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Tráfico
Realizado por João Botelho
Portugal/França/Dinamarca, 1998 Cor - 115 min. (aprox.)

Com: Rita Blanco, Adriano Luz, Maria Emília Correia, Canto e Castro, Paulo Bragança, São José Lapa, Mário Jacques, Branca Camargo, Nuno Melo, Alexandra Lencastre, João Perry, Isabel de Castro

Uma série de quadros desenrola-se perante o espectador. Uma família na praia encontra pacotes enterrados. Dois padres deambulam pela estrada e pelo campo. Um general negoceia com um vendedor de armas russo, enquanto uma mulher espia a transacção. A mulher do general admira uma famosa actriz de teatro alcoólica. Uma senhora da alta sociedade prepara uma importante recepção. Et cætera.

«Tráfico» é constituído por uma série de situações que se vão entrecruzando ao longo da narrativa. Há uma infinidade de personagens, com os quais o realizador e argumentista, João Botelho, parece querer fazer uma espécie de crítica social mordaz, com o recurso a muito humor non-sense. E o non-sense é realmente o resultado da maioria dos segmentos. Alguns personagens são apresentados, desenha-se uma situação, mas depois não se vai a lado nenhum. Aproveitando o título, talvez se possa sugerir que houve um congestionamento algures durante a escrita do guião. Um exemplo é a cena com a prostituta, que se vai estrear num bar de alterne. O patrão explica o serviço, faz uma inspecção mínima, e corta para outra cena. Mais tarde voltamos a ver esse cenário, quando um outro personagem aí canta. O interesse do segmento parece não passar desse: poder ser ligado a outro mais tarde.

A sensação de que vai sempre faltando alguma coisa começa com o casal de modestas posses, que se vê, subitamente, bafejado pela sorte. A cena não faz muito sentido porque ninguém encontra um pacote fechado e começa a dizer que está rico sem o ter aberto primeiro. Se calhar pensou-se que era uma boa técnica sugerir o conteúdo do pacote, para apenas mais tarde se ter a certeza, só que aí talvez tivesse sido útil que o personagem de Rita Blanco surgisse a abrir uma pontinha do dito, fora do enquadramento. O cuidado no texto deveria ter sido o mesmo na composição da cena da praia: todos os objectos são novinhos em folha, só falta terem a etiqueta do preço. Desde baldes e pás de praia, a um par de raquetes de badminton cuidadosamente colocadas lado a lado, junto da respectiva pena, nunca usada. O mesmo para o par de mochilas idênticas dos padres. Só a Renault 4L não é nova, mas deve ter levado uma pintura rápida. Na garagem, aparentemente, alguém terá surrupiado o espelho retrovisor interior, o que até contribui para uma melhor composição dos planos para o exterior.

Existem alguns gags soltos que têm a sua graça, mas, chegados ao fim do filme, já mal nos lembramos deles. Para isso contribuí também o anti-climax na lixeira, uma das piores conclusões com que nos podiam brindar. Certamente será suposto significar alguma coisa, mas depois consideraremos se vale a pena debruçarmo-nos sobre o assunto. Esse segmento e o cena de teatro são momentos que não fazem falta absolutamente nenhuma. Nem se tratará de terem sido colocadas para encher 90 minutos, já que o filme vai quase até às duas horas, já passado o limite da nossa tolerância.

**
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Publicado on-line em 14/1/99.