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Salò ou os 120 Dias de Sodoma/
Salò o le Centoventi Giornate di Sodoma

Realizado por Pier Paolo Pasolini
Itália/França, 1975 Cor - 108 min.
Com: Paolo Bonacelli, Giorgio Cataldi, Umberto P. Quintavalle, Aldo Valletti (dobrado p/ Marco Bellochio), Caterina Boratto, Elsa De Giorgi, Hélène Surgère (dobrada p/ Laura Betti), Sonia Saviange, Giuliana Melis, Faridah Malik, Sergio Fascetti, Antonio Orlando

Os Senhores coordenam a operação de recolha das vítimas; jovens de ambos os sexos na flor da idade, que serão levados para a mansão onde hão-de decorrer as orgias, subordinadas a ciclos dantescos. Antinferno, Esperma, Merda, Sangue. Os ciclos da vida, e do sexo associado à alegria, são expressamente rejeitados por Pasolini, que assim compõe um filme em ruptura com ele próprio. Um filme sobre ciclos também, mas desta feita sobre ciclos de morte.

Transpondo «Os 120 Dias de Sodoma», do Marquês de Sade, para os últimos dias da ditadura fascista italiana, «Salò» não podia deixar de ser um filme violento, atroz, repulsivo. Porque é do que trata Pasolini na sua obra final; o fascismo. Violento. Atroz. Repulsivo. O sexo é agora um castigo; uma introdução às torturas finais, de que são merecedores todos aqueles que mereceram uma referência no livrinho de apontamentos dos detentores do poder.

O fascismo é explorado em todas as vertentes possíveis. O espaço fechado da mansão, a lei escrita - e reescrita - a bel-prazer pelos Senhores, o domínio absoluto sobre o "povo", a exigência total da conformidade dos comportamentos aos desejos dos dominadores, a censura, a denúncia e o colaboracionismo. Quanto à censura, não deixa de ser curioso - e por outro lado, algo óbvio - que a forma com que Pasolini fez revestir o filme tenha despertado tais ódios e perseguições, de pessoas que quiseram proibir exibições e até destruir negativos. Ainda hoje «Salò» está banido em alguns países.

Um dos terrores menos gráficos, é a nossa incapacidade de resistência à opressão e ao terror do domínio total do regime, que nos leva a ceder e a tornar-nos parte. A fuga ao pesadelo passa pela denúncia do vizinho, que é reconhecida e estimulada pelos Senhores. A sequência das denúncias no filme leva o espectador ao riso, e, no entanto, será das sequências menos caricaturais. É a partir daqui que se escolhem os eleitos, aqueles que serão levados para «Salò». Os que olharam o abismo e a quem o abismo devolveu o olhar.

No fundo, as atrozes orgias, poderiam não passar de um concurso, cujo prémio são "umas férias de sonho", algures, ligeiramente mais atroz daqueles que o regime nos oferece, mas em que ainda podemos rejeitar a participação. Simplesmente, as humilhações que se sofrem e as coisas que se comem, não são a troco da sobrevivência, mas de 15 ou 20 contos e de um reconhecimento público.

A cópia em reposição no Cine ACS, em Lisboa, está num estado verdadeiramente lastimável, e não será um acto de censura apelar à sua destruição... e à substituição por uma nova.

****1/2
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