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Um Crime Real/True Crime
Realizado por Clint Eastwood
EUA, 1999 Cor - 127 min

Com: Clint Eastwood, Isaiah Washington, Denis Leary, Lisa Gay Hamilton, James Woods, Bernard Hill, Diane Venora, Michael McKean, Michael Jeter, Mary McCormack, Penny Bae Bridges, Francesca Ruth Eastwood

Steve Everett (Eastwood) é um repórter veterano, desacreditado profissionalmente devido a um antigo problema com o álcool, que o levou a defender pontos-de-vista errados com graves consequências. Principalmente devido à influência do amigo e editor-chefe do jornal onde trabalha, Alan Mann (Woods), Everett tem a oportunidade de escrever uma peça de "interesse humano" sobre Frank Beachum (Washington), um homem condenado à morte pelo assassínio da empregada de uma loja de conveniência, jovem e grávida. A sua intuição - que o levou à desgraça no passado - volta a dar sinal de si, levando o repórter a acreditar que o condenado está inocente e a tudo fazer para o conseguir provar. O maior dos problemas é o facto da entrevista estar mercada para o meio da tarde e a execução para esse mesmo dia, à meia noite e um minuto.

O novo filme de Eastwood com Eastwood não é um ensaio sobre a aplicação da pena de morte, algo que já teve a sua fase alta há algum tempo atrás, com os títulos «Dead Man Walking» (1995) e «Last Dance» (1996). Esse cenário enforma apenas uma premissa próxima dos papéis tradicionais do actor, incluindo os seus westerns clássicos. Um profissional competente (pistoleiro/assassino vs. repórter) que deixou a glória no passado e que agora é olhado como um falhado, um indivíduo decadente e sem recuperação possível. Aqui, Steve Everett não é propriamente um desgraçado, pelo menos no que diz respeito a contactos sociais; é um mulherengo com especial apetência pelas esposas dos seus superiores hierárquicos, o que poderá denotar uma procura inconsciente por contínuos problemas profissionais, num auto-castigo masoquista algo paradoxal (tendo em conta o meio). O facto de ter mulher e filha (Venora e Ruth Eastwood), e de lhes trazer sofrimento (inclusive físico) não parece contribuir para alterar os seus hábitos. (Diane Venora não tem um papel completamente diverso daquele que interpretou em «Heat» (1995), como esposa de Al Pacino).

Pelo acima exposto, o texto de Larry Gross, Paul Brickman e Stephen Schiff, com base no livro de Andrew Klavan, centra-se, antes de mais, na luta de um repórter com direito à reforma em provar que ainda é capaz de ser um profissional competente. Não há propriamente um processo de remissão do personagem, como se poderá concluir pelo final, nem este está, acima de tudo, preocupado em salvar um inocente. Ele luta sobretudo por ele próprio. A haver alguma espécie de arrependimento - requisito para a remissão, religiosa ou não - este prender-se-á apenas com a constatação de algumas consequências nocivas de determinados actos, e não perante a consciência da violação de um imperativo moral, social ou religioso. Por este prisma, o Inocente é meramente acessório, o que não implica que o guião o secundarize. Antes pelo contrário. O personagem e a sua família são escritos com notória dedicação dos três argumentistas, que acrescentam todos os pormenores necessários para credibilizar as diversas cenas que precedem a execução. Eastwood, que terá 69 anos em 31 de Maio, denota plena forma de ambos os lados da câmara. Conduz os actores na perfeição e produz momentos grandemente apreciados, em particular durante os diálogos com os secundários James Woods e Dennis Leary.

No que falha «Um Crime Real» é mesmo na história que conta, e como a conta, apreciada na globalidade. É simples e relativamente directo, o que de per se não é um ponto negativo, mas não traz nada de novo, para além de um personagem central que pede o ódio do espectador (é de destacar a relativa indiferença de Everett pelo destino de uma pessoa que antes havia tentado seduzir). A premissa e o desenlace são relativamente banais. Os mecanismos que conduzem ao clímax são decepcionantes, em particular a partir de um certo plano desnecessariamente explícito - que aponta com holofotes de 10 mil watts para determinado objecto -, que é o início de uma sequência de artificial emoção, com um personagem que até se torna algo engraçado e tudo, assim de repente. Parece denotar-se aqui algum cansaço do cineasta e uma opção por terminar o filme de acordo com as "normas" do género. Já agora, quantos filmes é que já nos apresentaram alguém num bar a olhar para a TV e a ser "iluminado"? Até parece que nem se varia na decoração da cena e na posição das câmaras (faltou surgir a alguém pedir para mudar para o jogo de baseball).

Registe-se também a ridícula censura na tradução do filme, um hábito nacional lamentável e que parece destinado a prosseguir. A nota é acrescentada em particular porque o visionamento se deu próximo do 25 de Abril que simboliza (também) o fim da censura em Portugal. Das 30 e tal palavras começadas por F que www.screenit.com refere (uns senhores sempre prestáveis), não terá passado nenhuma para a legendagem. Para quem não entende a língua original trata-se de censura absoluta, algo supostamente inconstitucional desde há algum tempo.

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Publicado on-line em 3/5/99.