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Monstros e Companhia/Monsters, Inc.
Realizado por Pete Docter
EUA, 2001 Cor – 95 min.

Com as vozes de: John Goodman, Billy Crystal, Mary Gibbs, Steve Buscemi, James Coburn, Jennifer Tilly, Bob Peterson, John Ratzenberger, Frank Oz, Daniel Gerson

James P. Sullivan (Goodman) é um monstro grande, azul e felpudo que detém o record de sustos de Monstropolis, uma cidade cuja energia é obtida a partir dos gritos das crianças. Os monstros visitam o nosso mundo através de portas especiais que comunicam com os armários dos quartos dos miúdos, operadas pelos assistentes dos “caçadores de sustos”, como Mike Wazowski (Crystal), uma bola com duas pernas e um grande olho na testa, que faz parelha com Sully. A competição feroz com Boggs (Buscemi) vai estar na origem de um possível “contágio”, quando uma menina chega à cidade, gerando grande pânico.

Depois de «Toy Story 2» (1999) a fasquia da qualidade em animação 100% digital já havia sido consideravelmente elevada. Mas a concorrência de «Shrek» (2001) da Dreamworks, um filme que mais uma vez nos veio surpreender sobre as capacidades da animação gerada por computador, também terá dado que pensar aos criativos da Pixar, forçados a reflectir sobre o rumo das suas produções futuras.

Apesar do aprumo técnico e das maravilhas visuais que hoje em dia se conseguem criar, é notório que os filmes digitais em questão (os da Pixar e «Shrek») são memoráveis pela densidade dramática que conseguem conferir a “actores” que não existem por detrás das câmaras, mas apenas dentro de sistemas informáticos, meros amontoados de 0s e 1s sem personalidade (como, por exemplo, Tom Cruise ou Keanu Reeves). Enquanto a Dreamworks conseguiu criar uma boa comédia para adultos, “compatível” com crianças, a Pixar prossegue na concepção de histórias familiares, talvez criadas por e para adultos com um espírito eternamente infantil, que possam ser vistos com agrado na companhia dos filhos (veja-se a tradicional e extensa listagem, nos créditos finais, dos nomes das crianças da equipa, nascidas durante a produção). Os miúdos riem-se dos bonecos e absorvem algumas lições de moral, os adultos deleitam-se ainda com as referências cinéfilas espalhadas pelo filme, que, no presente caso, serão menos “na cara” do que, por exemplo, em «Toy Story 2».

Não há como deixar de apreciar o trabalho da máquinas, nomeadamente na criação de mecanismos informáticos que conseguem simular os milhões de pêlos no corpo de Sully ou o modo como a roupa de Boo se ajusta aos movimentos do corpo, algo que não é animado “frame a frame”, mas que decorre de uma reacção “inteligente” aos efeitos do esqueleto animado. Mas, no fim de contas, gosta-se ou não, pela história e pela execução técnica e artística (é por aqui que falha o filme espanhol «El Bosque Animado», a primeira longa-metragem europeia em animação digital).

As cenas dentro da Monsters, Inc., a veloz perseguição, os momentos de tensão, mas também os mais ligeiros, fazem sentir a existência de alguém competente por detrás das “câmaras”, bem como de uma excelente visão de montagem (que em animação tem de ser concebida a priori). Funciona a acção, mas também o drama, apesar de uma certa limitação – pois o dinheiro é da Disney e o público-alvo começa na mais tenra idade – do filme se ter de afirmar “positivo” e familiar, que leva, desde logo, a que se arranje uma forma de tentar “corromper” a natureza tradicional dos monstros, para manter o tom “light” e inevitavelmente feliz do seu final.

Com um universo de fantasia criado com bastante imaginação e atenção ao pormenor, não deixa de se sentir a falta de algo mais que justificasse a (inexistente) dificuldade no regresso a Monstrópolis, por parte dos monstros sentenciados ao ostracismo. Fica sem sentido dramático a destruição das portas usadas. Afinal é só procurar outra porta.

De qualquer forma, as personagens são tridimensionais em mais do que um sentido, umas mais peludas ou viscosas do que os outras, e o plano final é curiosamente contido, mas um pouco estragado pelo desenrolar dos “outtakes” que depressa quebram a sua memória, em particular por um segmento mais longo, e não completamente bem sucedido, em desenvolvimento de uma ideia do interior do filme, o qual parece não saber quando parar. Funcionaria melhor aumentando-se a pausa depois do plano final e apresentando um ou vários segmentos de “outtakes” e “bloopers”, quando já tivéssemos processado mentalmente que o filme havia terminado e que estávamos perante um “extra”. Mas deve-se ter entendido que, por essa altura, a maioria das pessoas já estaria no parque de estacionamento.

Não querendo parecer demasiado politicamente correcto, há algo que parece um bocado antiquado no aspecto “EUA, anos 50” da cidade dos monstros, em particular na força laboral totalmente constituída por elementos do sexo masculino (em termos de caracterização; são todos assexuados como é conveniente), guardando-se para o sexo feminino funções de secretariado (apesar do desenvolvimento da história, mais para o final, quem sabe a título de compensação). Acresce que as “mulheres” aparecem convencionalmente vestidas e os “homens” em pêlo ou em pele. Um problema de seios.

***1/2
classificações

Precedido pela curta-metragem (3 min) «For the Birds» (2000), de Ralph Eggleston. Um filmezinho simples, imaginativo e muito divertido, executado com o aprumo técnico a que a Pixar habituou o seu público.

Publicado on-line em 29/9/02.