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Os Idiotas/Idioterne ou Dogme #2 Idioterne
Realizado por Lars Von Trier
Dinamarca, 1998 Cor - 125 min.

Com: Bodil Jørgensen, Jens Albinus, Anne Louise Hassing,Troels Lyby, Nikolaj Lie Kaas, Henrik Prip, Luis Mesonero, Louise Mieritz, Knud Romer Jorgensen, Katrine Michelsen, Anne-Grethe Bjarup Riis

Um grupo de pessoas junta-se numa grande residência e dedicam-se a procurar o idiota que está dentro de cada um, entrando em "paranóia", babando-se e passando em público por verdadeiros deficientes mentais, como forma de se libertarem dos seus problemas e de chocarem as instituições burguesas. Depois de um período de estágio, chega a altura do exame, isto é, de levar a loucura para o meio "normal" do qual tiraram férias.

O novo filme de Lars Von Trier rege-se por corolários estabelecidos na Primavera de Copenhaga em 1995, agrupados sob a risível epígrafe de um "voto de castidade". Estes requisitos formais têm influência directa na substância dos filmes que possam vir a receber o certificado do "Dogma 95", porquanto contém exigências muito particulares que se agrupam numa espécie de dez mandamentos. O Dogme 95 foi formado por Lars von Trier, Thomas Vinterberg, Christian Levring e Søren Kragh-Jacobsen e o seu manifesto foi escrito pelos dois primeiros. O primeiro filme a receber o "certificado de aprovação" foi «Festen» (1998), de Vinterberg, também exibido em Cannes 98 ao lado de «Os Idiotas». Os filmes aparecem também referenciados, respectivamente, como «Dogme #1: Festen» e «Dogme #2: Idioterne» (ou com os títulos para o mercado internacional, «Dogma #1: The Celebration» e «Dogma #2: The Idiots»).

A regras do Dogma 95 são: não filmar em estúdio, não usar adereços de cena, não gravar som separado da imagem, não colocar a câmara num suporte, filmar em cor sem utilização de iluminação especial, sem filtros ou tratamento óptico, sem acção superficial (homicídios, armas, etc), no tempo presente (sem "alienação geográfica e temporal"), filmes de género estão proibidos, o formato é Academia 35mm (o formato clássico, praticamente idêntico ao da TV), o realizador não pode ser creditado. Este "voto de castidade" afirma-se como uma solução para o "problema" que foi o fracasso das teorias do Autor, e apresenta um realizador que se limita a extrair a "verdade" dos cenários e dos personagens ("já não sou um artista"). Mas o método mais facilmente produz "trabalhos de autor" do que o que quer que o grupo Dinamarquês tenha tentado sugerir. O Dogma 95 assemelha-se mais a um "gimmick" para o público do cinema de autor (ousar-se-ia dizer "intelectual"?), da mesma forma que algumas das ideias de William Castle, como os choques eléctricos no traseiro do espectador, eram um "gimmick para as massas nos anos 50. Os dez mandamentos do Dogma 95 são meras linhas delimitadoras que traçam as fronteiras onde o realizador pode experimentar. E o experimentalismo no cinema é sempre bem vindo, nem que seja para variar um pouco da convenções estabelecidas. Estabelecer outras, e escrevê-las, talvez não seja propriamente "revolucionário", porque o público é avisado para o género de filme que vai ver, e das limitações que deve esperar.

Em «Os Idiotas» Von Trier usou uma série de expedientes para demonstrar a sua "inabilidade" enquanto autor, afastando-se o mais possível de um modo coerente, organizado e profissional de filmar a história. Deste modo, os corolários subscritos pelo realizador resultam em saltos constantes no som, devido à impossibilidade de criar uma pista sonora separada, e se as cenas mais escuras têm um enorme acréscimo de grão, devido à proibição de iluminar artificialmente. Por outro lado, reforçando o aspecto amador e incoerente, Von Trier opta por mostrar dezenas de microfones, coloca a equipa (ou ele próprio) visível sempre que pode (não há uma superfície reflectora que escape) e "deixa ficar" uma série de falhas na continuidade. Supostamente, estas falhas resultariam de uma não preocupação com a coerência (para extrair a tal verdade?) no acto de filmar, mas tudo é muito denunciado, muito forçado. Os erros de continuidade não são fruto de despreocupação; antes parecem ser cuidadosamente descuidados. Um exemplo é o personagem que baba, alternativamente, café e bolo. Von Trier monta três ou quatro imagens de uma boca suja de café com três ou quatro imagens de uma boca suja de bolo. Noutras sequências, um personagem abandona um diálogo, saindo da sala, inserindo-se a continuidade da cena com o mesmo personagem sentado, "prosseguindo" o diálogo.

A história, que seria o mais importante segundo os preceitos do Dogma 95, que, no fundo, nos distraem desse conteúdo, junta um elemento externo ao grupo de idiotas - Karen (Bodil Jørgensen) -, depois deste estar já formado, e é através dos seus olhos que o filme procura extrair algum substracto de toda a idiotice. O grupo, que se procura livrar da racionalidade que lhes permite viver em sociedade, é constituído por "burgueses". Os resultados são diversos quanto a Karen, uma pessoa com "verdadeiros" problemas e de um meio social menos ocioso. Para eles, a idiotice pode ser mais umas férias, uma mera excentricidade, e a prova de fogo final poderá vir a demonstrá-lo. A pureza que procuram encontrar, ao dar largas ao idiota interno, há-de ser tão artificial como a suposta naturalidade da montagem e dos sinais da equipa técnica na imagem ou a inserção despropositada de uma imagem "hard-core".

Seria curioso se o grupo de Copenhaga fizesse agora o "upgrade" para o Dogma 98, mas duvida-se que houvesse uma relevante remoção de "bugs".

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