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The Item
Realizado por Dan Clark
EUA, 1999 Cor - 100 min.

Com: Dawn Marie Velasquez, Dan Clark, Dave Pressler, Dan Lake, Ron Fitzgerald, Romy J. Sharf, Judy Jean Kwon, Kyle B. Cunningham, Peter Sean

Quatro criminosos, três homens e uma mulher, são contratados para servirem de intermediários na compra de um misterioso item, roubado de um laboratório, e para guardá-lo durante uma noite. Existem instruções precisas sobre o que não fazer com a criatura (referida também como o "macaco"), fechada hermeticamente numa mala frigorífica. O desrespeito por tais regras não irá dar origem a um banho de sangue, mas sim contribuir para a continuação e agravamento da escala de um iniciado pouco depois dos créditos iniciais do filme.

Rodado em vídeo digital e transferido para película, a primeira longa-metragem de Dan Clark, é um exploitation sanguinolento, uma comédia negra corrosiva e até um drama existencial. A sua crueza e extrema violência contribui para a dificuldade em encontrar um distribuidor nos EUA, apesar da passagem pelo prestigiante Festival de Sundance, na secção de drama. O realizador foi um dos nomeados para o Someone to Watch Award, no seio dos Independent Spirit Awards, edição de 2000.

«The Item» constituiu a grande surpresa do Fantasporto 2000, sendo o género de filme que continua a sugerir uma overdose descuidada de obras, ano após ano, no âmbito do referido evento cinematográfico. A surpresa prende-se, em parte, com a mistura de elementos acima referida. Tudo começa num cenário algo déjà vú, em que um grupo de criminosos menores espera pela realização de um negócio, dentro de um carro, numa zona deserta e muito mal iluminada (e cheia de grão). As coisas começam logo a correr mal, e a nossa tolerância pelo pendor sanguinolento levado ao limite é posta à prova, quando um personagem é baleado dezenas (dezenas) de vezes e continua a correr a correr…

A violência é cartoonesca e irrealista, normalmente usada com efeito humorístico, e o próprio Item parece saído dum cartoon. O orçamento reduzido terá contribuído para o aspecto da criatura e provavelmente também o trabalho do realizador num filme para TV das Tartarugas Ninja. As câmaras acompanham o ritmo esquizofrénico de algumas cenas, os personagens flutuam de arma na mão, por ruas desertas, e saltam para dentro do enquadramento, acompanhados por um ridículo efeito sonoro de filme de animação. A estrutura do filme é relativamente original, podendo-se reduzir à integração de três massacres: o inicial, o dos drag-queens e o final, com o conflito entre os personagens remanescentes, precipitando a conclusão.

O toque mais original de «The Item» é o papel da criatura. Num produto típico de Hollywood, teríamos uma premissa praticamente igual, com um ser criado geneticamente ou um E.T. capturado e destinado a uso militar, que se libertava, matava algumas pessoas enquanto não era eliminado, perante uma das costumeiras lições de moral (é errado alterar geneticamente criaturas disformes para destruir povos e culturas, inimigos dos EUA, ou algo assim). Este item é diferente. Da sua forma fálica naïf, não se deduziria que penetra no interior das mentes dos personagens, ao invés de retalhar os seus corpos. Clark não perde tempo com moralidades lineares (os personagens não são definidos como "maus" ou "bons" por serem criminosos), antes atribuindo ao Item uma função psicanalítica destruidora, fazendo vir à tona aquilo que os seus "pacientes" tentam esconder no canto mais escuro da sua psique.

Mesmo quando o final se aproxima a passos largos, há sempre algo mais que se nos apresenta, sem que para ela estejamos preparados. O segmento final possui um teor mais sério, quase melodramático. A cena que antecede a conclusão, equilibra-se, balançado para cá e para lá, sobre a fina linha entre o exploitation, o gratuito, e o sério, artístico, "justificado" pelo guião. O mais interessante é Clark filmá-la com a maior das naturalidades, como se não houvesse ali nada para lá da banal normalidade. Há aqui mais do que se pode ver à superfície salpicada de sangue. O realizador define «The Item» como "um moderno arte-exploitation"; uma definição tão justa, quanto curta e redutora.

****
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Publicado on-line em 10/4/00.