cartaz
comentários
coluna
secção informativa
favoritos
arquivo

index

Tudo Sobre a Minha Mãe/Todo sobre Mi Madre/Tout Sur Ma Mère
Realizado por Pedro Almodóvar
Espanha/França, 1999 Cor - 101 min. Anamórfico

Com: Cecilia Roth, Marisa Paredes, Candela Peña, Antonia San Juan, Penelope Cruz, Rosa Maria Sardà, Toni Cantó, Eloy Azorin, Fernando Fernán Gómez, Fernando Guilleen

Manuela (Roth) vive em Madrid com o filho Esteban (Azorin), um adolescente com uma paixão pela escrita e o grande desejo pela descoberta da vida oculta da mãe e por conhecer o pai, que deduz, por fotografias rasgadas ao meio, não estar morto como lhe tem sido dito ao longo dos anos. No seu aniversário, vão assistir a uma representação de "Um Eléctrico Chamado Desejo", uma peça com uma grande importância na vida de Manuela, não só por ter sido actriz amadora, mas também pelo próprio fluxo dos acontecimentos da sua vida. Chega a altura de enfrentar o passado. Regressa a Barcelona, onde recupera velhos conhecimentos, como o travesti Agrado (San Juan), faz novas amizades com Rosa (Cruz), uma freira muito jovem, e com a actriz Huma Rojo (Paredes), cabeça da cartaz da peça vista em Madrid.

O que é brilhante no dito "amadurecimento" de Pedro Almodóvar, iniciado com «A Flor do Meu Segredo» (1995), solidificado com o excelente «Em Carne Viva/Carne Trémula» (1997) e refinado com este «Tudo Sobre a Minha Mãe», é conseguirmos ainda identificar os elementos que enformam a sua filmografia, imbuída de um pendor fortemente exibicionista e extravagante, povoado por personagens extremos; um sedutor mundo kitsch, inspirada mordaz crítica social e humor frequentemente situado na zona do baixo ventre, numa receita que tornou o cineasta conhecido internacionalmente. Falar em "amadurecimento" é sempre injusto, porque parece implicar uma desvalorização da obra anterior - que inclui bons e maus momentos, filmes melhores e filmes menos interessantes -, como se estivéssemos a dizer que o que está para trás é interessante, agradável de ver, mas inconsequente e imaturo.

O anterior «Em Carne Viva» é menos "almodovariano" que qualquer dos seus outros trabalhos, mesmo comparando com este último filme, porque se trata da adaptação de um livro de Ruth Rendell, e é uma espécie de "thriller dramático". Pegando nos rótulos híbridos, que ficam sempre bem, principalmente em filmes com elementos transformistas, não é à toa que Almodóvar disse ter feito um "screwball drama". A estrutura base é de um drama telenovelesco, com personagens presos na habitual teia de relações, uma ruptura no passado, algo que atormenta o personagem central (Manuela) e que pode agora ser resolvido com o regresso ao cenário abandonado anos atrás. Mortes, relações tornadas impossíveis quando uma das pessoas muda (e aqui o mudar é muito literal), filhos abandonados, pais por conhecer até ao último acto. Depois existe o universo onde tudo se desenrola, com freiras que se desviaram só um bocadinho do caminho de fé, travestis que filosofam sobre o que é genuíno e natural, lésbicas toxicodependentes mal-humoradas e tudo o mais que não nos surpreenderia num filme do realizador espanhol.

Uma comédia leve e descomprometida é tudo o que «Tudo Sobre a Minha Mãe» não é. No meio dos hilariantes diálogos há uma história com alma, tornada credível pelo excelente delineamento dos personagens femininos (mulheres ou homens que querem ser mulheres). Cecilia Roth, Marisa Paredes, Penelope Cruz e Antonia San Juan brilham nos respectivos papéis, mas é o texto de Almodóvar que lhes transmite a luz. Há um grande aprumo estético no modo como a história é filmada, não só na rica composição em écran largo, ou na qualidade da fotografia, mas no tratamento específico de cada segmento e na utilização dramática das câmaras e da montagem. São exemplos a passagem de tempo, com os comboios que quase se cruzam, apesar dos anos de intervalo, o ponto de vista do interior do diário que é escrito ou a câmara que cai lentamente no chão, à chuva.

Na estreia em Lisboa, Pedro Almodóvar demonstrou algum receio com a reacção da audiência ao segmento inicial do filme, com toda aquela densidade emocional, dizendo aos assistentes que não se inquietassem, porque assim que se transita para Barcelona encontram-se muitos personagens coloridos e cómicos. Não seria tanto um realizador inseguro com o seu trabalho, como nervoso - como aliás confessou - com a reacção de um público já habituado a determinada imagem de marca. Marisa Paredes, por seu lado, disse que este era "o melhor filme de Pedro Almodóvar, mesmo que ele não o admita". Por aqui, concorda-se. A única inquietação que subsiste é sobre o resultado do trabalho futuro do realizador em Hollywood.

*****
classificações

Publicado on-line em 22/11/99.