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Magnolia
Realizado por Paul thomas Anderson
EUA, 1999 Cor - 188 min. Anamórfico.

Com: Jeremy Blackman, Tom Cruise, Melinda Dillon, April Grace, Luis Guzman, Philip Baker Hall, Philip Seymour Hoffman, Ricky Jay, Orlando Jones, William H. Macy, Alfred Molina, Julianne Moore, Michael Murphy, John C. Reilly, Jason Robards, Melora Walters

Um dia em San Fernando Valley, Los Angeles. Nove histórias interligadas e onze personagens principais, em redor de Earl Partridge (Robards), um produtor de televisão que, na iminência da morte, deseja fazer as pazes com o filho que abandonou. A mulher, Linda (Moore) entra numa espiral de loucura e abuso de drogas, arrependida de ter casado por dinheiro. Frank T.J. Mackey (Cruise) é um guru da TV, que vende autoconfiança sexual a homens. Phil Pharma (Hoffman) é o enfermeiro de Partridge que tudo faz para tentar localizar o filho deste. Jimmy Gator (Hall), apresentador um concurso televisivo de sucesso, tenta restabelecer o relacionamento com a filha, Claudia (Walters). Stanley (Blackman) é uma criança-génio, estrela do concurso apresentado por Gator. Donnie Smith (Macy) brilhou no mesmo programa, nos anos 60, mas, presentemente, mal consegue suster o emprego. Jim Kurring (Reilly) é um agente da polícia, algo inepto, que se vai apaixonar durante uma ronda.

Desde «Hard Eight» (1996) que Paul Thomas Anderson é referido como uma "revelação" ou "um nome a fixar". «Boogie Nights/Jogos de Prazer», de 1997, acompanhando um grupo de personagens no seio da indústria porno, desde 1977 até aos primeiros anos da década de 80, confirmou-o como um dos mais interessantes realizadores a trabalhar actualmente em Hollywood. Este segundo filme não deixou de motivar comentários para além das suas qualidades intrínsecas, já que Anderson, agora com 30 anos, conseguiu realizar um filme com quase três horas, dentro do sistema de estúdios e com direito a montagem final (apesar da cedência indirecta ao sistema de classificação americano).

«Magnolia» traz um largo punhado de actores presentes no filme anterior de Anderson e alguns dos quais, como Philip Baker Hall, Melora Walters, Philip Hoffman e John C. Reilly, já o acompanham desde «Hard Eight». A razão pela qual PT Anderson consegue apresentar situações e personagens tão verdadeiros e convincentes parte também daqui; conhece bem os seus actores e escreve muitos dos papéis já com alguém em mente e nutre genuíno respeito e admiração ("amor" em inglês) por eles, algo que se pode constatar quando, por exemplo, se escuta o comentário áudio que acompanha a edição DVD de «Boogie Nights».

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John C. Reilly (Jim Kurring) e Melora Walters (Claudia Wilson
Gator), dois dos actores habituais nos filmes de PT Anderson
As histórias que aqui se interligam tratam de isolamento e de desagregação familiar, de desespero, arrependimento, redenção e das tentativas de corrigir erros graves do passado. Não existem verdadeiramente vilões. Mesmo os personagens mais facilmente censuráveis (os que exploram o filho, abandonam a mulher doente ou abusam de um menor), têm direito a um tempo de exposição que permite compreender o seu modo de agir e as suas motivações, mesmo que tal não implique a nosso aval. Anderson arruma estes elementos numa estrutura narrativa, que aloja acontecimentos paralelos, durante um dia em San Fernado Valley. A coincidência, o inesperado e o inexplicável são usados como catalisadores das várias situações, propelindo os personagens para a conclusão que merecem, ou, de um prisma religioso, para o respectivo Céu ou Inferno. Dito isto, chamar a «Magnolia» "um grande filme católico" talvez seja levar as coisas longe demais, tomando a simbologia pela eventual devoção do realizador ou por uma moral do filme. Tal como Stanley diz, há coisas que simplesmente acontecem, mesmo não sem explicação aparente.

Anderson constrói magistrais e deslumbrantes sequências daquilo a que se costuma chamar "puro cinema", com ênfase posto em diversos planos-sequência, nunca redundantes, antes visando reforçar elementos dramáticos ou funcionar enquanto elo entre situações distintas. A introdução dos personagens, na sequência do tríptico de histórias "incríveis", é um dos grandes momentos do filme; uma longa montagem acompanha os actores principais, com a câmara efectuando diversos travellings lentos, acompanhada pelo score musical quase hipnótico, e desde logo capta a nossa atenção e interesse pelas vidas daquelas pessoas. Parece ser obrigatório referir o momento em que os personagens cantarolam sobre uma canção de Aimee Mann. Entre o surreal e o sentimental, Anderson consegue não só nunca deixar que se caia para o kitsch, como pontua o filme com algo belo e que a maioria dos espectadores reterá na memória. Afinal quem é que nunca cantarolou uma canção que ilustrava o seu estado de espírito?

As canções de Aimee Mann, esposa de Michael Penn, compositor dos filmes anteriores de PT Anderson, deram um contributo importante para o guião de «Magnólia», mas não foram a sua "fonte de inspiração" com já se escreveu algures. Não é invulgar que Anderson escreva com determinada canção em mente - como a cena de «Boogie Nights», em casa de Alfred Molina, ao som de "Jersey Girl" -, de onde resultam momentos anti-videoclip, pouco hollywoodescos. Essas cenas funcionam porquanto a canção está integrada no guião e não é inserida a posteriori, como mecanismo de pausa na acção, para acompanhar uma cena romântica ou para vender CDs.

«Magnolia», com uma duração de mais de três horas, sem um segundo a mais, nem momentos mortos, ou com qualquer espécie de concessão que vá contra o fim único de contar a(s) história(s), com um naipe (extenso) de excelentes actores, é a obra de um homem com uma sensibilidade (cinematográfica) invulgar. Paul Thomas Anderson confirma-se com um dos melhores realizadores deste final de século e não podemos deixar de nos congratular com a sua relativa juventude, esperando que isso implique que ele venha a assinar um bom punhado de filmes com qualidade e mérito artístico próximos deste.

O filme do ano?

*****
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Publicado on-line em 14/5/00.