cartaz
comentários
coluna
secção informativa
favoritos
arquivo
pesquisa

index

Bowling for Columbine
Realizado por Michael Moore
EUA/Canadá/Alemanha, 2002 Cor – 120 minutos.

Com: Michael Moore, Charlton Heston, Marilyn Manson, Dick Clark, James Nichols, Matt Stone, Barry Glassner, Richard Castaldo

Poster
Em 20 Abril de 1999, Dylan Klebold e Eric Harris, dois adolescentes de, respectivamente, 17 e 18 anos, entraram armados no liceu onde estudavam, o Columbine High School, em Littleton, no estado americano do Colorado, e mataram 12 alunos e uma professora, suicidando-se em seguida. Em 2000, uma criança de 6 anos é morta a tiro por um colega da mesma idade. Michael Moore percorre ruas dos Estados Unidos e do Canadá, em busca de uma resposta à pergunta: os americanos são loucos por armas ou são simplesmente loucos?

«Bowling for Columbine» não é um documentário na mais usual acepção do termo, que sugere uma visão tendencialmente imparcial da realidade. O documentarista tende a ser um mero observador, não interferindo ou manipulando o objecto que documenta. Se assim for, saímos do campo do real e passamos para o da ficção ou da falsidade (quando se passa fabricação cinematográfica por factos reais).Claro que o facto de existirem seres humanos por detrás de qualquer documentário, implica sempre uma certa subjectividade, nem que seja na escolha do enquadramento ou na utilização da luz. Mas é a montagem que condiciona o “real”, e que pode ser usada para transmitir ideias opostas com base no mesmo material.

Moore não está interessado em ser um simples observador, desde logo porque permanece em frente à câmara, longe da posição típica do entrevistador fora do enquadramento. O seu trabalho não é apenas o de documentar e de investigar, mas também de procurar alcançar respostas, usando esses depoimentos e uma grande variedade de fontes para uma recolha de evidências, como se elaborasse ele mesmo uma verdadeira tese, procurando explicar as causas da elevada causa de mortalidade por armas de fogo nos Estados Unidos.

Escreveu-se algures na imprensa portuguesa que Moore coloca muitas perguntas, mas não tem respostas para dar, o que pode sugerir que quem o escreveu ou saiu a meio do filme ou não esteve atento, já que o realizador apresenta de forma clara (e convincente) razões porque é que a sociedade americana possui tantas armas e porque é que os cidadãos estão bem mais dispostos a usá-las do que os nacionais de outros países. Desde logo, frisa-se a existência de uma cultura do medo, que é alimentada pelos políticos e pelos media. Não é preciso olharmos para os EUA para entender como é que tal pode funcionar, pois já se realizaram internacionalmente estudos analisando o conteúdo dos noticiários televisivos e a respectiva resposta por parte das audiências. Em Portugal, também não será raro ouvirmos comentários sobre como as coisas “estão mesmo más” ou “estão cada vez pior”. Se os noticiários seleccionarem todos os crimes violentos do dia, por mais pequenos que sejam, conseguem (infelizmente) encher toda a sua duração. É possível que a percepção dos cidadãos seja de um aumento generalizado da criminalidade, ainda que não se registem alterações relevantes de um ano para o outro ou mesmo quanto certos índices decrescem: basta que o conteúdo editorial dos noticiários de maior audiência destaque notícias de crimes violentos. Isto será um facto universal, mas aliado à particular cultura dos EUA, com o direito constitucional de porte de arma ou a banalização da venda de armas e munições, disponíveis em lojas de bairro e em supermercados (a pornografia não se vende em quiosques e supermercados como por cá, para protecção dos menores), os seus cidadãos terão maior propensão para pegar em armas e por fim a uma vida.

Uma criança educada para recear os que a rodeiam e ensinada desde tenra idade a manipular armas, para se defender, pode tornar-se não só vítima, como o potencial agente da morte, como se ilustra pelos vários casos apresentados. Poder-se-á dizer que é a sociedade que convence uma criança ou um adolescente a tornar-se agressor antes que se torne vítima? «Bowling for Columbine» apresenta essa possibilidade de leitura, que se não afere particularmente chocante. Afinal se o Canadá revela um “fascínio” similar por armas, clubes de tiro, etc., e se o acesso também é fácil, porque é que aí os homicídios com armas de fogo são na ordem das dezenas por ano, enquanto nos EUA esses números atingem uma média anual de cerca de 11 mil? O presidente da National Rifle Association, principal lobby dos “atiradores” nos EUA, Charlton Heston, surge no filme tentando sugerir algumas justificações, que são verdadeiramente hilariantes, mas não são transcritas para que o leitor melhor as possa apreciar na devida altura.

Outra questão que o filme de Michael Moore foca são os bodes expiatórios, de onde deriva o título «Bowling for Columbine»: porque não culpar o bowling, já que os miúdos frequentavam uma aula de bowling e poderão ter estado a jogar na manhã da matança? Estamos familiarizados com a facilidade com que certas associações de cidadãos atribuem a culpa de um crime a uma banda de Heavy Metal ou a Marilyn Manson – um dos entrevistados por Moore – porque o criminoso costumava ouvir essa banda que, por acaso, tem letras “violentas” ou “satânicas”. O mesmo se aplica a jogos de computador ou filme violentos (a dupla usava gabardinas negras, por isso a culpa também é de «The Matrix»), sem esquecer a literatura (Harry Potter foi banido em algumas escolas americanas, pois a leitura das suas histórias poderia convencer as crianças a dedicarem-se à bruxaria ou a questionar os valores cristãos).

Por que razão é tão fácil apontar o dedo a uma canção ou um filme, cujo conteúdo funcionaria como um botão que é pressionado e automaticamente “condicionaria” uma pessoa, criança ou adulto, a cometer um crime, “inspirado” pelo que leu ou que viu, e não se procuram factores sociais mais alargados, relacionados com a educação e o meio ambiente em que o indivíduo se insere? Ainda que «Bowling for Columbine» pudesse dispensar alguma manipulação emocional gratuita (como a fotografia da criança, no final do filme, e o modo como a cena é montada), o filme de Moore tem, no mínimo, o mérito de caminhar na direcção de uma resposta racional.

****
classificações


King 1, projecção sem defeitos a apontar.

Publicado on-line em 27/4/03.