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S.
Realizado por Guido Henderickx
Bélgica, 1998 Cor - 96 min.

Com: Natali Broods, Kristine Van Pellicom, Inge Paulussen, Dora van der Groen, Jan de Cleir, Jos De Pauw, Katelijne Damen, Peter van den Eede, Koen Van Kaam

Em Nova Iorque, uma jovem belga (Broods) põe termo à relação com o namorado, bem como ao próprio namorado. De volta a Bruxelas, inicia novas relações e restabelece outras antigas, enquanto procura o entendimento do seu passado e tenta pôr a vida em ordem, sem perder a sanidade mental. Este processo passa por contactos com a família: a mãe - uma prostituta, que nem se lembra do nome da filha -, a avó e o pai - um criminoso, que poderá ou não ter abusado da filha menor -, através de declarações gravadas em vídeo.

«S.» foi rodado num período de apenas duas semanas, depois de algum tempo gasto com ensaios registados em vídeo, quando as duas actrizes principais ainda andavam no liceu. Tematicamente pode-se reconduzir a uma variante do estudo da desagregação da instituição da família, intercalada com a revolta de uma jovem contra o mundo dominado pelo poder masculino. Estes temas são obviamente sérios e importantes e Henderickx não se coíbe de tentar provocar reacções na audiência, nem que sejam de profunda irritação, algo que por vezes é eficaz para forçar tomadas de posição, mesmo que sejam opostas àquela que a obra parece tentar empurrar na nossa direcção. De acordo com o que o realizador e o produtor disseram, na introdução ao filme no Fantasporto 2000, no festival de Munique as reacções exaltadas chegaram a insultos e estiveram próximas da agressão física aos cineastas.

«S.» pode ser visto como um filme fortemente feminista, não deixando de conter algumas aparentes contradições, como o facto da personagem trabalhar num "peep show", desnudando-se perante homens a troco de dinheiro, ou o teor de quase "sexploitation" que o polvilha, com frequentes cenas de sexo e nudez feminina. O "voyeurismo", é também usado como constante estética, nas cenas do diário-vídeo que intercalam o filme, recorrentes, tal como a imagem de S. no carro, sob música dos dEUS e os diversos fade-outs - ou "fade-downs" precedendo o "clac!" da janela do "peep show". Esta componente procura afirmar, de forma muito clara, que há uma diferença em usar e expor o corpo e a beleza femininos, sem que tal implique submissão às vontades masculinas. Neste caso, não é o homem que põe as moedas na ranhura que está a usar a mulher que se expõe, mas é esta que controla (e que recebe o dinheiro), sem que haja contacto físico ou a utilização (directa) dela como objecto sexual. Compare-se este "voyeurismo", com a cena em que um homem assiste ao que parece ser um "snuff movie", demonstrando uma satisfação semelhante à obtida nas cabinas de "peep show".

Os artifícios estéticos acima referidos, compõem um método narrativo que funciona em circulo; um contínuo recomeçar, um tentar chegar a algum lado, entender o porquê das coisas. S. mata e fá-lo, por vezes, com requintes, chegando a cozinhar e a tentar comer uma certa parte de uma das suas vítimas; mas ela não mata homens indiscriminadamente, como Zoe Tamerlis em «Ms. 45/Angel of Vengeance» (1981), de Abel Ferrara. As suas vítimas apresentam-se aos nossos olhos, sempre através dos da protagonista, como merecedoras de um castigo, por actos concretos que são expostos, não deixando, por esse motivo, de representarem comportamentos ou pontos de vista mais gerais. Por exemplo, quando uma das vítimas é um padre pervertido, a revolta de S. não é dirigida apenas contra o indivíduo, mas também contra uma instituição dominada (também) por homens e que historicamente tem considerado a mulher uma criatura inferior e destinada a servir o homem.

«S.» pode também ser descrito como a história de uma rapariga que "procura amor, calor humano, mas que encontra apenas um mundo frio", nas palavras da actriz principal, Natali Broods, que rejeita tratar-se de um filme de "sexo e violência", mas essa descrição, por si só, não será eficaz para transmitir uma ideia definida daquilo que aborda.

O desespero face ao obscuro sentido da existência e o modo violento como esta revolta é consubstanciada, têm algum paralelo com o filme de horror metafísico de Michele Soavi, «DellaMorte DellAmore» (1994), apesar das semelhanças temáticas se limitarem a este ponto. No plano estético, há uma imagem que se repete, que é - sem entrar em pormenores substanciais - a da bola de vidro, com neve, que tem um significado simbólico importante em ambos os filmes, e surge, num e noutro, no mesmo momento narrativo. Apesar da esfera representar o isolamento de personagens ou a insignificância e a limitação do conhecimento humano, a utilização deste elemento visual acaba por surgir de forma muito mais positiva em «S.»

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Publicado on-line em 28/5/00.