cartaz
comentários
coluna
secção informativa
favoritos
arquivo

index

Lolita
Realizado por Adrian Lyne
EUA/França, 1997 Cor - 137 min.
Com: Jeremy Irons, Melanie Griffith, Frank Langella, Dominique Swain, Suzanne Shepherd, Keith Reddin, Erin J. Dean, Kathryn Peterson, Muse Watson

Humbert Humbert (Irons) é um professor inglês que vai ensinar para os EUA. Quando visita a casa de Charlotte Haze (Griffith), com o intuito de aí se hospedar, apenas se decide a ficar após ver a filha, Dolores, mais conhecida por Lolita, por quem fica imediatamente atraído. A jovem de 12 anos, que se virá a mostrar anormalmente conhecedora dos factos da vida, para a sua idade, não só parece corresponder, como estimula esse sentimento. Humbert tudo faz para ficar próximo da ninfa, mesmo suportar a sua mãe, que detesta. O homem e a menina precoce embarcam numa excursão pecaminosa pelos Estados Unidos, seguidos por alguém que nós sabemos, desde logo, ser Clare Quilty (Langella, já conhecido por outro papel vampiresco). Lolita torna-se numa obsessão para Humbert, e esta aproveita para o usar ao serviço dos seus interesses.

"Tanto barulho por nada", como diria Shakespeare, ou qualquer um de nós, depois de ver a «Lolita» de Lyne. Quando o filme for lançado nos EUA ou no Reino Unido (se for...) a decepção será geral. Como se não bastasse o filme ser mau, ainda se cria toda esta expectativa, toda esta insensata e injustificada polémica, em seu redor. Quem vir o filme, um ano depois de todo este feedback, não pode deixar de apreciá-lo (ou desprezá-lo) sem algumas ideias pré-concebidas. O mais irónico de tudo, é que o que se nos apresenta não é a história de um homem que abusa da inocência ou inexperiência da sua enteada. Estamos sim, perante uma rapariga precoce o suficiente, não só para saber o que está a fazer, como para manipular um homem muito mais velho e levá-lo gradualmente à perdição. Tecnicamente, claro, trata-se de abuso de menores, mas não há nada que impeça o tema de produzir um grande filme («Lolita», 1962), e toda a confusão em redor, prende-se apenas com o moralismo exacerbado de nações, onde se tem dificuldade em aceitar que a representação artística não tem de ser tratada da mesma forma que a realidade. Assim sendo, deviam-se boicotar todos os filmes retratando homicídios, acusando os produtores de desejarem atentar contra a vida humana.

A recente lei Americana, o "Child Pornography Act", semelhante, nas suas intenções, a um texto legal já existente no Reino Unido, torna automática a obrigatoriedade de cortes de meras representações de actos sexuais por parte de menores. Ou seja, nem sequer se podem utilizar duplos ou sobrepor digitalmente a cabeça da inocente criancinha, no corpo de uma adulta responsável, na plena posse das suas faculdades, paga apenas para dar o corpo ao manifesto (que é, sem dúvida, uma ideia divertida).

Esta «Lolita» não é subtil, como a de Kubrick; fala-se directamente dos actos pecaminosos, e, apesar de se referir que esta versão foi remontada de acordo com o que podia passar na referida lei, existem, de facto, sequências em que existe sexo, apesar de muito inocentemente filmadas (do pescoço para cima, por exemplo), e outras há com alguma provocação sexual por parte da malandra da menor. Para além disso, ainda temos alguns planos de nudez com uma dupla, freneticamente filmados, para que as suas feições não se distingam. Portanto, fiquemos seguros, que Dominique Swain teve todos os direitos constitucionais e legais respeitados, e, aliás, a má projecção - película mal tapada, enquadramento demasiado alto - até permitiu mostrar que quando ela despe a camisola está protegida por debaixo. Uff.

O MPAA classificou o filme nos EUA, com um Restricted (R), i.e., para maiores de 17, não acompanhados pelos pais. (Se os responsáveis legais quiserem, podem levar a criançada toda. Aparentemente, já se tem registado a presença de pais com miúdos de 5 anos ou mesmo crianças de colo, em filmes como «Natural Born Killers»). As razões da classificação foram, literalmente: "sexualidade aberrante, uma cena forte de violência, nudez e alguma linguagem". Portanto, nada que justifique o ferro quente do NC-17, que veda a entrada a menores de 17, mesmo acompanhados pelos pais. A "linguagem", claro, refere-se às duas ou três F words, que rimam com Daffy Duck.

Quanto ao filme em si, tem que se lhe fazer a devida justiça: é dos maiores soporíferos que estrearam nos últimos tempos. São duas horas e um quarto algo sofredoras, de um filme que parece esforçar-se por ser pretensioso e kitsch. A narração de Irons não ajuda nada ao contar da história, nem à caracterização do personagem, apenas tenta fornecer algumas frases "poéticas" irritantes. Mesmo sendo mais fiel ao romance de Nabukov, como o próprio filho do escritor, Dmitri, admitiu, a narrativa não flúi naturalmente, o que ajuda a demonstrar que nem sempre é importante - ou nem sempre basta - "respeitar" um livro. O filme de Kubrick teve o argumento assinado pelo próprio autor do livro, mas o realizador terá dado primazia à sua visão pessoal, quanto à forma de apresentar a história no écran.

Lyne livra-se rapidamente de Melanie Griffith, no papel mais insuportável da sua carreira, para que o casal possa ter mais tempo a sós. Não existem muitas sombras de cinzento no personagem de Irons, nem no de Swain. São ambos muito claros e directos, não apresentando quaisquer conflitos internos, ou personalidade escondida, o que, no caso de Lolita ,seria importante. Irons limita-se a retratar o habitual homem torturado pela vida, dominado pela paixão incontrolável, etc., etc., a que já nos habituou em demasiados filmes, desde «Damage», até «M. Butterfly» ou até mesmo, em parte, em «Dead Ringers». Swain não sabe bem o que faz, nem a ambiguidade que deveria revestir a sua personagem. Afinal, é menor e irresponsável.

O realizador procura transmitir-nos alguma da sensualidade que dá a volta à cabeça de Humbert, o que era totalmente desnecessário, já que sabemos que ele está emocionalmente preso desde que a vê. Nestes termos, Adrian Lyne usa, ad nauseam, planos de Dominique Swain com as pernas em cima da mesa, ou de outra coisa qualquer, para que espreitemos a sua roupa interior (será que a projecção errada ajudou?) Em outros momentos, recorre a artifícios que melhor ficariam num thriller, como quando filma os personagens a correr, com a câmara junto ao chão, nos seus calcanhares (parecem fugir de um qualquer psicopata), ou ainda na sequência de pesadelo, com a imagem distorcida (mas com um bom design sonoro). Nada disto contribui para dar alguma dimensão aos personagens.

Apesar de ser claramente involuntário, «Lolita» fornece algumas boas gargalhadas. O ajuste de contas com Quilty é um bom exemplo.

1 poia / images/frame.gifimages/meioframe.gif
classificações especiais
classificações