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O Pacto dos Lobos/Le Pacte des Loups
[Título da cópia apresentada na Festa do Cinema Francês em 10/01: A Irmandade do Lobo]
Realizado por Christophe Gans
França, 2001 Cor – 140 min. Anamórfico.

Com: Samuel Le Bihan, Vicent Cassel, Émilie Dequenne, Monica Bellucci, Jérémie Rénier, Mark Dacascos, Jean-François Stévenin, Jacques Pérrin

França, 1766. O Cavaleiro Grégoire de Fronsac (Le Bihan), acompanhado de Mani (Dacascos), um índio Mohawk, é enviado pelo rei Luis XV a Gévaudan, uma aldeia no interior sul do país, com o objectivo de capturar uma "besta" que assassina e mutila aldeões, principalmente mulheres e crianças. Para uns um lobo, para outros um monstro ou o próprio demónio, a besta parece conseguir sempre fugir sem ser vislumbrada pelos (poucos) sobreviventes (o tradutor anula o medo religioso, central à narrativa, traduzindo "bête" por "monstro").

Christophe Gans assinou a adaptação cinematográfica da manga "Crying Freeman" em 1995, dando o protagonismo a Mark Dacascos, num filme que misturava de modo satisfatório diversos géneros populares do cinema asiático de acção, conseguindo ainda ser fiel à fonte original (excepto no que toca à componente mais marota). «Crying Freeman» passou despercebido na generalidade dos mercados mas acabou por se tornar um modesto fenómeno de culto, com cópias vídeo e DVD a serem procuradas avidamente por fãs de todos os continentes. «Le Pacte des Loups» tem novamente Dacascos, mas agora relegado para o papel secundário do índio ocidentalizado que sabe kung fu, trazido do Canadá pelo herói da fita. Este é também um homem de muitos recursos: jardineiro, naturalista, curandeiro e intelectual, entre outras coisas úteis para a França do século XVIII.

pacte.jpg
Mani em combate à maneira tradicional Mohawk.

Gans, mais uma vez, mistura géneros diferentes moldando-os num todo relativamente coerente. Sob um fundo de intriga política palaciana, característica de obras de época deste período, o realizador funde alguma acção ao estilo de Hong Kong – uma moda que vai perdurando no cinema ocidental, com melhores ou piores resultados –, com o filme de horror de monstros e ainda com muita da estética da banda desenhada, sem rejeitar mesmo certos elementos das histórias de super-heróis, vertente mais adulta (tal é notório nos combates próximos do final, mas a série de cartazes com cada uma das personagens principais também se insere nesse conceito). O modo de filmar é, por momentos, o que se parece ter convencionado chamar "estilo MTV", para os adolescentes com problemas de atenção, habituados a intervalos para pub de 7 em 7 min. Como tudo isto pode funcionar permitindo ainda ao espectador acreditar na componente mais realista (político-social) é a pergunta que se pode colocar. A verdade é que funciona, ao contrário de muitos outros filmes recentes que se esforçam por integrar elementos a título de "referência" ou moda e, chegados ao fim, levam-nos a concluir que acabamos de ver uma salganhada sem pés nem cabeça, mas com muito bom aspecto.

É certo que Gans usa e abusa de determinados efeitos (como a alteração da velocidade da imagem durante as cenas de acção) e a montagem denota um pouco do tique americano de apresentar lutas corpo a corpo em três planos (geral, golpe, reacção) que, na prática, não deixa ver nada do que se passa, e é muito útil para esconder que os actores são uns cepos. Como Jackie Chan diria, para um filme de acção funcionar é preciso que o realizador seja o coordenador de acção, o actor, o duplo e ainda monte ele próprio o filme (o que é também conveniente para ele, já que deve ser a única pessoa no mundo a preencher todas essas características num mesmo filme). Aqui não se pode dizer que a acção decepcione. Não chega aos pés dos bons clássicos de Hong Kong (mas nem os filmes modernos de HK o conseguem ou tentam), mas é relativamente fluida. Ajuda que Marc Dacascos seja um artista marcial e que Gans seja um fã do género e que tenha contratado Philip Kwok (Kuo Chui), de «Hard Boiled» (1992), «The Bride with White Hair» (1993) e, no ocidente, «Tomorrow Never Dies» (1996).

Poster
Tendo em conta a temática e as referidas modas, seria de esperar que «Le Pacte des Loups» se contentasse em ser uma caça-ao-monstro-com-artes-marciais de 90 minutos. Não é assim. Com as suas duas horas e vinte de duração, o filme almeja aproximar-se do estatuto de épico de época (passa-se num flashback durante a revolução francesa), apesar das artes marciais e da besta, e tudo o que se apresenta no ecrã se adequa ao contar da história. Recorre-se com alguma frequência a imagens compostas digitalmente, com resultados que nem sempre são satisfatórios. Algumas cenas de tensão podem sofrer um pouco com isso, pelo menos aos olhos de quem presta demasiada atenção aos pormenores técnicos dos filmes, deixando de se concentrar com o que está a acontecer, para pensar no modo como foi filmado ou criado.

Sem preconceitos contra filmes de género (e este pertence a vários) e aceitando a componente "pulp" e fantasista, não há como não apreciar «Le Pacte des Loups». De outro modo é possível considerar que a violência é extremamente gratuita (e “obscena”), como Rob White, na Sight and Sound de Outubro de 2001.

O filme é distribuido pela Filmitalus, de modo que a estreia deve esperar uma sala livre. Infelizmente, quando tal acontecer, o melhor que se vai arranjar dever ser o Quarteto em Lisboa, com boas possibilidades de passar despercebido e com uma medíocre recepção crítica (provavelmente uns 50% dos comentadores nem se dignarão a ir vê-lo).

****
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Publicado on-line em 22/10/01.