«Crash» Corte a Corte

Procedeu-se à comparação entre a versão normal de «Crash» (a "versão integral" da Lusomundo) e a versão censurada em 10 minutos para distribuição nos EUA nas lojas da cadeia Blockbuster Vídeo (a versão normal de aluguer Lusomundo). A versão livre de censura deveria ter sido a única a existir em venda directa, corrigindo o alegado erro da editora na altura do lançamento para aluguer. Como se referiu noutro artigo, algumas cópias censuradas ainda foram postas à venda. A comparação, não sendo propriamente exaustiva, deverá ter uma exactidão na ordem dos 98%, servindo a margem de erro para ressalvar eventuais cortes em locais demasiado improváveis para analisar ao pormenor.

Segue então a lista de tesouradas, necessárias para transformar um filme pervertido num filme familiar.

1. Na primeira cena de sexo, num hangar, foram removidos os planos de um homem a beijar as nádegas (de perfil) de Catherine (Deborah Unger), bem como parte das expressões faciais dela.

2. Na sequência que se segue, cortou-se o início da cena de sexo entre Ballard (James Spader) e a operadora de câmara. A parte cortada refere-se a alguns segundos de sexo oral, com a cabeça dele escondida pelo corpo dela. Com o corte parece que Ballard está apenas a usar o traseiro dela para apoiar o queixo, antes de se iniciar o coito.

3. No hospital, depois do acidente de Ballard, Catherine coloca a mão debaixo das roupas da cama e masturba-o. Esses movimentos de pulso são cortados. Corta-se também parte do diálogo a descrever o estado dos carros, de forma quase poética, paralelo à excitação de Ballard. (Uma frase removida descreve o modo como o sangue se espalha no metal).

4. Uma cena de sexo com Catherine por cima de Ballard, sentado num sofá, com perto de 30 segundos, é encurtada para 10, com a remoção da maioria dos movimentos pélvicos.

5. Depois do show de Vaughan (Elias Koteas), Ballard e Helen (Holly Hunter) vão juntos no banco da frente do carro. Vaughan acaricia Helen entre as pernas. A versão censurada termina a sequência com um gemido de Helen, sendo cortado um plano aproximado das pernas e da mão em movimento, acompanhados de mais gemidos. O plano seguinte mostraria ainda a reacção de Ballard - olha para eles e sorri.

6. Depois do "ataque" de Vaughan ao carro de Catherine, na presença de Ballard (cada um no seu veículo), surge a sequência de sexo mais explícita e o corte maior na versão censurada. Catherine e Ballard têm relações na cama, lateralmente, com nudez frontal feminina durante todo o plano. Durante esta cena, Catherine questiona Ballard sobre o carro de Vaughan, divaga sobre algumas das suas particularidades anatómicas, e pergunta-lhe se não desejava sodomizá-lo (o corrector de texto também censura o verbo, pelos vistos). O corte é de cerca de 3 minutos e meio.

7. A sequência anterior passa directamente para outra cena de sexo, desta vez entre Ballard e Helen, num carro. Helen está por cima, virada para a câmara com exposição semi-obscurecida da zona púbica. No fim pergunta a Ballard: "vieste-te?", ao que ele responde "estou bem". Na versão censurada, a cena começa com o casal a acabar de se vestir, logo depois do fim da perseguição referida no ponto anterior. Há um corte contínuo de mais de 4 minutos.

8. Na casa de Seagrave, enquanto assistem a vídeos com testes de colisão, há um curto travelling, que mostra Gabrielle (Rosanna Arquette), Helen e Ballard a acariciarem-se mutuamente, que foi totalmente removido.

9. Na sequência com a prostituta no carro de Vaughan, existem três travellings a partir do rosto de Ballard, a conduzir, até o banco de trás, onde decorre o acto sexual. Os dois primeiros planos mostram Vaughan a acariciar a prostituta na zona genital, com muitas contorções de ambos, e no terceiro ele coloca-a ao seu colo, dando início a uma série de movimentos pélvicos. Os travellings foram totalmente destruídos, ficando-se a versão censurada por muitos planos da cara de Ballard e uma parte do início do acto sexual.

10. Na lavagem automática, Catherine e Vaughan têm sexo enquanto Ballard assiste. Os cortes são semelhantes aos referidos no ponto anterior, já que ambos expressam a satisfação do voyeurismo de Ballard. Sobraram apenas alguns excertos convencionais de Vaughan por cima de Catherine, tendo sido removidos três planos algo explícitos da zona genital feminina a ser acariciada. É também cortado o plano da mão de Catherine, suja de sémen, a agarrar-se ao banco da frente. Sobram muitos planos das máquinas a roçarem-se nos vidros, água a escorrer e a cara de Ballard.

11. A sequência imediatamente posterior foi totalmente cortada. Um lento plano com nudez integral de Catherine deitada na cama, enquanto Ballard observa o seu corpo repleto de nódoas negras. Um primeiro plano enquadra a zona genital, mostrando em pormenor marcas das mãos de Vaughan, reflectindo a violência do acto sexual do ponto anterior.

12. A próxima sequência censurada é entre Gabrielle e Ballard, e foi aquela que levou a testes com audiências de deficientes físicos, pois os censores ingleses desejavam saber se aqueles se sentiriam ofendidos. (Não.) Cronenberg disse que a sequência mostrava uma mulher com limitações físicas a ter prazer sexual, o que até era bastante positivo. Para a classificação americana a tese não vingou: num corte muito pequeno removeram-se as imagens da mão dela a puxá-lo para si, bem como a generalidade dos movimentos pélvicos de Ballard (o plano original mostra só a sua cara e a perna de Gabrielle do joelho para cima). Uma curiosidade: neste corte, porque se manteve o som, os gemidos de Gabrielle são ouvidos depois de Ballard parar. Estes gemidos pertenciam a um plano - também cortado - do rosto dela. Será que quiseram censurar a possibilidade de orgasmos simultâneos?

13. O final foi consideravelmente alterado. Depois de Catherine se despistar, Ballard vai ter com ela, deitada na relva junto ao veículo. Na versão censurada Blockbuster/Lusomundo, Ballard deita-se a seu lado, diz duas vezes "maybe the next time" ("talvez para a próxima"), e entram os créditos. Originalmente, a cena prossegue com um derradeiro acto sexual, na continuação do plano, seguido de outro em que a câmara se afasta, mostrando o acto sexual junto do veículo, com alguma exposição frontal de Catherine. O último corte tem pouco mais de um minuto.

A cassete nacional de venda directa com o filme completo diz "Versão Integral", na parte inferior da capa, e tem 96 minutos. A cassete de aluguer - e algumas cópias de venda directa - tem 86 minutos. Os tempos estão correctos em ambas as edições. Numa nota final, ambas as versões são pan and scan (logo o termo "integral" requer um esforço interpretativo muito rebuscado), a de venda directa é ligeiramente inferior em qualidade, e não se prevê, neste momento, a data de edição em vídeo no Reino Unido.

25/3/98


Este é o terceiro artigo sobre a edição deste filme em vídeo nacional.
Os anteriores são: (1)«Crash» censurado e (2)«Crash»: O Equívoco Continua

Também referentes à censura por cá:
Um Video Anormal(«Normal Life»)
SIC, censura e «A Última Sedução»


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