no mínimo, injusto, porquanto este «Esquece tudo o que te Disse» parece ter pernas para atravessar fronteiras. Podemos sentir influências do cinema de Paul Thomas Anderson, sobretudo a nível formal, no travelling que atravessa as várias personagens, cada uma em busca daquilo que a move interiormente: remete-se tanto para «Magnolia» (1999), como para «Boogie Nights» (1997) (duplamente, pois a personagem de John C. Reilly pratica também ilusionismo amador). Mas o filme, seus cenários e suas personagens, revelam-se caracteristicamente portuguesas, ainda que se tenha optado por um cenário que se mantém indefinido, sem referências a cidades ou lugares específicos.
Publicado on-line em 19/01/03.
|