cartaz
comentários
coluna
secção informativa
favoritos
arquivo
pesquisa

index

Sala de Pânico/Panic Room
Realizado por David Fincher
EUA, 2002 Cor – 112 min.Anamórfico.

Com: Jodie Foster, Forest Whitaker, Dwight Yoakam, Jared Leto, Kristen Stewart, Ann Magnuson, Ian Buchanan, Patrick Bauchau, Paul Schutze, Andrew Kevin Walker

Meg Altman (Foster), recém-divorciada, procura uma nova casa onde morar com a filha adolescente, Sarah (Stewart). Uma vez que o ex-marido é um magnata da indústria farmacêutica, o dinheiro não é um obstáculo à opção por uma luxuosa residência no Upper West Side de Nova Iorque, com dois andares e um elevador interno. Um dos bónus da casa, cedo descobrem, é a existência de uma Sala de Pânico, uma pequena divisão, auto-suficiente – com provisões, linha telefónica independente, uma porta blindada e câmaras que permitem ver praticamente todo o espaço físico da habitação –, que permitirá aos residentes isolarem-se e protegerem-se de potenciais invasores. O destino dita que a sala será testada muito rapidamente, quando três assaltantes entram na casa, em busca de algo deixado pelo anterior proprietário.

A carreira de David Fincher é consideravelmente heterogénea. Depois do claustrofóbico e austero «Alien3» (1992), num registo muito diverso dos tomos anteriores da série, de «Se7en» (1995), um thriller negro e um dos mais importantes e influentes títulos do género, produzido nos anos 90, de um fraco «The Game» (1997), afogado na artificialidade do artificialismo subjacente à história, e de «Fight Club» (1999), um bom equilíbrio entre a matéria que faz um filme de culto e o produto que um estúdio de Hollywood consegue vender ao grande público, chega-nos «Sala de Pânico», com argumento de David Koepp («Jurassic Park», «Mission: Impossible», «Spider-Man»), um título bem mais directo-ao-assunto e que não perde tempo com comentário sociológico.

«Panic Room» é um filme com uma narrativa muito básica. Existem dois grupos de pessoas, os invasores e os invadidos, num cenário que muda apenas por um par de cenas, na introdução e na conclusão do filme. O guião está recheado com alguns pormenores bem arrumados, no que toca a ataque, defesa e contra-ataque, avanços e retrocessos, para ambos os lados. Existem algumas fraquezas e preguiça na escrita do texto. Desde logo, as personagens não estão muito bem desenvolvidas, sendo como que arrancadas da cama, numa bela manhã, e atiradas para o meio da acção, depois de uma rápida passagem pelo departamento de maquilhagem. Não creio que fosse essencial tomarmos melhor contacto com o background de Sarah e da filha ou dos assaltantes, mas a sua caracterização raia o minimal. No caso dos “maus”, podemos falar em caricaturas (pela positiva) ou lugares-comuns (pela negativa). O trio tem um bonzinho, o homem que fornece os meios e as ideias (Burnham/Whitaker), um jovem impulsivo e com sede de dinheiro fácil, que fornece o plano (Junior/Leto) e um psicótico, que fornece a força bruta e desnecessária (Raoul/Yoakam).

Conhecendo o trabalho de Fincher, poderíamos esperar que este filme e a sua Sala de Pânico avançassem com um comentário a algo a que os habitantes endinheirados de uma grande metrópole americana se vêem forçados a recorrer para se sentirem seguros, ao aumento da criminalidade, a que só alguns podem fugir, ao distanciamento gradual do indivíduo do seu circulo social, etc. Mas este é um filme que vive de e para a acção, para o conflito e a tensão entre caçadores e presas. Por outro lado, os problemas que subjazem ao motor da acção confinam-se ao desmantelar da família nuclear: tanto Meg como Burnham são divorciados e é a separação que os coloca naquela situação: ela porque precisa de uma casa nova e da segurança que reforce a ausência de um homem em casa; ele porque precisa de pagar a pensão de alimentos da filha (ou filho? – bem, é definitivamente um descendente menor, de um dos dois sexos oficialmente definidos). Este mecanismo não é novo e visa aproximar os pontos de vista da heroína e do mau-bom (há quase sempre um mau-bom, no meio dos mau-maus; neste caso sobra um mau-idiota e um mau-verdadeiramente mau), bem como puxar pela empatia do espectador para com personagens de ambos os lados do muro moral e das paredes blindadas, preparando o impacto emocional do destino que, na maioria dos casos, costuma castigar aqueles que têm oportunidades de se corrigirem, mas que deitam as hipóteses pela janela, numa noite de chuva. Também é frequente, por “ironia” do destino ou facilidades de escrita, que assomos de boa consciência tardios sejam severamente castigados. Há que ser bem intencionado o mais cedo possível.

Alguns constrangimentos do argumento, na boa tradição cinematográfica moderna de auto-consciência, são enfrentados abertamente e remetidos para a distracção ou burrice das personagens; assim se faz aceitar que os invasores julguem que ainda ninguém se mudou para a casa, ou que o sistema de vigilância permaneça em funcionamento. Também é habitual – e aqui não se foge à regra – que a irracionalidade do vilão psicótico seja usada como meio de avançar a história mais facilmente, contra a lógica e o bom senso. Quando vemos a condição física e psicológica de Meg e de Sarah começamos a ficar com a sensação que se está a abusar dos clichés do género, mas, felizmente, por esquecimento ou revelando-se uma pista falsa para distrair o espectador, a claustrofobia da primeira acaba por se mostrar irrelevante.

Fincher não abandona algumas das suas marcas registadas, como a mistura de planos digitais com imagem real, permitindo longos planos contínuos, atravessando várias salas, paredes, fechaduras, etc. Em alguns casos, perguntamo-nos se havia necessidade, mas, de um modo geral, integram-se bem na atmosfera cuidadosamente construída. O realizador consegue manter algum suspense e tensão, sem pedir que o espectador feche demasiado os olhos para aceitar o fluir dos acontecimentos. Algum humor que não destoa. Começa muito bem, com uma bela sequência de créditos, estrutura bem a narrativa com a apresentação do espaço e leva-nos de imediato para a acção, não se detendo antes de chegar à resolução imposta pelo impasse, aumentando também gradualmente a violência. O epílogo parece-me redundante, criando um aligeiramento fácil das emoções. Deveríamos permanecer dentro da casa até ao fim.

***1/2
classificações

Publicado on-line em 30/5/02.