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Inimigo às Portas/Enemy at the Gates
Realizado por Jean-Jacques Annaud
Alemanha/Reino Unido/Irlanda/EUA, 2000 Cor – 131 min.Anamórfico.

Com: Jude Law, Joseph Fiennes, Rachel Weisz, Bob Hoskins, Ed Harris, Ron Pearlman, Eva Mattes, Gabriel Marshall-Thomson, Mathias Habich, Sophie Rois

Em Setembro de 1942, as tropas do IIIº Reich avançam pela URSS adentro e chegam a Estalinegrado. A queda da cidade é de importância vital para Hitler, não só a nível estratégico, mas também devido ao forte impacto psicológico que teria nos soviéticos. Vassili Zaitsev (Law), um agricultor dos Urais, é um dos milhares de novos recrutas que chegam à cidade para tentar deter o avanço das tropas invasoras, melhor treinadas e equipadas. Um excelente atirador, praticante desde criança, Zaitsev irá ser usado pelo novo amigo, o oficial político Danilov (Fiennes), para efeitos de propaganda. Danilov descreve os feitos de Zaitsev em jornais militares, e, pouco a pouco, torna-o num herói do povo, respeitado pelas tropas soviéticas e visto como um símbolo a eliminar pelos alemães. Os oficiais de Hitler decidem enviar um “sniper” que possa fazer frente a Zaitsev – o Major König. E o duelo começa.

Jean-Jacques Annaud assinou algumas obras de improvável produção, cujos projectos poderiam provocar suores frios a muitos realizadores e financiadores, como «A Guerra do Fogo» (1981) ou «O Urso» (1988). De um modo geral, Annaud é um realizador que precisa de trabalhar com orçamentos confortáveis, necessários a uma reconstrução detalhada e credível de cenários e épocas históricas. Mas, o que sustém um bom filme costumam ser personagens credíveis, o que está longe de suceder em «Inimigo às Portas», onde os papéis principais estão notoriamente mal desenvolvimentos.

Com pretensões de épico, «Enemy at the Gates» começa por nos atirar para o meio da carnificina da IIª Guerra Mundial, como modo de estender o pano de fundo do filme, algo que será um pouco reminiscente de «Saving Private Ryan» (1998) de Stephen Spielberg. Não há dúvida que as cenas onde barcaças apinhadas de soldados soviéticos são varridas pelas metralhadoras de caças alemães, constitui um momento impressionante do filme, captando o desespero dos soldados perante a aleatoriedade da sobrevivência. Seguem-se alguns planos grandiosos, compondo cenas de batalha com milhares de homens, com uma metrópole em ruínas em fundo. Chega a altura de colocar os humanos dentro do cenário épico, já que não vamos à sala de cinema para ver um documentário, e é aqui que o filme mostra as suas limitações.

«Inimigo às Portas» procura prender o espectador com o romance entre Zaitsev e Tania (Weisz), a qual usa o seu conhecimento da língua alemã para ajudar o exército a decifrar as comunicações do inimigo. Ela é também uma boa atiradora, mas este é um elemento dramaticamente subaproveitado. Annaud e co-argumentista Alain Godard concebem um triângulo amoroso, com o terceiro vértice em Danilov. As complicações daqui decorrentes são tratadas de modo extremamente superficial, com Danilov a agir de forma injustificada e irracional e a mudar o seu ponto de vista quase de imediato, quando tal é conveniente à história. A representação contida de Ed Harris, no papel do atirador perfeito alemão, também sofre com atitudes da personagem que não nos convencem, nomeadamente no final em modo western. Também fica por entender a facilidade com que o jovem Sacha (Marshall-Thomson) se movimenta de um lado para o outro do campo de batalha, e como consegue convencer König a entrar no jogo. Ao invés de seguir as informações avançadas pelo miúdo, mais fácil seria a qualquer uma das partes segui-lo.

A linguagem pode ser outra questão problemática para a credibilidade do filme. Não tenho nada contra um filme em que alemães e soviéticos falam em inglês, até porque seria difícil torná-lo comercialmente viável (obrigaria a pôr de lado actores conhecidos do grande público europeu e americano e a substitui-los por russos e alemães). O método usado até é aceitável: ao fundo ouvem-se vozes ou a rádio na língua “correcta”, do mesmo modo que papéis contém texto escrito em russo ou alemão, mas as personagens em primeiro plano falam inglês. Este “fingimento” é aceitável, mas se é suposto cada um ter a sua língua, tal como é ilustrado por estas vozes de fundo ou pelos conhecimentos de alemão de Tania, torna-se difícil entender a relação entre o Major e Sacha. Estão a falar em alemão ou em russo? Qual deles sabe a outra língua? Questões menores, talvez, mas a atmosfera de autenticidade, que se desejaria para o filme, sofre consideravelmente.

O tom épico perde-se com a história romântica mal sustentada. Pouco depois do início, a grandiosidade do cenário de guerra é obnubilada pela caça entre dois homens, por entre lama, canos e fábricas destruídas e pelos interlúdios românticos. Tentando oferecer um pouco de tudo, para todos, «Inimigo às Portas» não consegue ser completo em nenhuma das vertentes. Um maior desenvolvimento da “caça” ao homem, entre uma cidade em ruínas, poderia dar um filme muito mais interessante e meia hora mais curto.

**
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Publicado on-line em 1/04/01.