cartaz
comentários
coluna
secção informativa
favoritos
arquivo

index

Flirt
Realizado por Hal Hartley
EUA/Alemanha/Japão, 1995 Cor - 84 min.

Com: Bill Sage, Martin Donovan, Parker Posey, Hannah Sullivan (Nova Iorque, Fevereiro de 1993); Dwight Ewell, Dominic Bender, Peter Fitz, Gene Leckner, Elina Lowensöhn (Berlim, Outubro de 1994); Miho Nakaidoh, Toshizo Fujiwara, Chikako Hara, Yuri Azo, Hal Hartley (não creditado) (Tóquio, Março de 1995)

«Flirt» usa as mesmas linhas gerais em três histórias. Um homem ou uma mulher exigem do parceiro a resposta à pergunta "a nossa relação tem futuro?", antes de partirem de viagem para o estrangeiro (onde uma outra pessoa os espera), onde permanecerão três meses. O parceiro/a pede 90 minutos para reflectir. Este/a tem dúvidas porque pensa noutra pessoa, mas principalmente porque é um seductor/a, um "flirt", saltando de relação em relação, e está renitente em abrir mão dessa liberdade. Adicionam-se outros elementos comuns às três histórias: álcool como meio de sarar feridas, armas como meio de produzir feridas reais, hospitais, o aconselhamento de estranhos, cabines telefónicas, aeroportos.

Hal Hartley é um cineasta apreciado por um punhado de pessoas, odiado por um número equivalente ou talvez ligeiramente menor, e desconhecido do grande público. O que é natural. Tradicionalmente mais bem sucedido na Europa do que nos EUA, não é por isso que o seu «Flirt» deixou de aguardar 4 anos para estrear em Portugal (mesmo no Reino Unido só estreou em Março de 97), depois de ter sido adiado várias vezes. A distribuidora já o havia listado como um dos títulos a estrear em 96. Esperemos que «Henry Fool», também em prateleira há diversos meses, estreie quando este for retirado (foram anunciados ambos para a altura).

«Flirt» é frequentemente referido como o pior dos filmes de Hartley. Certamente que não é o melhor, mas também existem algumas atenuantes. Hartley arriscou muito ao optar por este formato. Já houve quem tenha considerado que quis fazer a vontade àqueles que afirmam que os seus filmes são sempre iguais, mas o conceito subjacente ao filme não poderia ser desenvolvido de outro modo. Existem semelhanças com outras obras, em particular com «Noite na Terra» (1991), de Jim Jarmusch, que apresenta cinco histórias diferentes apenas com um ponto de partida similar (um taxista, em diferentes cidades espalhadas pelo mundo). O filme de Hartley, usas as três histórias para desenvolver um mesmo conceito: as pessoas, no que diz respeito ao relacionamento sentimental/sexual, comportam-se da mesma forma, independentemente da sua cultura, nacionalidade, orientação sexual, raça, etc. Ou, por outro lado, a existir uma fuga à norma, esses factores não terão qualquer influência.

Este é possivelmente o filme mais pessoal de Hal Hartley. Ele faz o seu próprio papel: um realizador chamado Hal, o interesse romântico de Miho Nakaidoh, no segmento de Tóquio, que é, por acaso, o melhor dos três. Este segmento está mais bem cuidado, talvez por ser a conclusão (os outros, no fundo, limitam-se a prepará-lo) e talvez também por ter sido filmado dois anos depois do primeiro (as datas dos títulos não são aleatórias), com o conceito já mais amadurecido.

Sem querer entrar em revelações desnecessárias, muito poderá ser entendido sobre as intenções do realizador, se tivermos presente a premissa e o modo como a conclusão é preparada, entre o personagem de Hartley e o e Nakaidoh (sua esposa). Muito simplesmente, parece tratar-se de uma declaração de amor. Talvez tenha decidido fazer o filme em vez de ir a um daqueles programas da SIC. Da mesma forma que esses programas "pimba" apelam apenas a quem tenha interesse por vidas alheias, devido ao seu tom pessoal «Flirt» tem uma ligeira tendência a alhear uma parte do seu público potencial. Ao espectador curioso, refira-se que Leonard Maltin tem razão ao dizer que o filme é mais interessante como exercício cinematográfico do que como entretenimento. De um modo ou de outro, não deixa de ser interessante.

No que diz respeito ao "estilo" desenvolvido por Hal Hartley ao longo da sua filmografia, em «Flirt» o "dead pan", a frieza e a impassibilidade dos actores perante as linhas declamadas, por vezes artificialmente, é levado ao extremo, e a estrutura requerida pela conclusão que o realizador procura alcançar e o texto clínico repetido com algumas variações, sobrepõe-se mais do que nunca ao trabalho individual de cada actor. Nos grandes filmes de Hartley, como «Trust/Uma Questão de Confiança» (1990) ou «Surviving Desire» (1991), a formalidade e a passividade não escondem os sentimentos e as motivações dos personagens centrais. Aqui, os diversos personagens são absorvidos pelo texto, mas permitem, apesar de tudo, que sobressaiam um "ele" e "ela", diferentes do resto do mundo, ou a afirmação de um ideal romântico algo démodé?

***1/2
classificações

Publicado on-line em 5/7/99.