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Perdita Durango
Realizado por Alex de la Iglesia
Espanha/México, 1997 Cor - 126 min. Anamórfico
Com: Rosie Perez, Javier Bardem, Harley Cross, Aimee Graham, James Gandolfini, Screamin' Jay Hawkins, Carlos Bardem, Santiago Segura, Don Stroud, Alex Cox

Perdita Durango (Perez) é uma mulher sensual, forte e perigosa. À noite sonha com um jaguar que lhe destapa o corpo. Na fronteira entre os EUA e o México conhece Romeo Dolorosa (Bardem), que vive dos mais diversos trabalhos ilícitos e é sacerdote de um culto que realiza sacrifícios humanos para audiências selectas e com dinheiro para gastar. Dolorosa aceita um trabalho para um gangster chamado Santos, relacionado com fetos humanos e com a indústria de cosmética. Entretanto, sugere a Perdita que encontrem alguma vítima para uma próxima cerimónia, e os jovens Duane (Cross) e Estelle (Graham) são infortunados o suficiente para se cruzarem com eles. O casal de criminosos é perseguido, entre outros, por um ex-sócio de Romeo, um agente do DEA (Gandolfini) e por maus sinais nas cartas.

Depois de passar pelo Fantasporto, e de correr festivais por esse mundo fora, o mais recente filme de Álex de la Iglesia chega finalmente a Portugal. Não sendo americano não admira o "atraso", nem admira que, mesmo assim, nos tenhamos antecipado aos EUA ou do Reino Unido. Aí, resta saber como decorrerá o processo de "classificação".

Como muitos saberão, Rosie Perez interpreta uma personagem que já havia surgido em «Wild at Heart» (1990), de David Lynch, baseado também num livro de Barry Gifford e onde também se podia encontrar o "boss" Marcello Santos. A Perdita de Isabella Rosselini era um elemento extremamente secundário, limitando-se a algumas expressões sérias e ameaçadoras, a conduzir um descapotável e a usar uma horrenda peruca loura. Aqui, como o título não deixa mentir, Perdita Durango é o elemento central da narrativa.

Barry Gifford elaborou as primeiras versões do guião, que viriam a ser revistas por David Trueba. Posteriormente, seria a vez de Álex de la Iglesia – que não esteve envolvido no projecto desde a génese –, e de Jorge Guerricaechevarría (co-argumentista nas sua anteriores longas-metragens), darem forma ao produto final. Gifford ter-se-á inspirado na história real de um casal – Adolfo de Jesús Constanzo e Sara María Aldrete – que durante algum tempo, nos anos 80, sacrificaram homens, mulheres e crianças em rituais obscuros, em ambos os lados da fronteira. Romeo acredita na sua "religião" – a santeria –, julgando que é o que lhe permite atravessar continuamente a fronteira apesar de ser procurado pela polícia, mas não deixa de a usar como espectáculo para ganhar algum dinheiro. Tal como o cenário, alternativamente americano e mexicano, a santeria mistura elementos profanos e cristãos, podendo venerar deuses Aztecas e usar a cruz de Cristo ou uma imagem da Virgem Maria. No filme, a eventual fidelidade a essas práticas não foi levada muito a sério, porque havia um tom exagerado, típico da comédia kitsch espanhola, a explorar. A produção mexicana providenciou para que santeros reais purificassem os locais de filmagens, evitando assim o castigo dos deuses.

Quem conhecer o trabalho anterior de Álex de la Iglesia, terá uma ideia do que pode esperar. «Acción Mutante» (1993), apadrinhado pela El Deseo de Almodóvar, permanece a mais kitsch das suas três longas metragens, e é a que mais se mantém fiel a um humor negro sem preocupações de ferir susceptibilidades. O filme acompanha um grupo de mutantes e diminuídos físicos que, numa sociedade do futuro, lutam contra o poder instituído dos "belos", atacando cabeleireiros, estilistas, etc. Em «O Dia da Besta» (1995), exibido entre nós imediatamente depois de sair do Fantasporto do ano passado, Alex Angulo era um padre que tinha de cometer as maiores vilanias para contactar Satanás, para poder evitar o nascimento do Anticristo. Esse foi um filme relativamente bem sucedido comercialmente (e há que reter que filmes espanhóis podem fazer muito dinheiro no mercado local), mas sofre de uma aparente necessidade de fornecer um ensinamento moral à medida que a conclusão se aproxima, e tem também algumas inconsistências (mesmo para uma comédia satânica).

«Perdita Durango» foi rodado em inglês, com algumas partes em castelhano, e com algum castelhês pelo meio, como não podia deixar de ser. Os psicopatas principais não deixam de merecer alguma simpatia por parte da audiência. Romeo é um maníaco homicida, é verdade, mas não deixa de ser algo ingénuo, respeitando compromissos de "trabalho" (pelo menos antes de ser pago) e valorizando muito os laços familiares tradicionais. Se há algo sedutor nos personagens é a sua liberdade, mesmo que prede a dos outros. O casal americano é o oposto, mesmo fisicamente. Adolescentes, loiros, bonitos e economicamente confortáveis. Ser falado em inglês ajuda à penetração no mercado americano, mas podem haver problemas relativos a identificação da audiência com os personagens. O meio tem que ser acessível, mas o conteúdo não será facilmente adaptável. Outra das diferenças "fronteiriças" é o lar nos EUA, onde a família vê concursos telelixivos na TV, e o lar mexicano em que se vê anime semi-pornográfica, da serie japonesa «Urotsukidôji», onde tentáculos e monstros coabitam com alunos de liceu (nem sempre com mútuo consentimento, e duvida-se que todos os monstros mutantes tenham idade legal para tal).

Violento e com uma forte carga erótica, «Perdita Durango» tem todos os ingredientes para ser odiado por muitos e feito filme de culto por outros. Definido pelo realizador como tendo "40% de acção, 20% de história de amor, 15% de western fronteiriço, 15% de comédia, 5% de alegoria religiosa e 5% de terror com muito picante", é natural que se requeira uma certa flexibilidade por parte do espectador. De qualquer forma, não querendo corrigir os cálculos, parece-nos que a componente da comédia é muito mais vincada do que De la Iglesia parece sugerir.

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