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Os Olhos da Serpente/Snake Eyes
Realizado por Brian De Palma
EUA, 1998 Cor - 99 min. Anamórfico
Com: Nicholas Cage, Gary Sinise, John Heard, Carla Gugino, Stan Shaw, Kevin Dunn, Michael Rispoli, Joel Fabiani, Luis Guzmán, David Anthony Higgins

Em Atlantic City, o polícia Rick Santoro (Cage) vai assistir ao combate de boxe entre os pesos pesados Tyler (Shaw) e Ruiz, sentando-se próximo do amigo de longa data, Dunne (Sinise), um militar responsável pela segurança de uma alta individualidade do Estado. Durante o evento desportivo há um atentado e Santoro tenta juntar as peças do puzzle, que parecem envolver duas mulheres - uma loira (Gugino) e uma ruiva -, um terrorista islâmico e talvez os próprios pugilistas. Existem 14 mil testemunhas e 5 mil câmaras no recinto - nada que intimidasse o(s) assassino(s).

Há uma cena em «Missão Impossível» (1996), com Tom Cruise pendurado do tecto de uma sala de segurança máxima, tornada ridícula pela improbabilidade de alguém conceber um espaço com controle de temperatura e humidade para detectar a presença de intrusos, sem utilizar uma ultrapassada e redundante câmara de vídeo. A artificialidade dessa e de outras cenas, concebidas meramente para servir os interesses do argumento, mais preocupado com o estilo e com a aparência (e com Tom Cruise pendurado do tecto, a suar), era seriamente nociva para o efeito de suspensão (o duplo sentido não é intencional) da descrença, essencial no cinema de ficção. Agora De Palma vinga-se, com milhares de câmaras, por toda a parte, usadas como elemento essencial do desenvolvimento da história.

O personagem de Cage foge à norma do polícia heróico que, por uma coincidência, se encontra no meio da acção e se torna a pedra na engrenagem do plano criminoso («Die Hard» e variantes). Santoro tem muitas falhas morais, o que também convém para alargar as possibilidades a partir do momento em que o mistério dá lugar ao mero suspense, depois de De Palma terminar de delinear o sucedido no início do filme, através de revisitações da cena, por diferentes ângulos e por diferentes pontos de vista. O recontar roshomonesco da história não conclui pela subjectividade da verdade, mas antes pela objectividade construída pedaço a pedaço.

Não sendo tão mau como por vezes o pintam, «Snake Eyes» é mais interessante pela forma do que pelo respectivo conteúdo. Depois de propriamente clarificada a trama, a improbalidade de alguém conceber tal plano é a mesma do argumentista ser mastigado por um tiranossaurus rex nas ruas de San Diego. A intricada teia de enganos - A engana B para fazer pensar C que D na verdade… - está ali apenas para ser uma intricada teia de enganos e a lógica estava de folga enquanto David Koepp escrevia mais um argumento repleto de conveniências narrativas, o qual, se fosse mais simplificado, mantendo a premissa (a utilização de milhares de testemunhas para comprovar determinada justificação do crime), poderia ser mais satisfatório.

É enquanto exercício cinematográfico que «Snake Eyes» marca alguns pontos. De Palma é um dos últimos cineastas que recusa (ou pode recusar) a atitude "video-friendly", e o modo de filmar é "à antiga". O muito citado plano de abertura de 13 minutos, com uma steadicam a acompanhar Cage enquanto se cruza com os principais personagens, e até que se estabeleça o ponto de partida para a investigação, não é propriamente contínuo - está subtilmente quebrado em pelo menos uma ocasião -, mas é uma óptima maneira de introduzir o filme. O écran é composto plenamente, e não apenas no segmento em split screen, que é, no entanto, o apogeu da utilização do espaço que a TV costuma arruinar mesmo a priori. Uma piscadela de olho é a sequência inicial dos créditos dentro de um pequeno écran de TV, mais ou menos proporcional à área remanescente na cópia de vídeo, em contraste com a sequência final, com texto a despontar alternadamente num e no outro extremo do écran. Só para chatear, já que normalmente são as sequências do título e dos créditos finais que guardam os últimos vestígios do formato cinematográfico.

***
classificações

[A projecção nas salas do Saldanha, inauguradas há menos de um mês, foi lamentavelmente deficiente: som baixo e tendencialmente monofónico, escondido por detrás do écran, e imagem desfocada durante todo o filme.]