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Velvet Goldmine
Realizado por Todd Haynes
Reino Unido/EUA, 1998 Cor - 124 min.

Com: Ewan McGregor, Jonathan Rhys Meyers, Toni Collette, Christian Bale, Eddie Izzard, Emily Woof, Michael Feast, Janet McTear, Maíread McKinley, Luke Morgan Oliver

Em Nova Iorque, 1984, o jornalista Arthur Stuart (Bale) é escolhido para realizar um trabalho de investigação para um artigo menor, destinado a ocupar espaço no jornal. A peça consiste em descobrir o que aconteceu a um dos mais importantes artistas Britânicos do glam rock, Brian Slade (Rhys Meyers) que, depois de uma carreira de sucesso nos anos 70, desapareceria de cena súbita e dramaticamente. Stuart vai reviver não só a história do glam, mas também as suas próprias memórias de adolescente fascinado pelo movimento, e, em particular, os seus encontros com algumas das estrelas desse firmamento, como Jack Fairy (Micko Westmoreland) ou Curt Wild (McGregor).

«Velvet Goldmine» marca o regresso de Todd Haynes, depois de «[Safe]» (1995), um filme que explorava um caso de alergia ao meio ambiente ou, por outro prisma, ao mundo moderno. A alergia ao presente não será o motor principal do revivalismo que está na origem de filmes de época arrumados por décadas. À medida que o século se aproxima do fim - daqui a um ano e meio serão feitos "filmes de época" passados no século XX - vão-se revendo com mais frequência as décadas recentes. Um factor de impulso será, sem dúvida, a facilidade em vender compilações com música extraída ou inspirada na banda sonora (o que não seria fácil de fazer, por exemplo, a partir de um filme sobre os anos 20). Outro factor éo escalão etário do público-alvo, do qual se espera que tenha, pelo menos, algumas referências em relação ao cenário.

O filme de Haynes apresenta-nos uma série de artistas alternativos, não no sentido da catalogação em lojas de música, mas por serem personagens de ficção baseados em artistas reais, como David Bowie ou Iggy Pop. Logo na introdução é sugerido que o cineasta não terá grandes preocupações com o Real: Oscar Wilde profere uma one-liner anacrónica que confunde a audiência (risos hesitantes) e depois surge um objecto voador não identificado e uma pedra mística que será um símbolo importante ao longo do filme. Movemo-nos pois, numa espécie de dimensão paralela, talvez com o intuito de possibilitar maior liberdade artística.

A estrutura de «Velvet Goldmine» é recuperada de «Citizen Kane», de Orson Welles. Um jornalista investiga factos, entrevista pessoas que viveram próximo de Brian Slade e entremeam-se diversos flashbacks com o tempo presente, à medida que se vai formando o quadro. Mas aqui, ao contrario de «Kane», o que importa não é a descoberta da personalidade investigada (e o significado de "rosebud"), mas a aceitação pelo investigador do seu próprio passado, pois, há medida que Stuart prossegue o seu trabalho, somos transportados à sua adolescência e assistimos ao modo como o glam o afectou. Não tanto, ao que parece, quanto o encontro com um dos seus mais emblemáticos representantes.

Sem querer entrar em detalhes específicos da narrativa, Haynes fez mais um filme sobre a "aceitação" da homossexualidade do que sobre o glam rock. Aceitação aqui deve ler-se no sentido de enfrentar e assumir a própria sexualidade (o que a expressão anglófona "coming to terms" melhor transmite). A simbologia a que se recorre é subjugada a este panorama mais vasto, e o recurso a um dos ícone gay mais marcantes, que é Wilde, não é acidental. No final fica a sensação de que o cenário do glam rock poderia perfeitamente ter sido escolhido por Haynes a posteriori, já que a "história" que se conta poderia recorrer a qualquer outro cenário.

A referência explícita ao filme de Orson Welles não é propriamente das mais bem conseguidas. Haynes podia quedar-se pela premissa base, sem ter que replicar algumas cenas, nomeadamente a conversa com "a" artista que já teve melhores dias e até com "o" homem numa cadeira de rodas. Há momentos melhores do que outros, mas o conjunto é pouco convincente. Também há performances melhores que outras, o que neste caso decorre mais de cada papel do que do talento dos actores. Ainda assim, destaque para Toni Colette e um mero bom esforço de McGregor e Rhys Meyers, que até interpretam algumas canções. Pouco há a dizer de Bale, que tem um papel por um lado central (transmite a "mensagem" do filme), mas que por outro fica de parte, como observador que é. Compete-lhe sobretudo olhar. Este conflito entre o que é essencial e acessório para o cineasta e o que seria importante para o público também contribui para uma apreciação pouco positiva da obra cinematográfica.

O título do filme é retirado de uma canção de David Bowie, editada em 1975 no lado B de um disco contra a sua vontade. Mais de duas décadas depois, Bowie continua com má vontade, já que, depois de demorada consideração(?), acabou por recusar a utilização de canções suas na banda sonora.

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Publicado on-line em 18/6/99.