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Cidade Misteriosa/Dark City
Realizado por Alex Proyas
EUA/Austrália, 1997 Cor - 100 min. Anamórfico
Com: Rufus Sewell, Kiefer Sutherland, Jennifer Connelly, Richard O'Brien, Ian Richardson, William Hurt, Bruce Spence, Colin Friels, John Bluthal, Mitchell Butel

Numa cidade em tempo e espaço desconhecidos, onde é noite permanentemente, John Murdoch (Sewell) acorda amnésico e perseguido pela polícia, que o considera o principal suspeito de uma série de crimes de homicídio. Murdoch é também procurado por criaturas humanóides com poderes de remodelar ("focar") a realidade, baptizados de Estrangeiros pelo Dr. Daniel Schreber (Sutherland), que afirma poder ajudá-lo na busca pela sua identidade. Enquanto evita aqueles que o perseguem, e não consegue inexplicavelmente encontrar o caminho para o local onde passou a sua infância, Murdoch começa a aperceber-se que as coisas não são o que parecem.

Na Cidade Negra quando o relógio bate as 12 horas, é sempre meia-noite. A luz do dia nunca é vista. «Dark City» parece tentar ser o film noir mais merecedor desse nome, e uma atmosfera visual cuidadosamente construída é um dos seus principais trunfos, parecendo dissecar uma dezena de filmes visualmente estimulantes dos anos mais recentes. Começando pelo próprio «Corvo» de Proyas - amado por uns, odiado por outros -, num plano aéreo de encontro a uma janela circular, decalcado da abertura do filme de 1994, «Dark City» leva-nos a ambientes e segmentos de cenários de filmes como «Blade Runner» (1982), «Brazil» (1985) «Taxandria» ou «A Cidade das Crianças Perdidas» (ambos de 1995), de forma que não nos podemos admirar que muitos o desprezem acusando-o de não passar de um reformular de ideias usadas e gastas. Mas é sabido que filmes de fantasia ou horror não são facilmente absorvidos pelo público e pela crítica, a qual normalmente os põe no compartimento dos géneros menores, para apenas os recuperar posteriormente, caso aguentem o peso dos anos. Por outro lado, um vulgar «Lost World» pode ser aclamado em alguns segmentos bem-pensantes e Spielberg pode ser um auteur mesmo quando coordena dinossauros concebidos para contribuir para a digestão de pipocas.

«Dark City» tem um suporte visual muito forte, como se disse, mas não é destituído de ideias e de conceitos. Mesmo que muitos destes elementos também já tenham sido usados – o "plágio" dependerá do espectador; em determinado conceito filosófico até se pode comparar o segmento final com a conclusão de «Dellamorte Dellamore» (1994) – é injusto que não se aprecie o resultado final isoladamente, descontando-se pontos à medida que se identificam referências, até porque é inevitável que o cinema actual se veja embebido em inúmeros pontos de contacto com o que já foi projectado no écran prateado. Já Tarantino foi aclamado pela forma como usou elementos de outras obras, moldando-os e tornando-os seus… (as opiniões dividem-se).

Quando uma obra tende a produzir reacções radicalmente bipolarizadas, essa obra há-de ser pelo menos interessante. Proyas mistura a realidade e a ficção, como Terry Gilliam em «Brazil». Mas aqui a ficção era criada pelo imaginário do personagem central como única fuga possível à realidade, e em «Dark City» procura-se descobrir os verdadeiros contornos da realidade. A oposição é entre a fuga de um pesadelo e a fuga para um sonho. A obra de Proyas levanta questões no campo da religião e da metafísica no que diz respeito à criação e à manipulação do Homem por seres superiores (destino, deus, desconhecido, [preencher com a causa da sua preferência, baseada em crenças religiosas e/ou científicas]), e peca por ser desnecessariamente explicativo aqui e ali, onde se deveria deixar espaço para a inteligência ou imaginação do espectador preencher. O mesmo é notório na parte final onde uma conclusão mais em aberto só beneficiaria a narrativa. O resultado até tenderia a ser o mesmo, mas se não se mostrasse tanto, ser-se-ia mais fiel ao ambiente negro que trespassava o filme. Também, como é hábito hoje em dia, um filme de alto orçamento dificilmente consegue "passar" com um fim dúbio ou menos cor-de-rosa, por imposição de quem paga a sua produção.

Apesar de ser inferior aos filmes que primeiramente serão apontados como referências («Brazil», «Blade Runner» e até «La Cité des Enfants Perdus») - cuja vantagem, e uma das coisas que os distancia deste e de outros filmes é, pois, não se terem comprometido (excepcionando a versão americana original de «Brasil») -, «Dark City» permanece uma boa proposta cinematográfica e um dos mais interessantes títulos em exibição neste momento, apesar de ser sobretudo de recomendar a indefectíveis do cinema fantástico.

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