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Dancer in the Dark
Realizado por Lars Von Trier
Dinamarca/França/Suécia/Itália/Alemanha/Noruega/Holanda/Islândia/Finlândia/RU/EUA, 2000 Cor - 140 min. Anamórfico.

Com: Björk, Catherine Deneuve, David Morse, Peter Stormare, Joel Grey, Vincent Paterson, Cara Seymour, Jean-Marc Barr, Vladica Kostic, Siobhan Fallon, Zeljko Ivanek, Udo Kier,

Selma (Björk) é uma emigrante checa a residir nos EUA. Apesar de estar a perder gradualmente a visão, trabalha numa fábrica e prescinde dos seus tempos livres para poder poupar mais dinheiro para uma operação que permitirá curar o filho, afectado pela mesma doença genética. Selma vive numa roulotte no terreno de um polícia (Morse), o qual alimenta as vaidades da esposa, convencida que o marido possui ainda dinheiro proveniente de uma herança. Sempre tentando fazer o que considera correcto, e não pensando senão em livrar o filho de um destino para ela inevitável, Selma vê-se acusada de um crime.

Amado por muitos e odiado por outros tantos, «Dancer in the Dark» é o passo seguinte na exploração estética de Lars Von Trier, com base no suporte vídeo digital, depois de «Idioterne/Os Idiotas» (1998), o segundo filme com certificado Dogma, mantendo ainda pontos de contacto com «Breaking the Waves» (1996), não só no plano de construção visual, mas também no que toca ao crescendo emocional, centrado num personagem feminino que decide que o sacrifício pessoal é o caminho a seguir.

Formalmente, a utilização de 100 câmaras de vídeo não produz efeitos notórios. A flexibilidade é, sem sombra de dúvida, acrescida quando se procura captar números de música e dança que devem parecer o mais anti-musical de Hollywood possível, sem qualquer toque do glamour presente nas grandes produções americanas, recheadas de corpos de bailado em perfeita coreografia e de gruas que elevam a câmara para melhor enquadrar o clímax. De acordo com a informação oficial, utilizaram-se maioritariamente handicams semi-profissionais Sony PD-100P DVCAM, com adaptadores anamórficos, com um factor de multiplicação horizontal 1.766, permitindo transformar uma área útil 4:3 no formato de projecção “scope” (2.35:1 aproximadamente). Ou seja, sim, entende-se que tenha sido útil a utilização de uma centena de câmaras, mas a intenção parece, à primeira vista, contraditória.

Von Trier é um manipulador de emoções. É, pois, compreensível que se gerem ódios por parte de quem não gosta de ser emocionalmente seviciado. Na meia hora final de filme, quase podemos imaginar o realizador na mesa de montagem com um riso algo sádico, murmurando “sofram, sofram!” Mas mais se deve acrescentar: Von Trier é um excelente manipulador de emoções. O resultado talvez se deva em pelo menos 80% a Björk, e à sua entrega total ao papel para o qual parece ter nascido. O excelente desempenho da cantora islandesa contribui para que se acentuem os papéis apagados de outros actores, em particular o de Catherine Deneuve.

A estrutura do musical flúi com grande naturalidade. O recurso é justificado pelo amor da Selma por aquele género cinematográfico; perante todo o seu sofrimento, aí se tenta refugiar pois num musical nada corre verdadeiramente mal. Mas a realidade é bem diferente. Não há um crescendo musical, nem uma grua a subir centrando-se na protagonista rodeada de dezenas de bailarinos sorridentes, precedendo os créditos finais. O “número final” tem uma força dramática invulgar, surgindo no desenrolar de uma sequência de momentos emocionalmente devastadores. O final – e o filme em geral – será melhor apreciado evitando o contacto prévio com “opiniões” como a do senhor do jornal “Público” que o descreve com a maior das naturalidades, revelando toda a inteligência daqueles analistas que se referem a uma “surpresa” em determinado momento do filme, sem, aparentemente, terem consciência da grosseira mentira. (Onde está a surpresa, depois da descrição gratuita apresentada ao leitor incauto?)

*1/2***
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Publicado on-line em 10/12/00.