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Os Mutantes
Realizado por Teresa Villaverde
Portugal, 1998 Cor - 113 min.
Com: Ana Moreira, Alexandre Pinto, Nelson Varela, Paulo Pereira, Helder Tavares, António Cerdeira, Teresa Roby, Isabel Ruth, Alexandra Lencastre

«Os Mutantes» principais são Andreia (Moreira), que entra e sai de centros de reinserção social e vagueia por Lisboa à procura de um rapaz, e Pedro e Ricardo (Pinto e Varela), que, em situação semelhante, recorrem a toda a espécie de expedientes para sobreviver nas ruas, incluindo pequenos furtos e posar para câmaras de vídeo de holandeses pervertidos.

O filme de Teresa Villaverde começou como um documentário e isso é notório. Quase todas as cenas incluem os três personagens principais (as actrizes Roby, Ruth e Lencastre aparecem em apenas uma cena cada), e são fundamentalmente uma colagem de pequenas situações, onde a continuidade não é tão importante como a descrição gradual e pormenorizada dos seus modos de vida. Há uma certa diferença entre Andreia e os outros miúdos. Ela parece ter sido lançada para aquela situação devido a problemas familiares (a casa da mãe não tem propriamente um aspecto miserável), enquanto eles preenchem um conceito de "habitantes das ruas" que identificamos mais facilmente.

O cenário e os personagens não é totalmente diverso do de «Ossos» (1997), mas o rumo e o tratamento formal é muito diferente. O filme de Pedro Costa era mais lento e usava (e abusava) do olhar dos personagens perdido na equipa técnica por detrás da câmara. O desespero ou o vazio da vida dos "mutantes" é representado mais pelos quadros que se desenrolam perante nós, do que pelo olhar dos actores. O símbolo de eleição de Villaverde é a inserção de vários planos, com os actores em comboios ou carros, olhando para cima, enquanto o chão se move velozmente sob eles. Aí se materializam as suas aspirações por uma liberdade que não possuem, e que provavelmente não saberão sequer como atingir. Felizmente aqui não se abusa de formalismos, nem se procura de forma demasiado forçada tentar mostrar ao espectador que há algo mais para ler nas imagens. Outras semelhanças com o referido filme são a actriz Isabel Ruth e o personagem da boa senhora que quer ajudar. Talvez até pudéssemos arranjar um outro paralelo - sexual - entre os pequenos papéis de Inês de Medeiros e de Alexandra Lencastre, meramente ao nível dos ingredientes porque as situações são inteiramente diferentes. Outro ingrediente comum: um bebé.

O realismo também é comum a «Os Mutantes», mas tendo um documentário na sua génese, tal parece surgir como inevitável. Facilmente conceberíamos um guião construído a partir de cabeçalhos de jornais bem conhecidos: "Menores explorados em filmes pedófilos", "Marginal espancado até à morte" ou "Bebé abandonado em casa de banho". A credibilidade que trespassa os diversos segmentos apoia-se firmemente nos actores, que cumprem os papéis de modo satisfatório. Alguns, de certa forma, desempenharão o seu próprio papel, pois são verdadeiros frequentadores de institutos como o que vemos no filme, mas Ana Moreira, premiada no Festival de Taormina, destaca-se de forma natural. Parece haver apenas uma cena que não funciona muito bem devido a um mau desempenho: a que envolve uma arma e um miúdo mais pequeno, que parece estar a ler o texto contrariado, de forma muito pouco natural.

No fim talvez faltasse um pouco de "ficção" a ligar a "vida real", algo que enformasse uma história e não diversos segmentos com personagens comuns, denunciando-se a presença de um cineasta e não apenas de uma câmara. Mas, como diz a realizadora, tem de haver espaço para diferentes géneros no cinema português. E nem todos optarão por filmar "fatias" da vida real, sem comentários sobre o material apresentado ou valorações morais.

[A primeira metade do filme apresentou-se de forma ligeiramente escura, tornando-se o écran subitamente mais bem iluminado. Supõe-se que foi uma "opção" do projeccionista do Monumental 2 e não do cineasta.]

***
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