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Jeepers Creepers
Realizado por Victor Salva
EUA, 2001 Cor – 90 min.

Com: Gina Philips, Justin Long, Jonathan Breck, Patricia Belcher, Eileen Brennan, Brandon Smith, Peggy Sheffield, Jeffrey William Evans

Trish (Philips) e Darry (Long) atravessam as longas e quase desertas estradas do interior americano a caminho de uma visita à mãe de ambos, quando são ameaçados por uma sinistra camioneta velha metalizada. Mais à frente, junto a uma pequena igreja, vêem uma figura embuçada que parece estar a atirar corpos para dentro de um cano estreito. Decidem investigar e fazem uma descoberta horrorosa. A piorar a situação, a misteriosa figura, provável psicopata homicida, dá pela presença deles.

«Scream» (1996) é um marco no cinema de horror (norte-americano) moderno, vindo restabelecer a “credibilidade” perdida de um género, através da fabricação de uma história que, para variar, não se limitava a preencher os formulários do costume, mas antes gozava com eles e apresentava personagens que sabiam em que se cenário se moviam. A “credibilidade” foi sobretudo financeira (produziram-se mais títulos), mas o refinamento da auto-consciência não se manteve nem nas sequelas nem nos derivados. De «Scream» pouco mais ficou do que a aparente necessidade de pôr as personagens a comentar que “num filme de terror” nunca se deveria fazer isto ou aquilo e «Jeepers Creepers» não foge a esse tique pós-moderno. O problema da generalidade dos filmes de terror mais recentes é que depois de fazerem essa referência, indicando que os shreddies (sujeitos descartáveis, previsivelmente mortos depois de debitarem as suas três linhas de texto) estão conscientes daquilo que não devem fazer, arranjam sempre uma forma ridícula de os colocar na precisa situação que sabem ser de evitar a todo o custo. Algo que só pode gerar bocejos actualmente é o “não nos podemos separar”, que quase sempre nos indica o que podemos esperar de seguida.

«Jeepers Creepers» é diferente da generalidade dos filmes de género acima referidos, desde logo por fugir à fórmula demasiado gasta de usar uma lista de mortes em substituição de um argumento. Já está mais que demonstrado que não é uma contagem de corpos elevada o que suscita mais medo na audiência, mas sim a tensão criada com aquilo que pode vir a acontecer ou o modo, mais ou menos refinado, como os acontecimentos são apresentados ou sugeridos. Victor Salva consegue criar bons momentos de tensão e gere uma história que se consegue manter interessante. Não vemos o filme para saber se a próxima morte é mais violenta do que a anterior ou para saber quem é que é despachado a seguir; seguimos com interesse o desenrolar dos acontecimentos, sendo-nos fornecidas pistas que estimulam a nossa curiosidade e imaginação. O filme de Salva aproxima-se, pois, mais do material produzido nos EUA nos anos 70, e alguma coisa nos anos 80, quando se faziam filmes para um público maduro e não para um escalão etário específico e com um coeficiente de atenção reduzido, com os neurónios essenciais para ver um filme do início ao fim sem dizer uma burrice qualquer, bem alto na sala de cinema, destroçados por overdoses de jogos de computador e programas frenéticos (muita malucos) da TV. Ou seja, estamos perante um filme de horror que não quer também ser uma comédia e que aceita que o seu tom não tem que ser ligeiro.

Não estamos perante um produto destituído de falhas. Há uma referência – preliminar típico do horror – a um corpo sem cabeça, que parece ter sido esquecida, quando a ela voltamos mais à frente. Apesar de, em abstracto, podermos sempre arranjar uma explicação, sem mais elementos apresentados não faz grande sentido, parecendo que os diálogos foram metidos no guião e que mais tarde se esqueceram da lógica, face a face com os novos elementos. Se já viu o filme, passe com o rato sobre o espaço em branco para uma descrição mais detalhada. Há uma referência a um casal que teria desaparecido e diz-se que nunca se encontrou a cabeça dela. Isto serve para colar com a cena, mas tarde, em que Darry encontra o corpo e a cabeça, ligados. Sabendo o que saberemos depois, a criatura só procurava certas partes de certos indivíduos, usando, aparentemente, os corpos para fazer arte (na natureza nada se desperdiça). Se deixou o corpo da rapariga para trás, provavelmente só se interessaria pela cabeça. Mas se voltou para recuperar o corpo, será que Darry e Trish não saberiam desse facto? Além do mais, se o que lhe interessava era a cabeça, valeria a pena procurar o corpo? (Se queria o corpo e a cabeça, desde logo a decapitação não seria um método de captura adequado.) Outra notória fraqueza do argumento é a vidente Jezelle (Belcher). A sua utilidade narrativa é natural, mas, para o final, a sua intervenção torna-se algo tola quando, depois de tudo, se lamenta dizendo que não passa de uma velha tola. Dêem-lhe um tiro, já! Aqui também se poderia ter feito um esforço por aligeirar lugares comuns; a personagem nem precisava de ser uma jovem loira e bem apresentável...

Apesar dos seus defeitos, «Jeepers Creepers» é uma proposta refrescante dentro do género – em particular tendo em conta que muito dificilmente o nosso circuito será presenteado com títulos asiáticos, normalmente menos convencionais e conservadores –, a fazer lembrar os dias em que o cinema de horror americano se levava a sério. O filme contém alguns efeitos eficazes, tendo em conta o notório baixo orçamento, controlados com a reduzida exposição de certos elementos mais difíceis de apresentar de modo credível. A pressão aligeira-se um pouco quando melhor vislumbramos o autor das mortes (funciona melhor nas sombras, quando ainda nos questionamos sobre a sua natureza), mas recupera muito bem com um final que, por uma vez, não cai na vulgaridade do costume. Por vezes é difícil separar inspiração de apropriação, mas Philip Kemp, na Sight and Sound, afirma que tanto o homicida como o climax da história devem demasiado à curta-metragem de animação «The Sandman», datada de 1992 e realizada por Paul Berry.

Depois dos créditos há um plano curto. Infelizmente o projeccionista (Medeia filmes, Monumental Cine-Teatro) desligou o projector quando aquele se iniciava. Não é infrequente que nos atirem com aquele -rrrc!- que lembra quando tiramos (ou tirávamos) uma agulha de cima de um disco de vinil, antes da faixa terminar. Este tique deveras irritante de alguns profissionais (?) por vezes tem consequências muito negativas. As salas da Medeia já representaram um certo padrão de qualidade de projecção. Infelizmente, hoje em dia, parecem ter perdido o interesse. (Também ignoraram a reclamação – só lhes fica bem).

***1/2
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Publicado on-line em 30/5/02.